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O Poder e as Estrelas livro de Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano
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Capítulo 17. Comunhão |
Thomas Cole, 1842, A Viagem da Infância
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Arvos assistiu, como bilhões de pessoas o fizeram, o documentário sobre a Área Neutra e ficou relativamente satisfeito.
Ao menos, nesse programa de TV, os cornianos não estavam sendo tratados como seres imbecis.
No entanto, suas próprias declarações à reportagem o surpreenderam. Como ele não havia citado a música? |
A música dos terráqueos era realmente um dom divino e era imperdoável que ele nem sequer tivesse mencionado a importância dessa descoberta para si próprio e para muitos de seus irmãos.
Frequentemente se dirigiam aos bosques ao redor da aldeia e celebravam seus cultos a Deus, ou aos deuses, agora sempre com a presença das máquinas musicais da Terra. Houvera mesmo uma ocasião em que haviam levado para uma grande clareira um conjunto de câmara, de músicos amadores que faziam parte do time de preceptores terráqueos. Arvos gostava das máquinas mas tinha que admitir que a música produzida pelos instrumentos era de qualidade insuperável.
Aborrecido,
saiu para caminhar, levando num dos bolsos o sua maquininha portátil de
som e os fones de ouvidos e, no outro, sua biblioteca de assuntos
religiosos. Ele muito se surpreendera ao perceber que um objeto tão
pequeno pudesse conter tantas e tantas
palavras. Explicaram-lhe,
na ocasião em que ganhou essa biblioteca, que lá estavam, nas memórias
eletrônicas, todas os mais importantes livros sagrados da Terra. Bastava
pressionar o dedo sobre a pequena máquina e apareciam os índices das
obras na pequena tela. Depois era só escolher dizendo em voz alta o que
se queria acessar.
Seus passos o levaram para a grande clareira, onde tantas vezes fora,
sozinho ou com seus irmãos, para rezar. Parecia-lhe que lá, naquele
lugar, Deus prestava mais atenção às suas preces.
Enquanto caminhava pelo bosque, sentia cada vez mais presente a sensação
do sagrado. Sim, para ele, Deus estava, sem dúvida, na natureza.
Caminhara também algumas vezes pelas matas da Terra, naquele ano em que
passara entre os terráqueos. Haviam lhe explicado que muitas florestas
haviam sido destruídas em nome do progresso (uma coisa que lhe pareceu
inconcebível) e que algumas haviam sido reconstruídas, como a Floresta
Negra, num lugar chamado Alemanha e a Mata Atlântica, no Brasil. Mas foi
apenas na Reserva Mundial Amazônica que ele pudera sentir aquela
presença, que ele chamara um dia de Espírito da Natureza, como sentia
nas matas de seu planeta natal. Quanto mais se afastava da aldeia, maior era a sensação daquela serena presença dentro dele. Como se Deus não pudesse estar tão presente entre as atividades humanas. Ali, todos os sons, os pássaros, os bichos que a floresta escondia, o murmúrio das águas próximas, o vento nas folhas e a contemplação das maravilhosas cores e nuances da natureza, com a luz a brincar entre as árvores no seu eterno jogo de claro-escuro, tudo elevava sua alma, como o elevava também a contemplação do céu, de dia com seus vários tons e dança de nuvens, de noite, pelo cintilar das estrelas...
Arvos, ao tomar contacto com a música da Terra, frequentemente era transportado à lembrança das matas. E fora assim que concluíra que a música que os terráqueos haviam criado, a mais nobre e elaborada delas, a que eles chamavam clássica, era a síntese e a ordenação lógica dos ruídos naturais, sendo, portanto, a verdadeira voz de Deus. Ainda que os terráqueos não lhe tivessem dado nada daquele mundo de conhecimento e maravilhas, ele lhes seria eternamente grato por terem lhe dado a música.
E
Arvos subitamente compreendeu que, por mais diversos que
pudessem ser os caminhos dos seres viventes, em direção ao Sagrado,
todos esses caminhos eram um único e conduziam a um único Deus, uma
força inexplicável (mesmo para os terráqueos que tudo pareciam saber), a
mesma força que fazia brotar as sementes e nascer todos os seres
viventes, homens, animais ou árvores e que a verdadeira religião seria
aquela que levaria todos a um encontro inexplicável, um encontro que se
processava no íntimo de cada ser, um encontro que não poderia ser
descrito, explicado, dissecado. Nada havia de novo, sob qualquer sol, entendeu ele. Por mais coisas
novas que lhe tivessem trazido os terráqueos, por mais que houvesse
transformações em seu povo, pela moeda, pela competição social, tudo
isso era nada diante do grande mistério da vida que se impunha, que se
repetia. A vida, magnífica, haveria de se interpor sempre entre as banalidades do
cotidiano e o grande mistério da morte. Arvos levantou-se e caminhou entre eles, certo de que saberia, sim,
conduzir o seu povo, pelos mais belos rumos da espiritualidade que, a
despeito de todas as maravilhas que a Terra havia introduzido em sua
sociedade, era a meta final para todos os seres viventes.
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