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O Poder e as Estrelas livro de Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano |
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Capítulo 11. A Árvore do Conhecimento |
Chain Sountine 1942 A Grande Árvore Não que isso fizesse grande diferença na prática para os Cornianos que já haviam se fartado de adquirir toda a sorte de bugigangas terrestres, já tinham suas casas equipadas e confortáveis, já possuíam todas as melhorias urbanas em suas aldeias e haviam conquistado uma excelente qualidade de vida. |
Apolo tornou-se o grande e feroz crítico das atividades em Cornos.Usava todo o seu poder e toda a sua influência para disseminar a idéia de que os habitantes de Cornos já haviam usufruído todos os privilégios e de todas as conquistas da humanidade e que, antes que no planeta se formasse uma geração de indolentes, era necessário transmitir aquele povo a noção da produtividade, sem a qual valor nenhum existia. A exploração das riquezas naturais de Cornos, segundo Apolo, já haviam sido pagas, e muito bem pagas, pelo extraordinário salto evolutivo de seu povo, proporcionado pelos terráqueos. Era injusto, dizia ele, que ainda houvesse miséria na Terra, enquanto um bando de nativos usufruía uma qualidade de vida inimaginável para a maioria do nosso planeta, sem fazer nenhum esforço por isso. Defendia, ainda, uma drástica redução nos impostos pagos pela Terra para explorar Cornos.
Não que isso fizesse grande diferença na prática para os Cornianos que já haviam se fartado de adquirir toda a sorte de bugigangas terrestres, já tinham suas casas equipadas e confortáveis, já possuíam todas as melhorias urbanas em suas aldeias e haviam conquistado uma excelente qualidade de vida. Ninguém mais morria cedo. Ninguém mais sofria com doenças. No primeiro ano, triplicou o número de mulheres grávidas e não houve nenhuma morte.
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Era do conhecimento de todos que muitos habitantes haviam se afastado das escolas, por desinteresse alguns, outros por acharem que já haviam aprendido mais que o necessário e também por já não encontrarem tanto prazer em adquirir coisas através de seus vales. Todos já tinham tudo. Lentamente foram voltando a caçar e pescar, promoviam torneios e lutas para afastar o tédio e muitos baixavam aos hospitais, com ferimentos e contusões resultantes desses jogos.
Os três líderes, representantes de suas respectivas tribos, chegaram
pontualmente às 4 da tarde ao QG da Frota Espacial.
Réa tremia sempre diante de Tutôr. A velha ferida do amor não realizado
parecia nunca cicatrizar. Não incomodava, quando estava longe dele, mas
vê-lo sempre era uma espécie de dor. Ele agora era um perfeito
terráqueo, pelo menos no que dizia respeito à aparência. Tinha bom gosto
o raio do homem, sabia combinar as cores e os tecidos, como se sempre
houvesse usado roupas. Mas havia nele uma sombra, uma gota de tristeza
no olhar e, hoje, essa sombra parecia ter crescido. Arvos, que também
acabara por adotar os trajes terráqueos, preferindo porém os mais
esportivos, também ostentava um semblante sombrio e Iala estava menos
brilhante do que sempre parecera aos olhos de Réa, embora também
estivesse impecavelmente vestida, no mais puro estilo clássico, trazendo
mesmo uma camélia de seda na lapela do blazer de linho.
Cumpridas as formalidades do encontro, Arvos tomou a palavra:
- Também percebo, Mestre Arvos, que muitos dos cornianos, passado o
encanto das novas descobertas, mostram-se insatisfeitos e lhe asseguro
que já me reuni com nossos psicólogos comportamentais e eles me deram
algumas sugestões que colocarei para a apreciação dos senhores.
- Perdoe-me mais uma vez, cara Almirante. Mas eu diria que é muito mais
do que uma simples insatisfação. Nosso povo, que antes tinha uma alegria
natural, está se tornando amargurado. Diria que perdemos a nossa
espiritualidade. Muitos de nós já nem acreditam que existam os deuses,
ou mesmo um deus único, como o dos terráqueos. Tanto conhecimento,
adquirido assim de uma vez, transformou a nossas mentes, nos fez negar
tudo o que antes sabíamos e isso inclui a religiosidade. Mais ninguém,
ou quase ninguém, aparece em nossos rituais e muitos, a maioria, zombam
deles. Os renegaram como algo primitivo, do tempo em que éramos
ignorantes das verdades que vocês nos revelaram sobre a vida e sobre o
universo. Por outro lado, as teorias religiosas da Terra não atingem o
coração de nosso povo, que, desta maneira, ficou órfão de Deus. E se
tornou amargurado. Como se, todas as maravilhas que os terráqueos nos
proporcionaram, nos tivessem tirado parte da alma.
- Além disso, Almirante, - disse Tutôr – o povo não tem mais razão
alguma para lutar. Tudo lhes é provido. Não precisam mais caçar ou
colher para conseguir alimentos. Não precisam mais lutar entre si, pois
todos têm tudo o que possam desejar. Um ser humano não pode viver sem
lutar. A vida é luta ou, pelo menos, assim era antes da chegada dos
terráqueos.
- Também não é mais preciso sofrer ou pedir aos deuses pelo
restabelecimento da saúde – acrescentou Iala. Assim, todo o temor aos
deuses desapareceu. Agora basta ir a um centro médico e todos são
curados de todos os males. Perdeu-se o temor, perdeu-se a perspectiva da
morte e, embora todos, terráqueos ou cornianos, sejamos mortais, todos
vivem como se a morte não existisse. Por isso já não se voltam para os
mistérios do viver e do morrer. Parece contraditório, mas tudo isso
tirou do nosso povo a alegria de viver. Com todas as suas necessidades
imediatas satisfeitas, sem ter porque lutar e, como diz Mestre Arvos,
órfãos de Deus, parecem ter perdido a alegria. Já não se ouvem cantos,
já não se tem a alegria da superação das dificuldades, a alegria das
conquistas. Abandonaram-se as festas, os rituais e, em breve, a música
das máquinas e suas imagens holográficas, cairão na banalidade, na
rotina. O que restará? Como serão nossos filhos, vivendo sem tudo isso
que tinham seus pais? Peço desculpas, Almirante, pois tudo o que estamos
dizendo pode soar aos seus ouvidos como uma grande ingratidão a quem nos
proporcionou uma vida tão cheia de maravilhas, mas estamos preocupados.
Já notamos que muitos dos nossos estão se entregando a jogos violentos,
outros tentam voltar ao velho estilo de vida que já não se encaixa mais
nesse mundo novo; outros, ainda, estão se entregando aos prazeres
enganosos das bebidas que alteram a consciência. Estamos preocupados,
principalmente, com as nossas crianças e com o futuro de nosso povo.
Réa deu um profundo suspiro. Depois disse pausadamente:
- E também competitivo – disse Tutôr, com surpreendente lucidez.
- Não sei – disse Réa prontamente. Talvez realmente se perca essa idéia
de que tudo pertence a todos, já que existirão diferenças de trabalho,
posição e poder aquisitivo. Mas será um preço tão alto a pagar por tudo
o que a Terra lhes proporcionou?
- Na verdade – disse Iala – nós não pensamos nas consequências para a
mente e para o coração do povo quando aceitamos a interferência da
Terra. Veja bem, almirante, eu não estou arrependida de nossa decisão e
nem negando a importância do que vocês nos trouxeram. Mas é fato que nós
três não paramos para pensar no preço que o nosso povo teria que pagar
para ter a qualidade de vida e o conhecimento dos terráqueos.
- E lhe parece agora alto demais esse preço?
- Sinceramente não sei. – respondeu Iala. No entanto o que está feito
está feito, não há como retroceder.
- Penso que o nosso povo ficará mais feliz se tiver obrigações com
relação ao trabalho. – disse Tutôr – todos nós trabalhávamos muito pela
sobrevivência antes dos terráqueos chegarem. E acostumaremos nossas
crianças a este novo modo de vida. Todos terão porque lutar. Ainda que
seja, como na Terra, a luta pela posse das coisas, pela posição no
trabalho, pelo dinheiro. Nós nos acostumaremos. O que não podemos é
continuar como estamos: sem deus e sem desafios.
Foi a vez de Arvos se manifestar. Levantou-se, foi até a janela e
disse, fitando o horizonte:
- Certamente, Almirante, se o nosso povo vai contribuir com trabalho,
lhe será dado dando o direito de decisão sobre os rumos da sociedade,
não é? – disse Tutôr - Certamente teremos também que participar da
administração das cidades-aldeia, das atividades produtivas e teremos,
como vocês tem na Terra, o direito de escolher livremente quem
participará do poder.
- É claro que daremos a vocês, a medida que tudo isso se instalar, cada
vez mais autonomia. Acredito que esse será um processo lento, gradual e
que o acesso às posições de decisão e poder virá naturalmente. A Terra
não deseja que Cornos seja eternamente uma colônia. Mesmo nos outros
continentes, onde a cada dia se instalam mais e mais terráqueos e
inúmeras atividades produtivas, há previsão de autonomia e governos
próprios para daqui a cinco anos.
- Mas ainda há outra questão – ponderou Tutôr – que é a nossa liberdade
de locomoção. É verdade que, antes de vocês chegarem, nós nem sequer
sonhávamos que o mundo fosse tão grande, muito menos que existissem
outros mundos. Estávamos restritos às nossas aldeias e imediações. No
entanto, agora que sabemos a dimensão de nosso próprio planeta, existe
em muitos de nós o desejo de conhecer outros continentes e até mesmo de
fazer viagens espaciais. Porém existe a Lei dos Cem Anos, que a própria
Almirante propôs para preservar-nos como raça, para que nosso sangue,
misturado ao de vocês, não se perdesse.
- Isso é simples – respondeu Réa. Também já havíamos discutido essa
questão. Os cornianos poderão sim viajar e será interessante até que se
forme um segmento econômico de turismo, uma atividade muito produtiva e
interessante. Apenas como pré-requisito para viagens os cornianos terão
que se submeter a uma esterilizarão temporária. Poderão mesmo fazer amor
com terráqueos, mas deverão evitar a reprodução mista, só isso.
- Bem – disse Tutôr – esperamos que todo esse plano dê certo. Nós, os
líderes, vamos nos reunir com nossos conselhos das aldeias para expor
todas essas questões e para que os conselheiros possam ir preparando
nosso povo para as mudanças que virão. Pediríamos que nada fosse
divulgado pelas redes de computadores antes que conversássemos com os
conselhos e que os conselheiros consultassem suas bases.
- Ainda é muito cedo mesmo para divulgar. Precisamos estudar detalhes
de como se fará essa transição – disse a almirante.
Quando todos se foram Réa se pos a refletir sobre o poder que, na sua
maneira de pensar, significava muito pouco na sociedade corniana. Os
três líderes que ali estiveram tinham perdido grande parte do poder
sobre o seu povo, com a chegada dos terráqueos. Arvos, principalmente,
perdera muitíssimo em credibilidade já que os seus milagres se tornaram
nada diante do milagre do conhecimento da Terra. Tutôr, que comandava a
maior das tribos, ficara reduzido a um papel quase decorativo no vulcão
de transformações pelas quais passara a vida de seus comandados. Já Iala,
cuja capacidade de manipulação das ervas curativas atraía indivíduos de
todas as tribos, ficara praticamente sem função diante dos milagres da
medicina terrestre. No entanto, eles pareciam não se importar nem um
pouco com tudo isso. Continuavam preocupados com o destino de seus
povos, com uma sinceridade e uma clareza desconcertantes. O que
aconteceria, perguntava-se Réa, com a introdução do dinheiro nessa
sociedade? Tornariam-se os cornianos individualistas e competitivos como
os terráqueos? Perderiam eles a generosidade, o compartilhamento natural
de todas as coisas? Muito provavelmente. E, pensando nisso, pensou na
liberdade do amor entre esse povo e pensou naquela conversa que tivera,
há quase dois anos, com Mestre Arvos, na sacada do restaurante da sede
da conferência na Vênus Platinada.
Estava certa agora de que a generosidade de mil cornianos não
contaminaria em nada o egoísmo dos terráqueos, seria exatamente o
contrário.
Subitamente resolveu tomar uma decisão que há muito vinha negando ao
seu próprio coração. Apertou o botão do comunicador.
- Pois não, Almirante – disse a voz delicada de Mel. - Pergunte ao líder Tutôr se ele estaria livre para jantar em minha casa.
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