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O Poder e as Estrelas livro de Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano
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Para Arvos, Deus era a natureza. Pensava ele que o trovão, as intempéries, eram sinais dos deuses. Pensava que houvesse muitos deuses, que eles tinham criado o céu e a terra e os bichos e os seres humanos. Pensava que havia um deus para cada fenômeno e um deus para cada sentimento: a afeição, a inveja, o ódio... No entanto, na Terra, aprendera rapidamente que a natureza tinha leis e, pelo conhecimento e domínio dessas leis, os terráqueos faziam muito mais do que qualquer curandeiro corniano jamais poderia sonhar. Os poderes dos terráqueos os tornavam deuses aos olhos dos cornianos. |
Capítulo 5 - Música na
Natureza
Arvos estava preocupado.
Sabia que, quando os terráqueos colonizassem Cornos levariam para lá,
além de seus conhecimentos, seus deuses. E Arvos passara tempo
suficiente na Terra para saber que esse povo não tinha chegado a uma
conclusão muito definitiva sobre os deuses. Muitas vezes ouvira-os dizer
que “Deus é um só”, numa tentativa simplista de ignorar as profundas
divergências religiosas que existiam entre os povos e suas crenças e
religiões.
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Degas, orquestra da ópera |
Arvos não tinha dúvidas sobre a existência dos deuses (ou seria apenas um deus? – perguntava-se ele agora). Afinal, muitas vezes vira a manifestação do sobrenatural. Por isso era um sacerdote, um curandeiro. Tantas vezes evocara os deuses, pela cura ou pela colheita, e fora, sem sombra de dúvida, atendido.
Lembrava-se ainda com um certo espanto de quando a filha do chefe de sua aldeia ferira-se gravemente numa caçada e ele passara dias e dias junto dela. A pobre moça tinha hematomas em todo o corpo e uma enorme contusão no crânio. Delirava. Ardia em febre. E ele tentara de tudo: queimara as mais finas ervas, preparara as suas mais eficientes poções... Nada. A moça jazia inconsciente. Justo ela, a filha do chefe, que estava sendo treinada nas artes da governança pois, quando se fosse o líder, seria ela a sucessora e em suas mãos estariam os destinos de seu povo. Arvos tentara tudo, em vão. Depois de passar mais uma noite em claro, velando a sua menina e de não ver nela nem o mais mínimo sinal de consciência, assim que começaram a surgir as primeiras luzes da manhã, ele saiu da cabana em desespero. Naquele tempo ele ainda pensava que a noite era um manto, cheio de pequenos furos, que os deuses estendiam sobre a terra de Cornos e julgava então que, ao amanhecer, os deuses estivessem a postos, recolhendo o grande manto da noite.
Por isso, essa era a hora
ideal para falar com eles. Arvos ainda não sabia o que eram as estrelas,
muito mais do que buracos por onde a luz do dia escapava do manto da
noite... Assim, postou-se em frente a cabana e ergueu seus braços para o
céu, clamando aos deuses. Explicou a eles que suas artes eram
insuficientes para curar Lana, a filha do chefe, e que ela não podia
morrer ou viver para sempre naquele estado inconsciente; que ela nascera
para governar o povo e que o povo ficaria órfão sem ela. Pediu, com
todas as suas forças, que os deuses dessem um jeito de salvar a moça. E,
para mostrar que o pedido era mesmo importante, ofereceu aos deuses, em
sacrifício, um rico vaso de barro, onde preparava suas poções e que fora
do avô do avô de seu avô.
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