- Talvez não. Talvez ele possa viver com isso, embora
tenha dito que não queria me dividir. Mas temos passado tantos períodos
longos sem nos ver que eu duvido que ele não tenha feito amor, também,
com alguma outra mulher. Narciso não é homem de ficar sem sexo.
- Então?
- O problema não é o sexo. É o amor. O que mexeu com ele foi pensar que
eu poderia amar você, que é mais do que sexo puro e simples.
- E você me ama?
- Amo. – respondeu ela sem pestanejar – Agora mais do que antes.
- Também amo você – disse ele com singeleza – Amo você desde o primeiro
dia em que a vi e que pensava que você era uma deusa. Nunca pude tirar
sua imagem de minha mente e hoje estou me sentindo completo de novo.
Durante todos esses anos me faltava um pedaço. Faltava você. Eu não
quero mais viver sem vir aqui, sem fazer sexo com você. Como vai ser
quando o major chegar?
- Não sei – disse ela com sinceridade – Realmente, não sei.
- Não poderíamos estar todos juntos?
- Como assim?
- Você, eu, Marla e o major. Será que ele gostaria dela?
Réa riu de novo:
- Vocês fazem sexo grupal?
- Quando todos querem. Será que o major gostaria de Marla?
- E Marla, gostaria dele?
- Acho que sim. O seu companheiro é um homem forte e atraente. Talvez
ela goste da idéia.
- Não sei como ele reagiria a isso – respondeu Réa, ainda rindo. – Mas
eu gosto da idéia.
- Que bom! – exclamou ele, puxando de novo para junto de si.
Quando Réa entrou no QG da Frota no dia seguinte, Mel não pôde deixar de
notar a alegria de sua chefe e permitiu-se perguntar, com alguma
malícia:
- Está um belo dia, não Almirante?
Lá fora, chovia a cântaros.
Réa riu:
- Sem dúvida, cara major.
E entrou na sala, cantarolando baixinho, sem perceber.
Pediu um café completo e, enquanto o saboreava, pôs-se a pensar. Na
Terra, na década de 1920 e na década de 1960, ela sabia, muito se falara
em amor livre e, quando ela nasceu, no ano 2000, as pessoas já não
tinham tantos preconceitos sexuais. Ela mesma vivera o sexo,
independente do amor, com muita liberdade. Mas, reflete ela agora, tudo
isso levara aos terráqueos apenas a liberdade sexual, e, mesmo assim,
uma liberdade relativa. Muitos ainda faziam do sexo, moeda. E muitos
exerciam essa liberdade sob o manto da hipocrisia, freqüentemente
escondendo suas aventuras de seus parceiros fixos. Amor livre era
aquilo: era o que havia em Cornos. Os terráqueos nem sequer sonhavam com
uma situação semelhante a dos cornianos. Em matéria de amor, todos na
Terra, eram escravos e dependentes. Arvos tinha toda a razão em temer
que o conceito de propriedade, a moeda, a posse, contaminassem a extrema
generosidade daquele povo. Ela mesma, agora, temia as conseqüências de
ter aceito o amor e o sexo de Tutôr. Ele era bem capaz de sair contando
para toda a aldeia que amava a Almirante Réa. Marla também era capaz de
comentar que seu companheiro, afinal, conseguira o que tanto queria. E
como a Frota veria a sua principal mulher em Cornos envolvida com um
nativo? O que diria a imprensa da Terra? E Apolo, seu arquiinimigo,
usaria isso em suas bombásticas declarações à mídia? Se tentassem usar
seu caso com Tutôr contra ela, deveria então se defender? Falar do amor
livre que encontrara em Cornos e de como acreditava que esse era um
valor corniano que não deveria se perder no contato com os terráqueos?
Deveria seguir o conselho, dado há tanto tempo, por Arvos? E, ainda, com
seu caso de amor tornado público, como reagiria seu querido companheiro?
Sentir-se-ia humilhado e traído? Separaria-se dela? Eram muitas questões
nas quais ela teria que pensar. Sentia-se, no entanto, tão feliz, tão
realizada e jovem, que podia refletir sobre tudo, até sobre a eventual
separação de seu amor de tantos anos, sem angústia. Mas precisaria
conversar sobre todas essas questões. Com quem? Mel, talvez. Mas seria
dar muita corda a uma subordinada, elas eram amigas, mas isso poderia
ser intimidade demais. Com quem conversar? Com sua mãe? Não. A mãe era
sábia, mas estava velha e tinha lá suas próprias atribulações, além
disso acabaria aconselhando-a a renunciar a Tutôr e isso ela não estava
disposta a fazer. De repente, a resposta atingiu-a como uma raio: Arvos.
Era isso.
- Major Mel – disse ela ao comunicador – peça ao Mestre Arvos para vir
conversar comigo quando for possível, mas com uma certa urgência.
Tinha certeza que os conselhos de Arvos seriam os mais sábios que ela
poderia ter agora.
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capítulo 13
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