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O Poder e as Estrelas livro de Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano
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Capítulo 12. Amor Livre |
Christine Wu
- Então você está correndo o risco de perder um amor só por ter assumido seu desejo por mim? |
- Não queria ferir o meu
companheiro.
- E hoje não o feriu?
- Certamente. Se ele souber, e eu
sei que vou ter que contar, vai ficar magoado.
- Eu não consigo, por mais que
conviva com vocês terráqueos, entender como alguém pode se magoar com a
alegria do outro e mais ainda quando esse outro é alguém que a gente
ama, quer bem.
- O amor dos terráqueos é
exclusivista, Tutôr.
- Isso eu sei há bastante tempo.
Mas continuo não compreendendo. E por que você mudou de idéia agora? Não
vai magoar do mesmo jeito o capitão? |
- Eu não
sei. Talvez porque eu gostaria que os cornianos pudessem ensinar aos terráqueos
essa maravilhosa e generosa maneira de amar, sem o sentimento de posse. - Você
me ama? - Sim,
eu amo você. Mas também amo o meu companheiro. Só que são coisas
diferentes. - Porque
estou aqui com você, e sou feliz por estar, não significa que deixei de
amar a Marla. - Sim,
eu entendo. Ela é a sua companheira e o que vocês viveram juntos não se
pode apagar. Talvez eu não fosse para você a companheira que ela tem
sido. Talvez você não fosse para mim o que o capitão Narciso, major –
corrigiu-se ela – ele agora é major, tem sido para mim. No entanto, me
parece tão natural que estejamos juntos e que amemos também outras
pessoas. - Quando
o capitão, major, chegar ele vai querer duelar comigo? Réa caiu
na risada. - Quando
eu estava na Terra ouvi muitas histórias, para mim incompreensíveis, de
gente que matava por amor. - Isso
são extremos, é doença. Mas Narciso vai ficar magoado e talvez até me
deixe. - Então
você está correndo o risco de perder um amor só por ter assumido seu
desejo por mim?- Talvez não. Talvez ele possa viver com isso, embora
tenha dito que não queria me dividir. Mas temos passado tantos períodos
longos sem nos ver que eu duvido que ele não tenha feito amor, também,
com alguma outra mulher. Narciso não é homem de ficar sem sexo. - Então? - O
problema não é o sexo. É o amor. O que mexeu com ele foi pensar que eu
poderia amar você, que é mais do que sexo puro e simples. - E você
me ama? - Amo. –
respondeu ela sem pestanejar – Agora mais do que antes. - Também
amo você – disse ele com singeleza – Amo você desde o primeiro dia em
que a vi e que pensava que você era uma deusa. Nunca pude tirar sua
imagem de minha mente e hoje estou me sentindo completo de novo. Durante
todos esses anos me faltava um pedaço. Faltava você. Eu não quero mais
viver sem vir aqui, sem fazer sexo com você. Como vai ser quando o major
chegar? - Não
sei – disse ela com sinceridade – Realmente, não sei. - Não
poderíamos estar todos juntos? - Como
assim? - Você,
eu, Marla e o major. Será que ele gostaria dela? Réa riu
de novo: - Quando
todos querem. Será que o major gostaria de Marla? - E
Marla, gostaria dele? Acho
que sim. O seu companheiro é um homem forte e atraente. Talvez ela goste
da idéia. - Não
sei como ele reagiria a isso – respondeu Réa, ainda rindo. – Mas eu
gosto da idéia. - Que
bom! – exclamou ele, puxando de novo para junto de si. - Está
um belo dia, não Almirante? Lá fora,
chovia a cântaros. E entrou
na sala, cantarolando baixinho, sem perceber. Pediu um
café completo e, enquanto o saboreava, pôs-se a pensar. Na Terra, na
década de 1920 e na década de 1960, ela sabia, muito se falara em amor
livre e, quando ela nasceu, no ano 2000, as pessoas já não tinham tantos
preconceitos sexuais. Ela mesma vivera o sexo, independente do amor, com
muita liberdade. Mas, reflete ela agora, tudo isso levara aos terráqueos
apenas a liberdade sexual, e, mesmo assim, uma liberdade relativa.
Muitos ainda faziam do sexo, moeda. E muitos exerciam essa liberdade sob
o manto da hipocrisia, freqüentemente escondendo suas aventuras de seus
parceiros fixos. Amor livre era aquilo: era o que havia em Cornos. Os
terráqueos nem sequer sonhavam com uma situação semelhante a dos
cornianos. Em matéria de amor, todos na Terra, eram escravos e
dependentes. Arvos tinha toda a razão em temer que o conceito de
propriedade, a moeda, a posse, contaminassem a extrema generosidade
daquele povo. Ela mesma, agora, temia as conseqüências de ter aceito o
amor e o sexo de Tutôr. Ele era bem capaz de sair contando para toda a
aldeia que amava a Almirante Réa. Marla também era capaz de comentar que
seu companheiro, afinal, conseguira o que tanto queria. E como a Frota
veria a sua principal mulher em Cornos envolvida com um nativo? O que
diria a imprensa da Terra? E Apolo, seu arquiinimigo, usaria isso em
suas bombásticas declarações à mídia? Se tentassem usar seu caso com
Tutôr contra ela, deveria então se defender? Falar do amor livre que
encontrara em Cornos e de como acreditava que esse era um valor corniano
que não deveria se perder no contato com os terráqueos? Deveria seguir o
conselho, dado há tanto tempo, por Arvos? E, ainda, com seu caso de amor
tornado público, como reagiria seu querido companheiro? Sentir-se-ia
humilhado e traído? Separaria-se dela? Eram muitas questões nas quais
ela teria que pensar. Sentia-se, no entanto, tão feliz, tão realizada e
jovem, que podia refletir sobre tudo, até sobre a eventual separação de
seu amor de tantos anos, sem angústia. Mas precisaria conversar sobre
todas essas questões. Com quem? Mel, talvez. Mas seria dar muita corda a
uma subordinada, elas eram amigas, mas isso poderia ser intimidade
demais. Com quem conversar? Com sua mãe? Não. A mãe era sábia, mas
estava velha e tinha lá suas próprias atribulações, além disso acabaria
aconselhando-a a renunciar a Tutôr e isso ela não estava disposta a
fazer. De repente, a resposta atingiu-a como uma raio: Arvos. Era isso. - Major
Mel – disse ela ao comunicador – peça ao Mestre Arvos para vir conversar
comigo quando for possível, mas com uma certa urgência. Tinha
certeza que os conselhos de Arvos seriam os mais sábios que ela poderia
ter agora.
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