voltar para a página "Meus Livros" - ir para capítulos: 1 2 3 4 5 6 7

O Poder e as Estrelas

livro de Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano   

Annibale Carracci, June e Jupiter

 

Capítulo 8. Amor Selvagem

Quando Réa desembarcou na Terra, vinda da Vênus Platinada, seu marido, o Capitão Narciso, a esperava no porto espacial. Ele e uma verdadeira multidão de repórteres de todo o globo. Afinal, além da notícia importante do dia anterior (a decisão de colonizar Cornos e de como colonizá-lo, na qual Réa era a grande estrela por sua contribuição no controle genético) agora havia a sensacional notícia de que um dos membros da delegação alienígena resolvera transformar-se em um terráqueo, adotando seus trajes e corte de cabelo. Todos queriam filmar e fotografar Tutôr e, por isso, com ele como centro das atenções, ela rapidamente se desvencilhou do assédio da Imprensa e pôde correr para os braços do capitão. Dentro do abraço dele, sentiu que, afinal, estava também com saudades do companheiro, esquecendo toda e qualquer mágoa que ainda trouxesse em seu coração. Embarcaram os dois num transporte particular e, em quinze minutos, estavam entrando em casa.
 

- Narciso, disse ela depois do amor, você sabe que eu terei uma semana inteirinha de folga, agora que a reunião da Vênus acabou. Você vai partir logo?
 

- Daqui a dois dias, minha flor. Teremos dois dias inteirinhos só para nós. O que é que você quer fazer? Vamos viajar?
 

- Para que temos essa bela casa, se quase nunca ficamos nela? Vamos ficar aqui, Narciso, os dois dias inteirinhos. Quando você partir, eu vou começar a estruturar os planos de colonização, pelo menos no que me concerne. Com Almirantado ou sem ele, eu irei para Cornos e lá ficarei por alguns anos, você sabe.
 

- Pensei que você tivesse uma semana de folga.
 

- E tenho. Mel me livrou de todas as obrigações formais, minha agenda está limpa. O comando acha que eu mereço uns dias de paz, realmente. Mas o que mais poderei fazer, com você longe, eu ansiosa pela promoção que ainda não tenho absoluta certeza de conseguir? Só sei trabalhar, mais nada. Ainda assim talvez alguém da mídia acabe conseguindo falar comigo nessa semana, vou ter que me comunicar, também, com algumas pessoas, você sabe. Uma semana fora e posso até ser esquecida. Mas vou trabalhar daqui mesmo. Estabelecer padrões de conduta. Você pode imaginar a infinidade de detalhes que tem que ser estabelecida para iniciar um trabalho desse vulto.
 

 - E depois que eu me for, você estará sempre com Tutôr.
 

- Na verdade a nossa base será estabelecida na tribo dele, que é a maior do planeta.
 

- Você está tendo um caso com ele?
 

- O que é isso, Narciso? De onde você tirou uma idéia dessas?
 

- Vocês desceram juntos da nave. Eu os vi conversando e, mesmo de longe, deu pra perceber a maneira pela qual ele olhava para você.
 

- Imagine, Narciso. Eu serei o general, ou o almirante, responsável pela colonização do planeta dele e ele é um líder, um dos representantes do seu planeta, tem família constituída lá e uma vida. Por que acha que se interessaria por mim ou eu, por um selvagem?
 

 - Ele parecia muito mais um membro da família real britânica do que um selvagem, vestido daquele jeito. Aliás, minha cara, satisfaça-me a curiosidade: ele te atrai mais vestido ou sem roupa?
 

- Narciso!
 

- Réa, você é o meu amor querido. Eu te conheço mais do que você mesma. E eu sei que aquele selvagem a atraiu como nenhum homem, exceto eu. Vai negar?
 

- Não nego que ele me atrai. Mas daí a ter um caso... Imagine, nem seria possível. E politicamente seria um desastre!
 

- Talvez não. Lá em Cornos, segundo li numa entrevista daquele curandeiro, Arvos, o amor é livre, não existe o sentimento de posse entre os cornianos. Pelo menos lá, ninguém acharia estranho que vocês se tornassem amantes e, aqui, poderia ser um exemplo de boa convivência entre povos tão díspares.
 

 - Até parece que você está querendo que eu tenha um caso com ele!
 

 - Na verdade, fiquei louco de ciúmes quando vi vocês dois descendo da nave.
 

- Ciúmes? Você nunca teve ciúmes!
 

 - É. Mas agora tenho, e não estou gostando nem um pouco. Afinal, eu estava com tantas saudades de você, tão desesperado para te ver e a primeira imagem que vi foi a da minha mulher olhando apaixonadamente para aquele selvagem.
 

- Olhando apaixonadamente? Você estava a mais de cinqüenta metros de nós e nos vendo através de um vidro. Como poderia saber se eu olhava apaixonadamente?
 

- Todo o seu corpo dizia isso. E pude ver muito bem. Está tudo certo, meu bem – disse ele puxando-a para perto e abraçando-a – se é tão importante para você, vá em frente. Só não sei se serei capaz de conviver com isso, de dividir a minha mulher com outro homem, ainda que de outro planeta. Esse é um risco que você terá que correr. Vamos ficar mais um longo tempo separados, você sabe que eu irei para Sirius e, quando voltar, você pode me dizer qual foi a sua decisão.
 

- Mas... Mas eu não me decidi a tomar nenhuma decisão! – respondeu ela, quase gritando – Eu nem mesmo tinha pensado em ter um caso com ele! Só porque ele me atrai isso não significa que eu vou trocar o meu amor por uma simples atração física! Eu amo você, Narciso! Está certo que fiquei magoada porque você não me incentivou na minha carreira mas isso também não é nada perto dos nossos vinte anos de convivência... – e, apavorada com a perspectiva de perdê-lo, jogou - ... a não ser que você esteja procurando uma desculpa para romper a nossa relação... Você tem alguém?
 

Ele riu:
 - Tenho você, minha flor, meu amor querido. E não quero dividi-la com ninguém, está ouvindo? Com ninguém, de mundo nenhum!
 

 Amaram-se de novo.
 

E passaram dois dias tranquilos e preguiçosos, desfrutando o conforto de sua linda casa e não voltaram a falar em Tutôr embora o corniano estivesse definitivamente presente em seus pensamentos, definitivamente presente entre eles, como uma sombra, a ameaçar-lhes os vinte anos de feliz união.
 
 
 

Tutôr chegou entusiasmado aos seus alojamentos do QG da Frota. Tinha levado mais de duas horas para conseguir sair do porto espacial, assediado pela multidão de repórteres. Ele, de fato, não conseguia entender muito bem porque, para os terráqueos, se levantavam tantas questões apenas porque ele resolvera vestir-se. Afinal, a roupa não o mudara. O que causara grandes mudanças na alma de Tutôr fora o recente conhecimento das verdades do Universo descobertas pela Terra e transmitidas a ele, um homem simples e ignorante. A roupa era um detalhe. Mas quando ele tentava falar das transformações ocorridas em sua maneira de ver a vida, logo um repórter perguntava sobre o sapato, ou sobre a gravata ou sobre o corte de cabelo. Fora isso, estavam também interessados em saber como os cornianos reagiriam à transformação do visual do chefe da maior de suas tribos.
 

- Ah, eles vão cair na risada – respondera Tutôr.
 

 Parecia, pensava ele, que os terráqueos não conseguiam entender a pouca importância que seu povo daria ao fato de ele usar ou não usar roupas.
 

E, com toda aquela confusão, ele perdera Réa de vista.
 

Tinha afinal, e talvez aqui tivesse que admitir a importância dos novos trajes, conseguido falar com ela. Aproximara-se e se desculpara por ainda não a ter cumprimentado por sua brilhante sugestão de não contaminar o DNA dos cornianos com o dos terrestres. Ele já aprendera que DNA eram aquelas coisas pequenas que todo mundo tem por dentro e que são responsáveis pelas diferenças físicas e até mentais que existem entre as pessoas. Ele, um guerreiro e líder experiente, agora ainda muito sábio graças aos novos conhecimentos, sentira-se tímido e pequeno ao conversar, olho no olho, com aquela deusa terráquea. Seu coração parecia querer saltar para fora do peito, suas mãos se umedeceram... Tutôr queria poder abraçá-la e beijá-la, ali mesmo na escada, mas sabia que isso não seria correto ante os olhos da Terra. Em Cornos, abraçar e beijar era uma coisa muito natural, corriqueira mesmo. Mas aqui eles tinham esses atos como uma coisa privada, reservada, raramente feita em público, ainda mais em momentos solenes como aquele e diante de toda a imprensa mundial. Tutôr sabia que se fizesse isso seria considerado impróprio, seria um escândalo. Mas estava decidido a abraçá-la e beijá-la na primeira oportunidade que tivesse de estar sozinho com ela. Era difícil acontecer isso, mas ele tinha livre acesso aos corredores do QG e podia dar um jeito de ir ao gabinete dela, com qualquer pretexto e, lá, poderiam estar sozinhos e poderiam até mesmo se amar. Tutôr ansiava por esse momento, já tinha imaginado tudo mil vezes, como faria, o que diria... e sabia que era isso também que ela queria que acontecesse. Leu nos olhos dela, naquele momento em que conversavam na escada da nave. Por isso ficou triste ao saber que ela estaria fora do QG por uma semana inteira e, para consolar-se, na manhã do dia seguinte, pediu a Cristine que o levasse até a cidade para que comprassem mais algumas roupas.
 

Tutôr estava apaixonado e queria aparecer belo e elegante para a sua amada.
 

Tutôr estava, de fato, tornando-se cada dia mais terráqueo.

 

ir para o capítulo 9

 

Clique aqui para comentar          ver comentários