voltar para "Meus Livros" voltar para o Capítulo 01 ir para o capítulo 3
O Poder e as Estrelas livro de Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano |
|
Capítulo 2 A Base e O Planeta |
Vitor Meirelles 1861, A Primeira Missa
|
|
A assessora pessoal de Réa,
major Mel, acordara cedo também e encontram-se na sala exclusiva para
café da manhã e ginástica, pouco depois do sol levantar-se no horizonte.
Enquanto faziam seus exercícios cotidianos, Mel perguntou:
- É simpático o
presidente, não?
- Você está querendo saber se eu falei com ele ou não? – perguntou Réa
bem humorada e adivinhando as intenções da major. – Não falei. De
qualquer modo, tenho certeza que Apolo ganhará o almirantado. Afinal,
deve ser uma razão piedosa: ele só tem mais 9 anos de vida. - A política do quadrante alfa é importante demais para ser entregue por piedade, general, creio que sabe disso, é claro. Você tem mais chance do que ele. Apolo é conservador e a Vênus Platinada precisa realmente de uma maior autonomia – disse Mel, com a voz alterada pelo esforço do exercício que realizava naquele momento.
- Apolo votará contra a autonomia da Vênus. Ele é de
opinião que a base não deve ser considerada como um Estado independente,
que deve continuar sob as antiquíssimas regras das colônias espaciais.
No entanto, essa situação pode perdurar por mais 9 ou 10 anos, uma vez
que apenas 20% da população da Vênus se importa com a questão.
- A vida lá é realmente melhor que a da Terra.
Estão livres da maioria dos nossos problemas, eles têm razão em não se
importar com o que lhes parece um mero detalhe administrativo.
- Mas nós sabemos que não é bem assim. A Vênus funciona de fato como um
estado independente mas não possui a autonomia política necessária. É um
pouco absurdo isso! – disse Réa.
- Não é menos absurdo do que a situação de Cornos, ou é? – provocou Mel.
- Cornos vai ser terrível hoje! – explodiu Réa, jogando de lado os pesos
e dirigindo-se para o chuveiro.
- Você quer repassar a pauta da reunião?
- Não obrigada. Acho que já decorei essa pauta.
- Desculpe dizer. Mas continuo acreditando que se você cedesse em alguns
pontos, teria mais chance de conseguir o apoio de algumas lideranças
que, justamente por causa da sua inflexibilidade, acabarão apoiando
Apolo.
- Já discutimos isso antes, Mel. Eu não vou ceder nem um centímetro. No
fundo, ambas as questões, a de Cornos e a da Vênus, são as mesmas,
embora os contextos dos dois sejam muito diferentes. E fiz minha
carreira sempre acreditando na autonomia de cada indivíduo dentro do
Cosmos e do direito do indivíduo ao conhecimento, em cada nação, em cada
planeta. Não vou ceder apenas porque isso me facilitaria o acesso ao
poder que anseio. Eles vão ter que me dar o poder me aceitando
exatamente como sou.
- Não é politicamente ideal, você sabe.
- Mas é o meu ideal, Mel – disse Réa abrindo o chuveiro e encerrando a
discussão.
Cornos era um planeta
ridiculamente próximo da terra, que passara desapercebido de todos os
astrônomos por tantos séculos. Orbitava muito próximo a uma estrela de
9º grandeza, solitário. Era habitado por seres humanos, um pouco
diferentes dos da Terra, em um estágio de civilização mais ou menos o
equivalente aos antigos índios da América . Possuíam alguns
instrumentos, uma escrita rudimentar e uma sociedade organizada em
tribos.
Quando a Federação pousou lá sua primeira nave foi evidentemente
confundida com manifestação de deuses. Os tripulantes, idolatrados. A
nave, cultuada.
Em vão tentavam os terráqueos explicar (depois de três anos já haviam
decifrado as línguas rudimentares das tribos) a realidade aos povos de
Cornos. Para aquelas pessoas, os humanos eram deuses e pronto. A grande
questão que se levantara na Federação era o nível de interferência que
deveriam exercer naquele povo. Uns diziam que se deveria deixar que a
evolução desses povos ocorresse naturalmente e que a Terra deveria se
retirar de Cornos antes que o desastre cultural fosse maior. Afinal,
naquele povo, ficaria para sempre a tradição de deuses que desceram dos
céus. Outros acreditavam que a Terra deveria educar aqueles povos,
levando o conhecimento científico, ignorando as tradições e crenças
locais, fazendo, enfim, com que Cornos desse um salto de milênios em sua
evolução natural.
Réa era partidária da
segunda hipótese. Costumava dizer que bastava o que os americanos haviam
feito aos seus índios, segregando-os em reservas que se assemelhavam, de
fato, a zoológicos, com a hipócrita desculpa de que estavam preservando
uma cultura que, na verdade, já era passado. A partir do momento,
pensava ela, que Cornos entrou em contato com a superior civilização (superior
em conhecimento, é bom explicar) da Terra, já dera o salto evolutivo
e tinha, sim, todo o direito de usufruir do conhecimento que os
terráqueos lhes poderiam proporcionar. Havia, é claro, o problema
econômico, nunca declinado claramente, mas sempre presente. Quanto
custaria para a Terra educar Cornos? Menos, pensava Réa, do que as
riquezas naturais daquele planeta que a Terra exploraria e, na verdade,
já estava explorando, contrabandeando, em tantas naves piratas, as
riquezas minerais lá existentes. Seria preferível então, no entender da
general, que houvesse menos hipocrisia. Os contrabandistas acabam
contaminando culturalmente os nativos de Cornos e de uma maneira mais
perversa se a interferência humana naquele planeta fosse direta, limpa e
honesta. Poder-se-ia então calcular os custos e “cobrar” dos nativos
retirando de lá as riquezas que fossem estritamente necessárias para
remunerar o trabalho dos colonizadores e as despesas dessa colonização.
Essas riquezas, evidentemente, gerariam, na terra, ainda mais riquezas
e, desta maneira, Cornos pagaria muito bem pela aquisição do
conhecimento e, em três gerações, sem dúvida, os habitantes de Cornos
estariam equiparados, em way of life e conhecimento, aos habitantes da
Terra. Mas é claro que, dentro da Federação, existiam muitas ideias
contrárias ao pensamento de Réa, ideias essas movidas por interesses
mercenários, por pensamentos religiosos ou até mesmo por ideais.
Esta era a briga que ela
estava se preparando para enfrentar hoje. A colonização de Cornos era a
pauta principal, além da discussão sobre a autonomia da Vênus Platinada,
daquela reunião na base espacial, que reuniria os representantes dos
cinco grandes Blocos da Terra e alguns generais da Federação, de origens
e pensamentos tão diversos.
Clique aqui para comentar ver comentários
|