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Nossa Família na História da TV brasileira Memória de Isabel Fomm de Vasconcellos |
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Clique na foto para ver vídeo da série Rádio Patrulha Piloto Rádio Patrulha - Tarcisio Meira e Anik Mavil
Radio Patrulha - Claquete - Identificação de cena
Rádio Patrulha - Fulvio Stefanini à esquerda.
1960 - máquina de revelar filmes - Milton Zanella, José Rosa e Alfredo Fomm de Vasconcellos
Programa "Condição de Mulher", 1986, TV Gazeta, São Paulo - Claudete Troyano, Isabel Fomm de Vasconcellos e Ione Borges.
A super câmera da empresa do meu pai. Era uma Maurer.
Links que contam nossa história na TV:
laboratório de cinema e filmes do Velho Vasco (com câmeras antigas)
programa médico (Junta Médica)
programa feminista (Condição de Mulher)
A série que se chamou “Rádio Patrulha”.
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Rádio Patrulha foi a segunda série de TV produzida, em filme, no Brasil, quando isso era bem complicado e dificil. Tinha Tarcisio Meira como galã e muita gente que virou importante na TV na produção e no elenco. |
Ótica e Eletrônica – reportagens em filmes de cinema.
Quando em 18 de setembro de 1950, a TV Tupi foi inaugurada, abrindo assim a era televisiva no Brasil, meu pai estava lá, filmando. Meu pai foi pioneiro nas técnicas cinematográficas aqui na terra tupiniquim e era, já havia muitos anos, um profissional conhecido e respeitado em seu meio. Mas a Rede Globo, quando exibe as imagens que ele filmou naquele dia (e deu de presente pra emissora nos anos 1970!) coloca a legenda: “filmado por Alfredo Vasconcellos que passava pelo local...” – absolutamente ridículo!!! Imagine se alguém “passaria pelo local”, em 1950, com uma câmera de filmar...
Meu pai, Alfredo Fomm de Vasconcellos, tinha o único laboratório de cinema em 16mm da América Latina capaz de revelar filmes coloridos em máquinas feitas (por ele) para isso. Revelava, inclusive, filmes reversíveis. Explico pra quem não sabe: Filmes que saíam das câmeras eram revelados em banhos químicos (no escuro) de onde se extraíam negativos. Isso vale tanto para filmes de cinema quanto de fotografia. Negativos, pra quem não sabe, são imagens com as cores invertidas: se o filme é preto e branco, o que é branco sai preto e o que é preto sai branco. A mesma coisa pros coloridos (uma preciosidade rara na época), ou seja, o que é vermelho sai verde; o que é verde sai vermelho e assim por diante. Revelar filmes reversíveis significa que o filme já sai na cor certa e não em negativo (que precisa ser copiado em outra película pra ficar com as cores certas).
Bom, o que tem isso a ver com a TV? Nos anos 1950, tudo.
A TV daquele tempo tinha limitações impensáveis nos dias de hoje: A imagem era em preto e branco, a transmissão era somente local, as redes só vieram muito depois (e se dizia: “transmissão em cadeia” – ou seja: para mais de uma emissora em mais de uma localidade) e o satélite, então, só chegaria bem depois das cores, quando a TV já tinha 30 anos...
Também não existia videotape (e muito menos imagens digitais, claro!) e então as reportagens eram feitas em filmes. E esse filmes precisavam ser revelados o mais depressa possível para a notícia não ir pro ar “fria”, atrasada. Portanto, era preciso usar filmes reversíveis. Quem revelava? Meu pai, em sua empresa – laboratório – a Vascotécnica Filmes.
Foi assim que meu pai e o seu fiel escudeiro na época, Pedro Paulo, foram parar na TV. Montavam máquinas de revelar nas emissoras, forneciam técnicos, etc. Da mesma maneira que os atores da TV vinham do rádio, os técnicos, muitos deles, vinham do cinema.
Alvan, uma vida na TV
Meu irmão Alvan tinha 14 anos de idade quando a TV foi inaugurada. Aos 17, estava fazendo curso de câmera na TV Tupi – câmera de TV, porque as de cinema ela já dominava. Alvan trabalhou em emissoras líderes de audiência no Brasil: TV Paulista, canal 5 (que nos anos 1960 virou TV Globo); TV Excelsior, canal 9 (depois Manchete e Rede TV), em São Paulo. Mais tarde foi para a Excelsior Rio e de lá para a recém criada TV Globo onde, depois, dirigiu afiliadas da Rede Globo em outros estados. Passou pela Bandeirantes e foi responsável pela direção artística da TV Gazeta, São Paulo, nos anos 1980.
Cinema em Casa
Mas, quando trabalhava na TV Excelsior, nos anos 1960, montava (editava) os filmes da séries americanas que a TV exibia para que se ajustassem à grade da emissora, ou seja: ficassem com o tempo certo para caber no horário de exibição, incluindo os comerciais dos intervalos. Mas, para saber que cenas poderiam ser cortadas pelo sujeito que operava a moviola (conjunto de aparelhos para editar filmes), Alvan precisava assistir a todos os episódios de todas as séries. Na TV não dava tempo. Então ele trazia os filmes pra nossa casa, onde meu pai tinha uma grande sala de projeção (um mini cinema).
Aí é que era a festa!! Eu convidava a minha turma do colégio para assistir, em tela bem grande e antes do público, episódios de Além da Imaginação, Os Intocáveis, A Feiticeira, Missão Impossível, Quinta Dimensão e outras... Imagine o que isso significava pra molecada adolescente daquele tempo. Quando Alvan foi para o Rio, essa festa acabou...
Meu Aprendizado
Aprendi tudo o que sei de cinema e fotografia com meu pai, que me deu meu primeiro laboratório fotográfico e minhas primeiras câmeras (de filmar e de fotografar – naquele tempo era uma pra cada coisa) quando eu tinha 8 anos de idade. Mas, sobre televisão, aprendi tudo com meu irmão Alvan.
Ele ficava assistindo TV em casa e me dizia: agora vai entrar o comercial da Bom Bril, depois o da Mesbla... e eu: Como você sabe? E ele, rindo: sou eu quem determina a “faixa” dos comerciais. Ele me mostrava os erros dos câmeras, dos diretores de imagem (os do “corte” – que escolhem qual imagem de qual câmera vai pro ar em cada momento da transmissão), me apontava os erros de angulação e de operação de áudio. Isso quando eu era uma meninazinha de escola primária.
Uns quarenta anos depois, quando eu tinha meu programa na Rede Mulher de TV, brincava com o pessoal da maquiagem. Enquanto eles me penteavam e maquiavam eu ia mostrando os “erros” no monitor de TV que ficava eternamente ligado em todas as salas da emissora. Já contei isso, mas vou repetir pra quem não leu. Um belo dia a Sula Miranda estava se maquiando na cadeira ao lado da minha e disse: -- Nossa, Isabel! Assistir TV com você é um terror... Você vê absolutamente tudo... Espero que não fique assistindo o meu programa também...
Ninguém está livre de erros na TV ao vivo. Nem eu, é claro. Também via os meus próprios erros ou os da minha equipe quando assistia a gravações dos meus programas. Mas a sorte é que esses pequenos erros raramente são percebidos pelo telespectador.
O segredo do Boni, ao criar o seu famoso “padrão global de qualidade” foi jamais permitir qualquer desses errinhos em qualquer área da Globo. Hoje, sem o Boni, eu até consigo ver alguns erros na Globo News...
Séries nacionais de TV – Tarcísio Meira e Jô na minha casa
Ainda nos anos 1960 apareceu uma lei federal no Brasil: em cada 8 séries de TV, uma teria que ser nacional. Os produtores de cinema se agitaram. Entre eles, meu pai e o Alvan e o outro Alfredo, Alfredo Palácios, que produziu o famoso “O Vigilante Rodoviário”.
A empresa do meu pai – Vascotécnica Filmes – começou também, com a promessa de patrocínio da Volkswagen, a produzir uma série que se chamou “Rádio Patrulha”.
O filme piloto tinha argumento de Roberto Freire e direção de Antunes Filho (ele mesmo, o gênio do teatro!).
No papel principal, o de detetive, Tarcísio Meira. No elenco, Francisco Cuoco, Fulvio Stefaninni, Maria Della Costa, Gloria Menezes, Anik Malvil e muitos outros atores, alguns já famosos, outros que se tornariam famosos depois, como o Jô Soares.
Mas Brasil é Brasil, né? A lei protecionista caiu antes da série ir ao ar e o patrocinador, com toda razão, pulou fora. Por que pagaria uma série nacional que custava o triplo do preço da estrangeira, que chegava aqui já paga pela exibição em seu país de origem?
Eu era criança ainda, nessa época, e orbitava entre os “astros” colecionando autógrafos numa cadernetinha de capa preta...
Preconceito contra o pessoal de TV
Na hora de escolher a faculdade optei pela Escola Superior de Cinema do Colégio São Luiz, onde tive aulas com feras como Alfio Mana, produtor da Vera Cruz (pra quem não sabe, a grande companhia cinematográfica brasileira nos anos 1940 e 50, juntamente com a Atlântida); Ferreira Gullar; Rubens Edwald Filho e outros.
Meu pai queria que eu fizesse engenharia eletrônica porque já naqueles idos de 1968, ele dizia que o futuro da imagem estava na eletrônica e não na ótica. Sempre me pergunto: como é que ele já sabia?
Mas, com meu irmão na TV, imagine aonde é que eu, mocinha, queria ir trabalhar? Pois é, na TV. Ficava fascinada quando Alvan me permitia ir aos estúdios, ao switcher... Delirei com os cenários da novela “Redenção”, montados no enorme espaço em São Bernardo do Campo e que reproduziam a cidade do interior onde rolava a ação da novela. Aprendi ali, pra valer, o milagre das objetivas grande angular, que transformam um ambiente pequeno num enorme... Como aliás, até hoje, em todas as novelas. (Naquele tempo eu nem sonhava que, tres décadas depois, o diretor dessa mega novela seria meu diretor na Rede Mulher de TV e se tornaria um grande amigo: Waldemar de Moraes)
Adorava ir com Alvan a TV e saía pelos corredores engordando a tal cadernetinha de capa preta. Teria sido fácil ir trabalhar na TV. Mas não foi.
No ano passado o repórter da Globo, Ernesto Paglia, estava aqui em casa para me entrevistar e, vendo as fotos que tenho espalhadas na parede do meu escritório, perguntou: -- Com sua família em cinema e TV, você não quis ir trabalhar na Globo? -- Quis, é claro – respondi – mas... -- Mas a sua família achava que não era ambiente pra você – completou ele, rindo.
Exatamente isso. Nos primórdios da TV ainda reinava um tremendo preconceito contra “artistas”. Nos anos 1940, no Brasil, só pra se ter uma ideia da coisa, as artistas de teatro tinham a mesma carteirinha de saúde que as prostitutas. Artista era sinônimo de boêmia, liberdade sexual, “loucura social”...
Por isso, só consegui meu primeiro programa de TV em 1984, quando já era uma “velha” de 33 anos... e já estava “protegida” pelo casamento com o Caetano... Muito engraçado, mas muito chato pra mim que poderia ter tido uma carreira mais completa, melhor e menos complicada do que eu tive na TV.
Afinal...
No entanto, não culpo meu irmão por isso. Ele – quinze anos mais velho do que eu – sabia que eu sempre fora uma mulher livre, feminista e, portanto, “perigosa” para unir tudo isso ao trabalho na TV.
Quando finalmente fui pra TV Gazeta (minha primeira TV) produzir o nosso Junta Médica e apresentar o Condição de Mulher, tudo o que ele me ensinara foi evidentemente de brutal utilidade.
No meio disso tudo, minha mãe. Encantava os artistas que frequentavam a nossa casa com aquele seu jeito particular (e invejável) de receber, conversar, deixar todo mundo à vontade. Entendia muito mais de fotografia e cinema do que muito profissional, embora fosse modista e das melhores, num tempo em que não existia roupa pronta: a Wanda vestiu grandes damas da sociedade paulistana. Quando ela já estava com mais de 90 anos, sorria para a minha câmera digital: “Imagine se o seu pai estivesse vivo pra ver isso...”
Meu pai morreu em 1987. Alvan em 2004. Minha mãe, em 2007.
Tenho aqui comigo, além de muitos e muitos filmes hoje digitalizados e de milhares de fotos, também as velhas máquinas de filmar e fotografar. Tenho até um projetor. Os filmes originais e a maioria das máquinas, doei pra cinemateca. Mas todas as máquinas que estão aqui comigo, funcionam. Estão em ordem, limpas, cercadas por pacotinhos de sílica pra afastar a umidade e sob uma lâmpada sempre acesa, pra também espantar os fungos que atacam as lentes. Hoje, quando a TV brasileira faz aniversário, fico feliz em contar essa história e muito me emociona o que, dela, conservo vivo, dentro e fora de mim.
Isabel Fomm São Paulo, em 18 de setembro |
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18 de setembro de 2016 Ana Lucia De Vasconcelos Palmieri bonita história .. Sônia Maria de Paula Que bacana |
Norma Portal Lilizinha o nome do pai da Bebel é: Alfredo Fomm de Vasconcellos. (Bebel as vezes demora para aparecer aqui, já que vive em meio a uns cinco mil livros e depois rádio, tv e um monte de etcs kkk!!!) Beijos, Bebel e Lili!!! Cesar Rosangela Marques Tio Alfredo, sempre tão querido, presente na história da TV brasileira. Amador? Kkk Muito profissional, provavelmente um dos mais da época. Beijos e abraços. |
Erik Rodrigo Que delicia ler isto, Isabel Vasconcellos. momento nostalgico |