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Os Filmes do Velho Vasco e As Avós das Câmeras Memória de Isabel Fomm de Vasconcellos |
quando filmar era uma bela complicação
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Alfredo Fomm de Vasconcellos (meu pai) filme Wanda Gonçalves de Almeida Vasconcellos (minha mãe) nos anos 1940, quando filmar era uma bela complicação... Há momentos em que olho para as muitas máquinas de fotografia e cinema que tenho aqui expostas na casa, como relíquias, e meus olhos se enchem de lágrimas. Só quem, como eu, conviveu com as antigas tecnologias da imagem pode compreender de imediato o absoluto encanto da história da fotografia e do cinema. Cresci num lar dedicado à imagem. Meu pai, Alfredo Fomm de Vasconcellos (1908-1987) foi pioneiro na cinematografia de 16mm na América Latina e as máquinas de seu laboratório foram, em grande parte, construídas por ele próprio. Meu irmão, Ronaldo Alvan (1936-2004) foi pioneiro da TV e dirigiu importantes emissoras, desde a Excelsior até algumas afiliadas da Rede Globo e, ainda, a TV Gazeta de S.Paulo. Na minha estante, muitas máquinas antigas: câmeras fotográficas, a minha velha paillard bolex, que era o máximo do charme nos anos 1960, um velho projetor 16mm Bell Howell. O mais eu doei pra cinemateca. Mas da coleção que conservei, emociona-me particularmente uma enorme máquina fotográfica 6x6, encorpada e nobre, que se chama Kodak Medalist II; e me enche de ternura uma outra – ambas são dos anos 1930 – que faz fotos em três dimensões. Ou seja: ela tem três objetivas que projetam pra dentro dela duas imagens, que, se vc colocar uns óculos na distância focal certa, se transformarão em uma única, em 3ª. dimensão. James Cameron tinha, sem dúvida, onde se inspirar. Tanto meu pai trabalhou para produzir imagens cada vez de maior qualidade. E, naquele tempo, produzir imagem era uma coisa complicadíssima, um processo louco, de várias e delicadas etapas. O som, por exemplo, era à parte. Era colocado, depois, na película. Tudo era muito trabalhoso e sutil, mas, ainda assim, Hollywood produziu efeitos especiais, nas terceira e quarta década dos anos 1900, que nada ficariam devendo ao que se consegue hoje com os recursos eletrônicos. Meu pai morreu em 1987, já encantado com os videotapes e repetindo sempre, como me dissera em 1969 quando fiz vestibular para a Escola de Cinema, que o futuro da imagem repousava na eletrônica e que, portanto, em vez de escola de cinema, eu deveria cursar engenharia eletrônica... Meu primeiro filme aconteceu com uma pequena câmera amadora que eu levei para a escola primária e filmei (tudo balançado, como acontece com todos os principiantes mesmo das câmeras modernas que tem mecanismos para compensar balançadas) meus coleguinhas. Tenho o filme até hoje. Foi revelado na única máquina capaz de revelar filmes coloridos da América Latina: a que meu pai construíra. Nunca foi sonorizado, som mesmo só quando foi transformado em vídeo (VHS) e eu coloquei nele uma trilha musical. Fui apresentada, por meu pai, ao fascínio da câmara escura dos laboratórios fotográficos quando eu tinha apenas 8 anos de idade. FILMAR E FOTOGRAFAR: UMA BELA COMPLICAÇÃO!!! Aprendi a magia de revelar fotos, um processo nada fácil, mas absolutamente encantador. Sob uma tímida luz ambiente vermelha (que não sensibiliza os papéis fotográficos para fotos em preto e branco), colocava-se a tira de filme negativo num aparelho (ampliador) que projetava a imagem negativa numa mesa onde se colocava o papel fotográfico para ser sensibilizado pela luz (o papel continha – assim como os filmes virgens – uma emulsão sensível à luz e capaz de registrar as imagens. A base da emulsão era a prata, que escurece na luz) e, depois de expor o papel pelo tempo necessário (a arte de saber o tempo necessário... ah...), jogava-se a folhinha na primeira banheira (uma vasilha) que continha o líquido revelador. Ali – no escuro e sob apenas a luz vermelha – tinha-se que saber o momento exato de retirar a foto, passá-la pela banheira de água e ácido acético – vinagre-- e, em seguida, jogá-la no fixador (que como o nome está dizendo era a droga capaz de fixar a imagem e impedir que ela amarelasse ou mesmo sumisse com o tempo). Depois, caso se desejasse uma foto com brilho, ela ia pra esmaltadeira (uma espécie de grelha elétrica). Ou para o varal mesmo, para secar. Com os filmes (de cinema) o processo era basicamente o mesmo. Mas como se tratava de metros e metros de película (cada 24 quadrinhos – fotogramas – de uma imagem filmada fazem um segundo de imagem projetada) era preciso uma máquina aonde o filme ia sendo transportado de tanque em tanque de revelação, lavagem, fixação e secagem. Se o filme fosse colorido, um tanque de revelação pra cada cor básica. Bela complicação, né? E tudo isso pra se conseguir um filme mudo. O som vinha depois numa trilha ótica ou magnética que corria ao lado da película. Mais complicação. Por todas essas complicações, também, é que o advento do vídeo tape foi uma glória. A televisão, antes do vídeo, tinha que fazer reportagens em filmes, revelar os filmes, editá-los (a gente usava o verbo “montar”) ... Imagine a trabalheira. Mas a minha primeira trombada com a realidade do vídeo aconteceu em 1969, na TV Aratu, então a afiliada da Rede Globo em Salvador, na Bahia. O meu irmão Alvan tinha sido transferido, pelo Boni, do Rio para Salvador e eu estava lá em férias. Alvan me levou à TV para me mostrar a maravilhosa mesa de efeitos eletrônicos que acabara de chegar dos EUA. Então eu descobri que a eletrônica fazia em segundos o que se levava horas e horas para realizar em película, fosse de cinema ou de fotografia... Já a minha mãe, que viveu o bastante para ver as câmeras digitais, lamentava que meu pai também não tivesse vivido o suficiente para ver os seus sonhos realizados – todos eles, da captação da imagem à edição final - num aparelhozinho do tamanho de um maço de cigarros. As minhas muitas heranças da imagem, agora que todos os meus gurus familiares já morreram, estão espalhadas pela casa, pelo cotidiano, e eu fico imaginando que eles mereceriam ver os progressos magníficos do registro da imagem e desfrutar de todas as maravilhas proporcionadas pelo computador e pela grande revolução da internet e suas redes sociais. Então acontece de eu estar caminhando, como de hábito,em alguma manhã, pela Avenida Paulista e cruzar de repente com alguma criança que me chama a atenção, por alguma razão inimaginável, e perceber, no olhar e no sorriso que ela me dá, aquela chama de reconhecimento. São eles – eu sonho – que voltaram para viver de novo e, desta vez, na imagem completamente eletrônica. |
Da nossa coleção, ainda funcionando:
Câmera de filmar 16mm Paillard Bolex, década 1960
Câmera fotográfica 6x6 Kodak Medalist, década 1940
Câmera 3D década 1930
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Os Filmes do Velho Vasco (série “Recordar É Viver”) Memória de Isabel Fomm de Vasconcellos |
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copiadora de filmes
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"Então acontece de eu estar caminhando, como de hábito,em alguma manhã, pela Avenida Paulista e cruzar de repente com alguma criança que me chama a atenção, por alguma razão inimaginável, e perceber, no olhar e no sorriso que ela me dá, aquela chama de reconhecimento. São eles – eu sonho – que voltaram para viver de novo e, desta vez, na imagem completamente eletrônica." |
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O meu pai, Alfredo Fomm de Vasconcellos, sempre foi apaixonado por tecnologia e, em particular, por cinema e fotografia.
Ele nasceu em 1908 e aprendeu tudo sozinho o que, no seu tempo, era o jeito. Aprendeu a ler em inglês só para poder decifrar os livros (que sabe lá Deus como ele conseguia) de fotografia, cinema, rádio, ótica... Pra se ter uma idéia de como, nessa matéria, ele enxergava longe, em 1967 anunciei que me inscrevera no vestibular da Escola Superior de Cinema do Colégio São Luiz. A reação dele: - Você deveria fazer engenharia eletrônica, minha filha. O futuro da imagem não está no cinema como o conhecemos mas sim na eletrônica.
Como é que ele sabia?
Aos 18 anos, já era fotógrafo profissional e arranjou uma câmera de filmar.
Em 1937, fez o seu primeiro filme “doméstico” da série que chamou “Recordar É Viver”. O filme mostra um acampamento que ele e alguns amigos armaram às margens da represa do Guarapiranga, onde o dono de uma grande cervejaria construíra uma réplica de um castelo europeu e onde veio a ser instalado o Clube de Campo de Castelo, vinte anos depois, em 1957. Meu pai foi um dos primeiros sócios do clube e seu diretor por muitos anos. Lá, tínhamos, nos anos de 1960, nosso barco e esquiávamos.
Nos anos de 1940 era o chefe do setor de cinema do Consulado Americano em São Paulo e já tinha seu laboratório cinematográfico.
Na metade da década de 50 ele deixou o emprego para dedicar-se inteiramente ao seu laboratório de cinema, a Vascotécnica Filmes.
Pesquisador incansável, impossibilitado, pelas leis brasileiras de então, de importar os equipamentos de que necessitaria para o bom andamento de sua empresa, começou ele próprio a construir esses equipamentos.
Fez a primeira máquina de redução de filmes de 35mm para 16mm do Brasil.
Criou suas próprias máquinas de revelação, preto e branco e, depois, colorido.
Colaborou com os departamentos de jornalismo das TVs que se instalavam no Brasil (Tupi, em 1950 e Record, em 1953) instalando máquinas de revelação reversível e produzindo algumas reportagens em filme, já que o videotape ainda não existia.
É dele a única imagem que sobrou da inauguração da TV Tupi em 18 de setembro de 1950, imagem essa que hoje pertence ao arquivo da TV Globo.
Em 1967, pressionado pela eterna dificuldade de importação de materiais e máquinas, fechou seu laboratório cinematográfico e ficou apenas com seu trabalho à frente do serviço de filme patrulha do Jockey Club de S.Paulo, serviço que ele próprio instalara no início dos anos 50. Mas nunca abandonou as câmeras.
Ele nascera em 17 de novembro de 1908 e faleceu em 27 de abril de 1987.
Foi casado, por mais de 50 anos, com Wanda Gonçalves de Almeida Vasconcellos, minha mãe, que sempre apoiou o seu trabalho e chegou mesmo a entender bastante da técnica cinematográfica.
Aos seus filhos, a mim e a meu irmão Alvan, nosso pai ensinou tudo o que pode de sua arte. Eu, que nasci em 1951, aos oito anos de idade já sabia fotografar e revelar filmes. E ia para a escola com uma antiga câmera de cinema no formato extinto de 9,5 mm e filmava meus coleguinhas. Fui fotógrafa como ele, no começo de minha carreira e agora, nos últimos 20 anos, tenho sido produtora e apresentadora de TV.
Meu irmão, Ronaldo Alvan, nascido em 1936, começou sua carreira nos departamentos de cinema das TVs mais importantes do país, tendo sido diretor de programação de afiliadas da Rede Globo, em Minas e na Bahia, e, mais tarde, da TV Gazeta S.Paulo, além de ter participado da construção da liderança da extinta TV Excelsior.
Outra figura importante da história cinematográfica brasileira que foi discípulo de meu pai e começou na Vascotécnica Filmes é o ator e produtor Pedro Paulo Hatayer que montou depois sua própria empresa, a Hélicon Film, que existe até hoje no bairro do Ibirapuera.
Depois daquele primeiro filme de 1937, meu pai continuou registrando nascimentos, batizados, aniversários e casamentos, de toda a nossa família, até quando vendeu seu laboratório, sendo que os originais destes filmes cedi, em 2003, ao acervo da Cinemateca de S.Paulo.
No começo da década de 1990, organizei todos os nossos filmes de família e levei-os para a Hélicon, onde foram limpos, organizados em carretéis de maior metragem e telecinados. De posse das fitas de vídeo, organizei uma grande festa para a família, espalhei monitores pela casa e vieram parentes de todo o país para assistir a essas preciosas lembranças, que rolaram nas TVs, das cinco da tarde às cinco da manhã, causando muita emoção e revivendo, inclusive, os nossos mortos. Hoje estão todos digitalizados e arquivados em discos e pen drives.
Continuei a série “Recordar É Viver”, a partir de 1987, quando comprei minha primeira câmera de vídeo. Hoje filmo com uma câmera digital do tamanho de um maço de cigarros e edito tudo, com a maior facilidade, no computador.
Mas também passei pela fase de filmar com a velha paillard bolex 16mm do meu pai. (tenho a máquina até hoje, em perfeito estado e funcionando, guardada numa vitrine). Ele me dava as “pontas” de filmes virgens que sobravam de suas filmagens profissionais e lá ia eu, com no máximo 3 minutos de material virgem em cada carretel, filmar e filmar. Trocava os carretéis colocando a câmera dentro de um saco de lona preta, absolutamente vedado e grudado ao redor dos meus braços e, cegamente, usando apenas o tato, trocava o carretel de filme virgem por outro. Depois meu pai revelava o material, e eu montava, usando uma moviola. Letreiros eram filmados à parte e sobrepostos numa segunda cópia ou simplesmente “emendados” em partes do filme. Tudo feito manualmente. Som? Nem pensar. Era muito caro. Gravava em fitas magnéticas de rolo a trilha sonora dos filmes e colocava um sinal de sincronismo. Para assistir, era o filme no projetor e a fita no velho gravador akai de rolo, ao mesmo tempo.
Hoje... Hoje meu pai se encantaria com a maravilha das câmeras digitais e a facilidade com que se monta, se edita, um filme no computador, se sonoriza e se assiste imediatamente, com um maravilhoso som.
Série Recordar É Viver, iniciada em 1937
Além dos filmes que registram eventos familiares como aniversários, batizados e casamentos, meu pai “produzia” pequenos filmes domésticos com enredo simples, onde ele sempre estava testando algum novo recurso que conseguira implementar. Tenho particular paixão por dois desses filmes, que foram feitos na metade dos anos de 1940.
Um dos primeiros é uma brincadeira. Meu irmão Alvan, que deveria ter entre 10 e 12 anos, fêz a câmera. Os “atores” são meu pai e minha mãe, Wanda, gozando a si próprios na cotidiana cena da minha mãe querendo ir dormir e o meu pai enterrado nas suas máquinas de fazer filmes. Chama-se “O Estrilo da Wanda”. Estrilo, pra quem não sabe, é uma palavra antiga que significa “bronca”, “protesto”.
Clique: Veja o filme O Estrilo da Wanda LINKS PARA MAIS FILMES DA SÉRIE: Recordar É Viver
FOTOS DO LABORATÓRIO DE CINEMA DO MEU PAI, ANOS 1960:
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máquina para revelação de filmes em 16mm
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Projetor Bell Howell 16mm |
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Analia Blanco Gratidão! Bela
palavra - oração para quem teve / tem o privilégio de viver e usufruir
sabedorias de Vo Amelia,Tia Wanda, Alfredo, Janete, Oto, Terezinha,
José, Maria, Osvaldo, Leca, primas, primos, agregados, etc... Analia e
Osmar.
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Isabel Fomm de Vasconcellos Obrigada, Edu, Zocchi, vc é D+. E, olha, eu tinha me esquecido da persistência retiniana, meu pai vivia dizendo isso, meu Deus! E depois vc diz que é vc que está velho...kkkk.... |