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"Retrocedemos em questões que já vínhamos avançando, como os atendimentos específicos para a população GLBT – não só na parte farmacológica, com o fornecimento de terapia hormonal, mas também em relação à cirurgia de redesignação sexual –, ou mesmo em aspectos relacionados ao abortamento legal previsto por lei, tratamentos para infertilidade e reprodução assistida, entre outros atendimentos em que houve um estancamento nesta atual administração."

 

 

 

Leia artigo do mês de Isabel Fomm

 

 

Leia a entrevista da Dra. Albertina Duarte.

 

 

Leia depoimento Dra. Tânia Santana

 

 

Leia a Revista na Íntegra.

 

Os Desafios para Garantir

uma Assistência Integral

à Mulher.

 

Entrevista do Dr. José Carlos Riechelmann

 

Os programas de saúde materno -infantil sempre foram os principais eixos no Sistema Único de Saúde (SUS) e já existem há muitas décadas. Uma das conquistas mais importantes nessa área foi a criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, em 2004, que envolve não somente questões de ordem reprodutiva e sexual, mas também fatores socioculturais, levando em conta, inclusive, a diversidade das regiões do País, que possuem diferentes níveis de desenvolvimento de seus sistemas locais de saúde.

O Sistema Único de Saúde determina uma série de direitos relacionados à saúde da mulher, entre eles estão o acesso aos exames de mamografia, Papanicolau, planejamento familiar e à atenção humanizada durante o parto.

Entretanto, nos últimos anos, apesar das muitas conquistas, com o subfinanciamento da saúde pública, a mulher não tem sido atendida em suas demandas na área da saúde. Devido à falta de uma atenção efetiva e eficaz, muitas não conseguem acesso a consultas e exames preventivos que podem salvar vidas.

A consequência disso é uma ineficiência no rastreamento e, por conseguinte, uma alta mortalidade por cânceres de mama, ovário ou de colo de útero, os tipos mais prevalentes no gênero feminino.

O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que para cada ano do triênio 2020/2022, serão diagnosticados no Brasil 66.280 novos casos de câncer de mama. Mesmo assim, muitas continuam sem acesso aos exames preventivos e necessários, como a mamografia.

A prevenção ainda continua sendo o melhor dos caminhos, mas também exige comprometimento, políticas públicas específicas, recursos financeiros e iniciativas bem implementadas, que permitam o acesso amplo a exames para todas as mulheres.

Para analisar esse cenário e os impactos da pandemia na qualidade da assistência à mulher, a UPpharma entrevistou Dr. José Carlos Riechelmann, Ginecologista e Sexologista, Diretor de Gestão de Pessoas, Ensino e Pesquisa do Hospital Municipal do Campo Limpo "Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha"/SP e Presidente do Comitê Científico de Sexualidade Humana da Associação Paulista de Medicina (APM).

 

UPpharma - Como estão hoje no Brasil os programas voltados à saúde da mulher?

 

Dr. José Carlos Riechelmann – Desde a criação do Ministério da Saúde, na década de 1940, os programas voltados à saúde materno-infantil formam os principais eixos no sistema de saúde público. A partir da década de 1980, tivemos uma evolução nessa área, ampliando o foco para a saúde integral da mulher. Em 2004, foi criada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Por outro lado, alguns fatores têm provocado uma estagnação e até uma deterioração nessa assistência, especialmente no SUS. Um deles foi a publicação da PEC 95, determinando um teto para os gastos públicos, o que inclui as áreas da educação e saúde. Com isso, estamos vivendo um subfinanciamento crônico do Sistema Único de Saúde.

Com menos recursos, retrocedemos em questões que já vínhamos avançando, como os atendimentos específicos para a população GLBT – não só na parte farmacológica, com o fornecimento de terapia hormonal, mas também em relação à cirurgia de redesignação sexual –, ou mesmo em aspectos relacionados ao abortamento legal previsto por lei, tratamentos para infertilidade e reprodução assistida, entre outros atendimentos em que houve um estancamento nesta atual administração.

Para se ter ideia, na cidade de São Paulo, temos apenas um hospital, que oferece o serviço de reprodução médica assistida, mas de maneira ainda muito insuficiente. Há casais que ficam anos na fila, com o risco de perderem o “time” para o processo de fertilização assistida quando forem chamados.

Não podemos deixar de mencionar também a questão do câncer de mama, cujos exames para o diagnóstico precoce ainda não atingem toda a população feminina. O rastreamento do câncer de mama ainda é ineficiente no País, sem falar das cirurgias de reconstrução de mama, que também diminuíram nesta atual gestão. Na verdade, hoje há menos centros especializados oferecendo esse tipo de serviço.

Em se tratando de cirurgias ginecológicas, também pioramos. Só em São Paulo, que é um dos grandes polos da medicina, existe uma fila de milhares de mulheres, aguardando por sua vez no serviço público para se submeter a esse tipo de procedimento, muitas já com dores pélvicas, apresentando sangramentos e vivendo processos complicados e arriscados.

Com a pandemia, a situação, que já estava alarmante, se agravou. Muitos hospitais fecharam os serviços de ginecologia e obstetrícia para abrir leitos e alas para tratamento da Covid-19.

Ao mesmo tempo, a população feminina, até por receio do contágio e exigência de isolamento, adiou suas consultas, tanto nos serviços público quanto privado. Então o que já era insuficiente ficou mais complexo na quarentena. E essa é uma situação que ainda deve permanecer por muito tempo.

O que falta, na verdade, são recursos financeiros. A saúde precisa ter um financiamento maior para poder atender à demanda da população com mais qualidade e eficácia.

 

UpPharma - Para se oferecer uma saúde integral à mulher, é muito importante o fortalecimento do vínculo médico-paciente. Como os ginecologistas e obstetras podem ajudar na valorização da saúde da mulher e oferecer uma abordagem mais integral?

 

Nesse aspecto, acredito que precisamos trabalhar melhor essa questão na formação dos ginecologistas e obstetras. Isso é algo que deveria ser aprendido na graduação. Nos hospitais-escola, que mantêm residências de ginecologia e obstetrícia, a relação médico-paciente precisa ser abordada de forma efetiva. O fato é que esse vínculo na ginecologia e obstetrícia guarda muitas particularidades. Os médicos se deparam com várias situações corriqueiramente que exigem amplos conhecimentos e uma visão mais integral de sua paciente: é uma gestante que está em risco de abortamento; outra que desenvolveu um câncer de útero e vai passar por uma histerectomia; outra tem seu bebê com uma malformação congênita, entre muitas outras intercorrências. E em muitos casos, o parceiro, ou marido, precisa ser envolvido. Cabe aos médicos ajudar o casal a desenvolver as competências emocionais para a maternidade e paternidade ou mesmo para lidar com situações da saúde da mulher que vão necessitar dessa cumplicidade do casal. E isso, ele não aprende na faculdade ou nas residências, que, em geral, preparam o médico para lidar com questões orgânicas, farmacológicas e cirúrgicas.

Existem médicos que percebem essa necessidade de acolher a sua paciente, ajudando-as também nos aspectos emocionais, e procuram especializações para oferecer um atendimento mais humanizado e mais integral. Mas ainda é algo que precisa ser estimulado junto à classe médica.

Para se ter ideia, no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), do qual sou delegado, de cada 100 reclamações 85 estão relacionadas a problemas com questões emocionais. Ou seja, médicos que não demonstraram empatia e sensibilidade no atendimento. Vejo essas situações como uma falta de habilidade de muitos GOs para lidarem com as necessidades de cunho emocional da mulher, ou seja, um insucesso do ponto de vista profissional.

Os médicos, muitas vezes, acabam perdendo a paciente porque a qualidade do atendimento não é satisfatória.

 

UpPharma - Quais são hoje as áreas ligadas à saúde da mulher que mais desafios colocam aos médicos ginecologistas e obstetras?

 

Eu diria que todas as áreas ligadas à saúde da mulher impõem desafios para os GOs.

No âmbito do atendimento às demandas relacionadas à sexualidade da mulher, por exemplo, não são muitos os ginecologistas que dispõem de uma formação adequada nessa área. A mulher, por sua vez, em geral, tem dificuldades de se abrir com seus médicos, que acabam não encaminhando também essa paciente para um especialista nesse campo.

Outro desafio dos GOs que eu destacaria é o tratamento da endometriose, que ainda exige muitos conhecimentos por parte do médico para se ter um resultado 100% satisfatório. Importante ressaltar que, no caso da endometriose, os efeitos podem ser devastadores do ponto de vista da reprodução.

O câncer de ovário é outro campo desafiador, pois trata-se de uma doença silenciosa. Em geral, quando ele é descoberto, já atingiu estágios mais avançados.

Também destaco a questão da mulher que é vítima de violência sexual. É inaceitável essa onda de hipocrisia que tem invadido o mundo da política e faz com que os gestores do SUS diminuam cada vez mais a oferta de serviços e atendimento às mulheres que sofrem violência sexual. Isso é inconcebível numa sociedade que luta pela equidade de direitos para todos os gêneros.

 

UpPharma -Com a vida moderna, quais as doenças mais prevalentes no universo feminino?

 

O rastreamento do câncer de mama ainda é ineficiente no País, sem falar das cirurgias de reconstrução de mama, quando a mulher necessita realizar tal procedimento, que também diminuíram.

Atualmente, vemos um aumento das doenças sexualmente transmissíveis, que já podem ser consideradas epidêmicas. Temos hoje também uma epidemia de HPV. A sífilis, da mesma forma, tem surgido como um surto preocupante. Os motivos são diversos. Apesar das campanhas informativas, o uso de preservativos e os cuidados nas relações sexuais têm diminuído, aumentando o risco de contaminação por HIV e de DSTs. Os programas de saúde da mulher também precisam contemplar essas questões. Os GOs precisam entender que a saúde feminina não se restringe somente a cuidados ginecológicos. Os médicos devem desenvolver um olhar mais amplo, mantendo-se atentos e buscando conhecimentos para atender e entender as mulheres em necessidades que nem sempre são apresentadas por elas.

É preciso oferecer a essas pacientes o acesso a uma avaliação integral, com assistência multiprofissional, visando um atendimento clínico e psicossocial no sentido de garantir sempre uma boa saúde física e mental e mais qualidade de vida a todas.