Minha mãe nasceu em 1912. Tinha 39 anos quando eu nasci. Cresci
ouvindo-a dizer: “por que é um direito pra eles (homens) e outro pra nós
(mulheres)?”
Tive a sorte de ser criada por uma casal que, de fato, se amava.
Casaram-se por amor e não por conveniência, como a maioria.
Vou fazer 70 anos nesse 2021 e,
se existe algo do qual eu estou realmente cansada nessa vida é de falar
em feminismo, em condição social das mulheres, em violência doméstica,
em mortalidade materna.
Infelizmente hoje o Brasil se encontra entre os países mais atrasados do
mundo em indicadores sociais.
Em plena pandemia mundial, temos uma presidente que incentiva o
negacionismo, nega a gravidade da situação, atropela sem dó a Ciência e
ignora sem compostura a importância da assistência ao seu povo; e um
ministro da saúde que, segundo suas próprias palavras “apenas cumpre
ordens”.
A saúde da mulher é muito diferente da saúde do homem. A mulher é mãe.
Seu corpo é mais complicado. Seus hormônios se modificam a cada ciclo da
sua vida reprodutiva e antes desta e depois desta também.
Minhas grandes amigas, Dras. Albertina Duarte e Tânia Santana, muito
lutaram, nos anos 1980, para que se instituísse o Programa de Atenção
Integral à Saúde da Mulher (PAISM) e fizeram parte da redação das normas
técnicas desse programa, através da Secretaria Estadual da Saúde de São
Paulo, para o Ministério da Saúde.
Perguntadas pela nossa editora dessa Revista sobre a Saúde da Mulher
hoje, 2021, suas respostas não foram assim tão animadoras.
O Brasil está ficando doente e, quando o país adoece, quem mais sofre
são as mulheres. Naturalmente mais capazes de enfrentar doenças dos que
os homens – pois afinal encaram naturalmente as mudanças de seu corpo,
pelo ciclo menstrual, pela gravidez, pelo pós-parto e pela menopausa,
além de tradicionalmente cuidarem melhor de sua saúde do que eles – as
mulheres sofrem pela família, pelos filhos, maridos, por seus entes
queridos.
Se a assistência à saúde feminina já era insuficiente antes, imagine
depois da Pandemia.
Até a segunda metade do século XX, a mulher era vista, pela Medicina –
exercida, quase na sua totalidade, por homens – apenas como uma máquina
de parir. É clássica a história da Febre Puerperal, que matava mais
parturientes num determinado andar de um hospital europeu, no século
XIX, do que em outros. Intrigado, o médico responsável acabou
descobrindo, antes de Pasteur, que a causa das mortes estava nos dedos
dos médicos residentes que faziam o exame de “toque” nessas mulheres,
depois de sair das sessões de necropsia sem higienizar as mãos e indo de
uma mulher para outra, enfileiradas estas numa enfermaria. Enfileiradas
como máquinas de parir, numa fábrica de bebês. Bebês muito necessários,
então, para formar a necessária mão-de-obra para uma sociedade que mal
entrara na era industrial.
Já em nossos dias, nascer se transformou num ato cirúrgico, muito mais
pela comodidade para médicos, enfermeiros, hospitais, do que para a
saúde das mulheres. Cesariana é com hora marcada. Parto é sem hora certa
e sem duração prevista.
As mulheres de hoje chamam a menstruação de “incômodo” e têm medo da dor
do parto. Quando tomam pílula anticoncepcional, muitas vezes, emendam
uma cartela na outra para não passar pelo “incômodo” do sangramento
mensal. Ou usam implantes hormonais para não menstruar. Um médico famoso
-- que Deus o tenha! – chamava a menstruação de “sangria inútil”. Inútil
para ele, claro, já que era homem. Como dizem as doutoras Tânia e
Albertina, aqui citadas, a menstruação é, acima de tudo, um sinal de
saúde. É ela quem muitas vezes nos dá o primeiro alarme de alguma coisa
não vai bem no nosso aparelho reprodutor e a falta dela é o primeiro
indício de gravidez.
A partir dos anos 1990, quando a famosa “Terapêutica de Reposição
Hormonal” virou moda para as mulheres depois da menopausa, hormônios –
esses sim, muitas vezes inúteis – vem sendo receitados
indiscriminadamente para toda e qualquer mulher que entra no Climatério.
Nem todas precisam deles. Como explica a Dra. Tânia Santana, as mais
gordinhas têm estrogênio nas camadas de gordura. Para as que têm risco
de desenvolver osteoporose, para as que sofrem com os calores noturnos
ou mesmo com a tal da “secura vaginal”, hormônios são benvindos. Mas não
em qualquer dose. Não para sempre. Médicos bem-informados sabem que a
TRH deve ser absolutamente individual, adaptada para cada corpo, para
cada mulher, que é única.
O fato é que são sempre homens que inventam essas modas para “tratar” as
mulheres. As únicas “modas” que apareceram pelas mãos de mulheres foram
justamente as que mais revolucionaram seus costumes. O O.B., absorvente
interno, desenvolvido por Judith Esser Mittag, embora algumas fontes
atribuam sua “invenção” a um homem, é uma delas e a outra foi a pílula
anticoncepcional.
Aqui você vai dizer: Ficou louca, Isabel? Todo mundo sabe que a pílula é
invenção de Gregory Pincus e John Rock.
Sim, eles foram os cientistas que desenvolveram a ideia de uma pílula
anticoncepcional, ideia essa que veio da enfermeira e ativista pelos
direitos da mulher, Margaret Sanger, que se uniu a uma bióloga
milionária, Katherine MacCormick, para procurar e financiar (com o
montão de dinheiro da MacCormick), cientistas que se dispusessem a
pesquisar essa droga. Tudo feito por debaixo dos panos, já que
incentivar a contracepção era crime nos Estados Unidos da primeira
metade do século XX.
Verdade seja dita: todas as conquistas das mulheres, do direito ao voto
à contracepção, partiram da iniciativa das próprias mulheres. Nenhum
homem deu a elas nada de mão beijada. Aliás, na maior parte das vezes, o
que os homens mais dão às mulheres é uma bela dor de cabeça!
Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano é jornalista com
especialização em saúde e escritora.
belvasconcelloscaetano@hotmail.com
O Brasil está ficando doente e,
quando o país adoece, quem mais sofre são as mulheres.
Naturalmente mais capazes de
enfrentar doenças dos que os homens, sofrem por seus entes queridos. |