voltar para a pagina-site da Dra. Albertina Duarte - voltar para a página Revistas 2

 

 

 

"Na pandemia, principalmente, a violência doméstica aumentou significativamente, juntamente com os números de feminícidios. Nesse contexto, não só a sociedade, mas também os GOs precisam entender melhor essa questão, que faz parte sim da assistência integral à sua paciente. Durante a pandemia, a mulher ficou muito mais sobrecarregada, diante das obrigações com os filhos, com a família, com o trabalho, o que impactou sua saúde mental. Para piorar, muitas sofreram violência física, sendo que grande parte dos agressores são seus parceiros, seus maridos. O isolamento foi um desafio para a ala feminina. É preciso entender como o ciclo de violência doméstica funciona, o porquê desse ato horrível ainda acontecer e o que pode ser feito para minimizar o problema.."

 

 

 

Leia artigo do mês de Isabel Fomm

 

Leia a entrevista do Dr. Riechelmann

 

Leia depoimento Dra. Tânia Santana

 

 

Leia a Revista na Íntegra.

 

A Prevenção como

Grande Aliada na

Saúde da Mulher

 

Entrevista da Dra. Albertina Duarte.

 

Médica Ginecologista e Obstetra, Chefe do Ambulatório de Ginecologia da Adolescente no Hospital das Clínicas da USP e Coordenadora do Programa Saúde do Adolescente da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo, Dra. Albertina Duarte é umas das entrevistadas da UPpharma para essa edição especial e comemorativa do Dia da Mulher. Grande expoente em saúde feminina, a médica foi uma das profissionais que contribuíram para a redação das normas técnicas do PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher), do Ministério da Saúde. Nesta entrevista exclusiva, Dra. Albertina apresenta os desafios para prevenção e controle de doenças que ainda levam muitas mulheres a óbito no Brasil, como os cânceres de mama e de colo de útero. Confira.

 

UpPharma - As mulheres são mais da metade da população brasileira e sabe-se que o adoecimento delas é multifatorial, considerando o meio ambiente, alimentação, moradia, condições de trabalho, renda e lazer. O que falta ainda no País para que as mulheres tenham mais qualidade na atenção à saúde?

 

Dr. Albertina Duarte – Em se tratando da saúde da mulher, vejo hoje como um dos aspectos mais importantes a necessidade de ouvir e entender com mais profundidade as novas questões do universo feminino, relacionadas tanto à sexualidade e à violência, seja doméstica, sexual ou psicológica, quanto ao trabalho fora do lar, à família, entre outras. Para isso, defendo que as consultas médicas deem espaço para que a mulher exponha, de forma multifatorial, seus queixas e problemas.

Proponho que, especialmente, na rede básica do SUS, sejam criados novos formatos de atendimento à mulher em que se tenha uma equipe multiprofissional para receber essas pacientes. Precisamos criar modelos que contemplem algo semelhante a rodas de conversas, por exemplo, ministradas por enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais etc., que possam colher informações sobre as pacientes e levá-las aos ginecologistas – responsáveis pelo atendimento –, visando oferecer uma consulta com mais qualidade que possibilite analisar a paciente de uma forma mais ampla.

Esse tipo de acolhimento é muito importante nos dias de hoje. O fato é que precisamos entender que muitas queixas e sinais colocados pelas pacientes, como ansiedade, depressão, dores no corpo e outros sem motivos aparentes, podem estar associados a fatores que nem sempre são analisados pelos ginecologistas.

A pandemia comprovou justamente isso. Durante a quarentena, estudos apontaram que a saúde mental da mulher foi extremamente impactada, desencadeando diversos outros problemas físicos. E nem todos os ginecologistas possuem uma visão mais ampla para tratar a paciente de forma integral. E essa situação continua, pois a pandemia ainda não acabou. O medo do contágio, a incerteza em relação ao futuro, a sobrecarga de trabalho pela dupla jornada e as pressões psicológicas e emocionais ainda trazem muitos impactos na saúde das mulheres.

Isso sem falar da gestante, que, em meio à quarentena, também viveu momentos de tensão e estresse à medida que teve de dar prosseguimento ao seu pré-natal em hospitais e consultórios, correndo o risco de se contaminar. Hoje, com o avanço da tecnologia é possível criar esse espaço para conversas e acolhimento, sempre supervisionado por equipes multiprofissionais, o que também promoverá maior aproximação entre a paciente e seu médico. Consultas on-line, grupos de WhatsApp, vídeos chamadas e videoconferências são algumas das opções que a tecnologia já disponibiliza, seja na rede púbica ou privada, e podem contribuir para proporcionar um atendimento em que a paciente sinta-se mais segura e confiante de que seu médico está disponível para receber e atender suas demandas. Isso poderá fazer toda a diferença na assistência à mulher.

 

- Como a senhora mencionou, a mulher, principalmente a gestante, precisa do atendimento e contato com seus médicos. Como substituir estes contatos em tempos de isolamento? Realmente, esse tem sido um grande desafio.

 

- Com a telemedicina, os GOs têm atendido às pacientes, porém, de uma forma mais limitada. É possível verificar alguns sinais, como inchaço, mal-estar ou mesmo obter informações em relação ao aumento ou não de peso, entre outras, que o especialista pode perguntar à sua paciente. Sem dúvida, a telemedicina tem sido uma aliada para evitar a exposição da gestante aos riscos de contaminação pela Covid-19.

Entretanto, quando se trata de gestantes, o exame físico é imprescindível. Na paciente grávida é preciso aferir a pressão arterial, monitorar seus sinais vitais e do bebê, entre outros procedimentos. E por falar em gestantes, essa questão do pré-natal é algo que também precisamos discutir melhor, mesmo em tempos “normais”, principalmente, em nível de SUS. A média de consultas para pré-natal no sistema público no Brasil gira em torno de sete, que é uma das médias das mais altas do mundo. Em contrapartida, a mortalidade materna também tem atingindo níveis muito elevados no País, e vem mantendo-se assim por muitos anos, ou seja, as estatísticas nesse campo continuam preocupantes. Precisamos ter um olhar mais atento para isso. Precisamos instituir protocolos de atendimento e seguimento à gestante. A maioria delas se preocupa em fazer o acompanhamento recomendado durante toda a gravidez com o médico. Mas um grande número de mulheres ainda acaba perdendo a vida posteriormente no parto ou no pós-parto por fatores que podem ser mais bem controlados.

Como é possível que as gestantes continuem morrendo no País por hipertensão, sangramento ou infecções pós-parto em pleno século 21?

A verdade é que precisamos trabalhar, e muito, para mudar essa realidade no Brasil. Quais outros fatores na área da saúde, se bem controlados, podem diminuir a mortalidade ou os riscos de doenças ainda mais prevalentes entre as mulheres brasileiras?

O câncer de colo de útero, por exemplo, ainda mata muitas mulheres no País. A cobertura do Papanicolau é ainda muito baixa. Apesar de ser uma doença que pode ser facilmente detectável e tratável, muitas pacientes desenvolvem a patologia e vão a óbito por não terem acesso ao exame. E são mulheres de todas as idades e em várias fases de sua vida reprodutiva, sendo que muitas delas, nunca fizeram o Papanicolau.

O mesmo acontece com o câncer de mama, o mais prevalente no universo feminino. Muitas mulheres não têm acesso aos exames preventivos e acabam também sendo vítimas dessa doença.

Milhares também morrem todos os anos por problemas cardiovasculares, por doenças sexualmente transmissíveis, sem falar da depressão e ansiedade que podem desencadear outros problemas físicos.

Acontece que a prevenção no Brasil não é algo tão valorizado como se deveria. Precisamos urgentemente colocar a prevenção no foco da saúde da mulher, buscando novas iniciativas para se promover, em maior escala, a detecção precoce. O Papanicolau é um exame simples e de custo baixo que pode salvar vidas. Muitos países reduziram as mortes por câncer de colo de útero aumentando a cobertura do exame de Papanicolau. É inaceitável que no Brasil tenhamos ainda números tão altos de óbitos decorrentes desse tipo de câncer. Precisamos melhorar essa cadeia de atendimento à mulher, visando à sua saúde integral. É preciso que o ginecologista esteja mais perto de suas pacientes, percebendo todos os sinais, orientando, esclarecendo dúvidas e acolhendo suas queixas. Por outro lado, temos grandes conquistas no Brasil, como a vacina contra o HPV, que é também uma importante aliada no combate ao câncer de colo de útero, mas que tem, especialmente em algumas regiões, uma baixa adesão. E o Brasil é um dos poucos países que disponibilizam essa vacina de alto custo gratuitamente.

Na verdade, precisamos melhorar a gestão, inclusive em relação à análise dos indicadores da saúde da mulher, para criar propostas e ações mais eficazes e efetivas. Até porque de nada adianta oferecer programas de prevenção e priorizar a detecção precoce, se essa paciente não tiver um acompanhamento posterior, caso seja detectada alguma alteração nos exames. É essencial oferecer seguimento, uma resposta de tratamento para essa paciente. Acredito que há muito o que melhorar, mas são necessárias, além de recursos obviamente, propostas efetivas – que possam ser implementadas num país continental –, como também ação e comprometimento.

 

Como questões sociais, a violência física doméstica, feminicídios, entre outras, vêm impactando a saúde da mulher?

 

- De fato, esse tipo de situação precisa ser controlada, pois afeta muito as mulheres. Na pandemia, principalmente, a violência doméstica aumentou significativamente, juntamente com os números de feminícidios. Nesse contexto, não só a sociedade, mas também os GOs precisam entender melhor essa questão, que faz parte sim da assistência integral à sua paciente. Durante a pandemia, a mulher ficou muito mais sobrecarregada, diante das obrigações com os filhos, com a família, com o trabalho, o que impactou sua saúde mental. Para piorar, muitas sofreram violência física, sendo que grande parte dos agressores são seus parceiros, seus maridos. O isolamento foi um desafio para a ala feminina. É preciso entender como o ciclo de violência doméstica funciona, o porquê desse ato horrível ainda acontecer e o que pode ser feito para minimizar o problema. Muitas mulheres por receio ou vergonha, optam por não denunciar o agressor. Com isso, somatizam o sofrimento e ficam sujeitas a desenvolver mais doenças, como quadros de ansiedade, depressão e síndrome do pânico, sem falar no suicídio. É importante que todas essas questões entrem na pauta do atendimento à saúde da mulher. É preciso que os profissionais de saúde, a sociedade e o Governo respondam a esses novos desafios e busquem alternativas para oferecer essa abordagem mais integral, de modo que as mulheres possam ter mais qualidade no atendimento à sua saúde.