RITUAL DE PASSAGEM
por Luiz Geraldo Benetton

Cerimônia de formatura da 4ª série ginasial, Alberto Conte, 1966. Auditório do próprio colégio, lotado de pais, tios, padrinhos e avós.
No palco, mesa solene com ilustres professores, memória confunde um pouco, só me lembro bem da profª Inara, de Matemática. Subíamos em dupla, um rapaz e uma moça, de mãos dadas, para receber o diploma, cumprimentos sorridentes dos mestres e aplausos ao fundo.
Depois da entrega dos canudos o discurso da nossa paraninfa, Profª Celi, de História. Silêncio na platéia, expectativa no ar, e eis que ela tira da bolsa um papel manuscrito, com um sorriso enigmático, que lhe era típico. Juro que por reflexo pensei: lá vem prova, mas não, era o texto que tinha preparado para ler na solenidade. E o título: “Quando vocês tiverem quarenta anos”.
 

Todo mundo ficou meio perplexo, mas como era muito querida e respeitada, ninguém sequer respirou e aguardou o que viria pela frente.
Na hora a surpresa me fez perceber devagar o conteúdo e a intenção daquela colocação. Genial, simplesmente genial abordar esse tema em uma celebração do auge da idade da irresponsabilidade inconseqüente de uma juventude ingênua. Todos entre quinze e dezessete anos, em 1966. Não me lembro mais ipsis verbis de seu discurso, mas a essência me pingou uma gota ácida de insight. Na hora não consegui denominar que transformação se iniciava ao absorver aquelas palavras; só depois é que percebi que naquele momento tinha se inserido em mim uma consideração que tudo é processo. A vida se desenrola em fases, ciclos, e segue grandes transformações. Toda aquela juventude transbordante daria lugar a uma maturidade, e era bom começar a pensar nisso desde já. Os meus quarenta anos estavam me esperando. Precisaria me preparar para esse grande encontro, treinar em casa, na rua, processualmente, cada passo, em direção a esta meta tão longínqua quanto certeira. Afinal, o que eu seria quando crescesse?

Hoje eu sei. E percebi que o processo flui continuamente. Que todo dia tem ritual de passagem, é só prestar atenção, as coisas não param, tudo se mexe, nada é definitivo, viver é atravessar essa nuvem de possibilidades mil. Certo está o I Ching, em sua milenar sabedoria, a única coisa que não muda é a mutação.
Naquela época, terminar o ginásio no Conte equivaleria a, respeitando as proporções e com ligeira licença poética, estar no segundo ano de qualquer faculdade, hoje. Ainda assim éramos muito jovens e inexperientes, tabulas rasas, nada inscrito ainda, só insinuações e vislumbres de tendências, e ouvindo um discurso que nos levava a pensar num futuro tão distante, mais próximo que imaginávamos. Como passou rápido, e como continua a toda velocidade.

A vida parece ter pressa de se realizar, quanto mais se tem combustível para queimar. E isso não faltava àquela geração. Tínhamos sido abastecidos por longos quatro anos, diariamente, por doses generosas de conhecimento, transmitidas com amor à arte de ensinar. Até hoje queimamos o estofo incutido em nós.
A vida começa todo dia. 

COMENTE

Tina Hengles Texto maravilhosos!
Rogerio Bartolomei maravilhoso texto...parabéns!
Vera Hengles Lindo ....assim fomos nós alunos deste maravilhoso Colégio, saímos para lutar na vida ,mas com muita base e também com amor que tivemos sempre pela nossa Escola! Amei seu texto , parabéns!
sabel Fomm de Vasconcellos Sim, Vera, fomos realmente uns privilegiados. O que o Alberto Conte nos deu é o que nos une até hoje.

Chris Ramsthaler Que texto maravilhoso! Lembranças, reminiscências... revivemos a época, as situações, aprendizados, tudo que tivemos no Alberto Conte. Tudo que nos foi proporcionado de melhor para esta fase da vida! Valeu Luiz Geraldo Benetton. Continue a nos brindar com suas memórias e com seus excelentes textos! Vitamina pra todos nós!
Maria Aparecida Sabino Maravilhoso texto!!!
Suely Heloisa Teixeira Agradeço seu delicioso texto Luiz Geraldo Benetton!!!

Nelson Primi Parabéns por mais uma bela crônica que nos remete a um passado tão próximo e a um futuro já remoto pois os 40 passaram como um raio e nem percebemos; belas lembranças e um aviso que me passou desapercebido...ainda bem já estamos com mais de 60 e realmente a única coisa que não muda é a mutação, e assim mutante continuamos, abs Luiz.

Oscar Ultravitrine SENSACIONAL Luiz.

Vera Lúcia Marante Encantador ver nossa vida descrita de forma tão poética
Vókyria Carvalho Quantas alegrias ,quanta coisa boa vivi no IEPAC. Me formei em 59

Cassiana Veras Texto fabuloso.. realmente olhamos e nem acreditamos.. Que se passou tanto tempo...
Diva I. Jacinto Lindo texto , realmente levamos pela vida tantas experiências vividas e que até hoje influenciam nosso cotidiano !
Ludmila Saharov Saudade....
Daisy Azevedo Parabéns pelo texto Luiz Geraldo Benetton....vc realmente nos remete àquela época com suas palavras. E graças ao Conte, quee stamos juntos novamente. Só uma coisinha...a prof. de História era Celi. esperamos vc no nosso almoço, heim.....
Janete Borges de Gouvêa Maravilhoso texto, que nos reporta a uma fase de nossas vidas que jamais esqueceremos, que constantemente relembramos, da qual podemos concluir que, somos frutos de uma safra que não foi contaminada por nenhuma praga. Anos verdadeiramente dourados!
  

foto Sergio Malta Decourt

CLIQUE NA FOTO PARA AMPLIAR!