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(Helena Vasconcellos, Festas e Belezas Goaianas)

Teve Festa

e Eu não Fui

por Maria José Silveira

 

Para Lucia
 

Minha irmã fez 80 anos. A ameaça da Ômicron em aeroportos e aviões não me deixou ir para lhe dar meu abraço de irmã feliz em comemorar sua vida. Senti muito. A data é tão significativa, e adoro reuniões de família.


Escrevi “a data é tão significativa” e fiquei aqui pensando sobre isso. Todo aniversário comemorado é significativo, mas à medida que envelhecemos, as datas redondas, por algum motivo inexplicável, tornam-se especiais.

 

 

São celebrações de uma vida, com os altos e baixos que toda vida tem, e um grande momento de alegria por ser exatamente isso, celebrações, e poder ser também, e ao mesmo tempo, uma porta se abrindo para uma boa caminhada até os cem, cento e poucos anos, idade que hoje se tornou uma conquista possível de nossa irrefreável humanidade.

 

Desde que se mantenha a lucidez, sine qua tudo isso seria vão.
 

É curioso mas creio que só agora, tempo em que também envelheço, é que entendo completamente a ideia dos parabéns oferecidos, com palmas, a cada aniversário que fazemos. Não é fácil superar os obstáculos que o mundo vai colocando a nossa frente. É preciso força. Coragem. Sorte. Talvez não tenha mesmo outro momento tão merecedor de parabéns.


No aniversário de oitenta anos de minha mãe, recordo seu sorriso de corpo inteiro – como, aliás, era como ela sorria – ao nos agradecer pela festa e pelas oitenta cestas básicas para os pobres de sua paróquia, o presente dos filhos, a seu pedido. O sorriso da minha irmã, vi quando me enviarem as fotos da festa que seus filhos organizaram em sua homenagem. Houve música (minha irmã é poeta e compositora, seus livros publicados e disco gravado são lindos); houve dança (minha irmã é quase um pé-de-valsa); houve a sua volta os seus cinco filhos, nove netos, genros e noras (foi uma mãe de enorme dedicação); houve a seu lado também os irmãos (menos, pesarosamente, eu); e houve primos e amigos. Todos vacinados e bem. Quer alegria maior?


Penso também nos meus amigos que fizeram oitenta anos. Todos durante a pandemia. Mesmo assim, conseguiram escapulir para comemorar com a família. É tão natural isso. Tão necessário, esse encontro com os seus nesse momento.


No aniversário da minha mãe, não me ocorreu pensar se um dia chegaria, eu também, a completar oitenta anos. Era algo ainda distante; não estava na ordem dos meus pensamentos; era um futuro que não me cabia vislumbrar naquele momento. Já hoje, nos aniversários da minha irmã e dos meus amigos, penso, ainda que fugazmente: chegarei?
 

Espero que sim. Mas há um se aí. E este “se”, esta indeterminação do futuro, é outra coisa que o envelhecimento nos obriga a ver mais de perto. Não sempre. Não a toda hora. Mas em momentos como este. E só penso nisso, na verdade, porque não fui à festa. Se tivesse ido, estaria pensando apenas na beleza e alegria de se comemorar os oitenta anos bem vividos de uma irmã.