(Edward Hopper, 1930, Manhã de Domingo)

 

 

Pandemonia
por Zedu Lima


Acordo. Inerte, abro os olhos.
Um nó trava minha garganta.
Sem ânimo, o corpo se levanta.
Mais um dia de quarentena.
Quantos já foram até agora?
Uma centena?

De vagar, caminho até a janela.
Pessoas mascaradas na calçada
Como eu criança com a meninada
Brincando de mocinho e bandido
Um lenço mascarando o rosto
Na mão, revolver de pau curtido
Mas o bandido não era fatal
Como esse vírus traíra, letal.

Olho para o céu e vejo, assustado,
O presidente em seu cavalo alado
Sobrevoando os túmulos dos mortos.
Incrédulo, fujo dessa visão macabra
Que cavalgou torpe por caminhos tortos
Na contramão do que eu vislumbrara

Procuro o que fazer.
Nada me satisfaz.
Inquieto, não quero paz.
Preciso de agito, reflito.
A vizinha, sempre sorridente,
Me dá “Bom dia” entredentes

Me sento ao computador
Um risco, um traço, rabisco
Um “olá”, curtir, compartilhar.
Uma crônica, conto. Poetar?
Quanto tempo olho para a tela?
Branca, pálida como uma vela.
Insisto, teclo, inspiro e deleto

De mansinho a noite chega
E o céu escurece aos poucos
Da rua ouvem-se sons ocos.
Esse silêncio me ensurdece
Volto à janela e a lua acontece
Cheia, prateada, iluminada,
Sorri como uma namorada.
O nó na garganta se rompe
Meu corpo se dilui em lágrimas
Que me levam em seus prismas
Pelo onírico e ondulado mar
Que me conduz com vontade
Até a promessa de felicidade

(Zedu Lima – junho/2020
)