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Consolação.
Por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano.

 

João viu Maria atravessando a faixa de pedestres, bem ali, à frente dele. E seu coração imediatamente acelerou. Por que? Ele não poderia dizer. Caminhando rapidamente, os cabelos dela voavam ao vento.
 

Todos tinham que caminhar depressa. Afinal, o semáforo abria para os passantes por apenas 12 exíguos segundos. João pensou que a cidade era planejada e pensada para priorizar os de maior poder aquisitivo, aqueles que, egoisticamente, andavam pelas avenidas sozinhos em seus carros – a maioria, pelo menos! – ocupando um baita espaço, sujando ainda mais o ar sempre poluído.

O pensamento fez as batidas do seu coração se normalizarem. Andou ainda mais rápido ainda, para passar por ela e poder ver-lhe o rosto, mas já sabia que adoraria! Aquele corpo perfeito, os longos cabelos mechados a balançar ao vento, como se fios de seda fossem. Quanto teria ela pago, no salão de beleza, para conseguir aquele lindo efeito luminoso na vasta cabeleira? – se perguntou.

Passou por ela e, atingindo o meio fio na calçada, virou-se e deu de cara com aquele rosto simplesmente angelical! Era linda! Mas ele já sabia... Ela foi para a esquerda, em direção ao Paraíso (uma criatura tão bela só podia mesmo se dirigir ao Paraíso!). Ele precisava ir à direita, rumo à Consolação. (Consolação era de fato o que João andava precisando). Mas que se dane! Que se dane o escritório, que se dane o patrão, que se dane o relógio! Ele não iria deixar escapar aquela mulher maravilhosa! Era a sua mulher, a dos seus sonhos, reconhecia. Seguiu-a, apressados os dois, por entre a multidão que lotava a larga calçada da Avenida Paulista, na frenética hora de almoço de segunda-feira.

Caminhando atrás dela, João pensava em como se aproximar, como fazer contato, sem parecer indelicado ou vulgar. Por fim, pararam para esperar que outro sinal de pedestres abrisse, para, agora, atravessarem a alameda transversal à avenida.

Demorado – refletiu João – leva mais de 4 minutos para abrir e quase todos os transeuntes atravessam no vermelho mesmo, sem paciência nem tempo para esperar tudo isso, arriscando-se a ser apanhado por algum veículo. João lembrou-se de uma estatística que vira em algum site: no ano de 2022, um pedestre foi ferido, em São Paulo, por algum carro, a cada 15 minutos. Cidade de loucos!

Muitos furaram o sinal, mas ela permaneceu parada ali, à espera do verde! Graças aos Céus! Era a chance que João precisava. Olhou bem nos olhos dela e disse:

-- Desculpe-me, mas creio que estudamos juntos no pré-vestibular. Você é por acaso a Maria?

-- Sim – respondeu ela, com um meio sorriso (dentes de deusa, pensou João) – Sou a Maria.

Está vendo? – pensou João, falando a alguém invisível – eu chutei o nome dela e, na verdade, já tinha adivinhado! Ela é mesmo uma Maria.

-- Mas – continuou ela – não me lembro de você e, de fato, não fiz o cursinho. Resolvi tentar a sorte e fui direto pro Enen. Deu certo, passei. Você deve ter me confundido com outra Maria...

O sinal abriu e eles atravessaram, lado a lado, a faixa de pedestres.

-- É, pode ser! – respondeu ele – Mas de qualquer forma, muito prazer em conhece-la. Sou o João.

-- Prazer, João. Você trabalha por aqui?

-- Sim – respondeu ele – trabalho naquele prédio grandão, ali, na esquina da Augusta com a Paulista, no banco, você sabe. Sou auxiliar administrativo, mas, um dia, serei o diretor.

Ela riu: -- Mas você está indo na direção oposta!

João corou. Pensou em inventar alguma desculpa, mas não iria começar uma relação com a mulher da sua vida, mentindo.
 

Seus pensamentos se atropelavam, ele já imaginando que se amariam muito, que aquela era a sua alma gêmea, a que ele sabia que, mais dia menos dia, haveria de encontrar! Já sonhava com o namoro, com o motel, com o casório! Resolveu ser sincero:

-- É. Eu estou na direção errada. Mas não pude resistir. Quando a vi, sabia que precisava conhece-la...

-- Ah! – disse ela – Então não existe uma Maria do cursinho...

-- Não – respondeu ele, com franqueza – Eu precisava mesmo conhecer você, me perdoe, foi mais forte do que eu.

Estavam chegando à galeria, logo depois da esquina da Brigadeiro. João viu os olhos dela se iluminarem e logo seguiu a direção do seu olhar. À porta da livraria famosa, estava um rapaz bem vestido e João percebeu que era ele, o tal moço, o amor da “sua” Maria. De fato. Ela quase se atirou no abraço dele. Quando se desvencilhou, ia dizendo: -- José, esse é o João...

Mas o João já não estava ali. Percebendo o engano, se afastara rapidamente, sumindo entre a multidão que lotava a calçada.

Apenas mais um sonho – pensou então o pobre João, que nos últimos 10 minutos, julgara ter encontrado o amor pelo qual tanta ansiava. A vida nem sempre é justa – concluiu. E pôs-se a caminhar, cabisbaixo e decepcionado, de volta à Consolação.

Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano é escritora, apresentadora e youtuber. É pré-candidata a vereadora na Cidade de São Paulo, pelo PSD.  isabel@isabelvasconcellos.com.br