voltar para a página da escritora Dra. Stela Grespan  voltar para a página inicial do Portal voltar para a página-índice dos escritores

 

(foto de Hans Gunter Flieg)

 

Sólido

por Stela Maris Grespan

 

 

A exposição fotográfica “ Tudo o que é sólido “ no IMS em Sampa comemora o centenário de vida de Hans Gunter Flieg, nascido em 3 de julho de 23.

 

Seu nome nada me dizia, até ver suas fotos que despertaram em mim inúmeras memórias e o seu reconhecimento.

 

Chegou ao Brasil, em 1939 com sua família, como exilados alemães pela perseguição nazista aos judeus. Havia iniciado seu aprendizado em fotografia, na Berlim de sua adolescência e trouxe na bagagem uma câmera Leica e uma Linhof, além de um olhar educado pela Bauhaus e dos princípios da escola fotográfica alemã Nova Objetividade.

 

Foi um dos pioneiros na introdução da fotografia publicitária, no final dos anos 40 do século passado. Registrou com grande arte, em P&B, todo o desenvolvimento industrial e urbanístico da capital paulista e do estado, em busca da sonhada inserção na modernidade pós guerra. Suas fábricas e muitos de seus produtos, como cristais, vidros, pneus, artefatos industriais, máquinas de escrever e outras peças foram meticulosamente fotografados e usadas em campanhas publicitárias.

 

A qualidade de seu trabalho, o cuidado estético, o domínio da luz era tamanha que logo acercou-se de grandes “ motores” da arte e cultura da pauliceia, como Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi.

 

Afora as fotos de caráter publicitário, foi o fotógrafo oficial da 1 Bienal Internacional de Arte de São Paulo em 51. Documentou pari passu o trabalho de Lina, desde suas maquetes até a construção do MASP em meados dos anos 50, no parque Trianon.

 
Fiquei encantada com esta homenagem. A visão de suas fotos me fez, como o significado de Flieg em alemão, “voar”, para os calçados Clark ( na sua loja da Rua da Praia em Porto Alegre) e aos calendários lindos da Pirelli de minha infância.


O cuidado e a beleza estéticas de sua fotos, onde luzes e sombras são dramaticamente reforçados, levou-me, insensivelmente, ao magistral Metropolis, de 1927, do cineasta Fritz Lang. Filme considerado o primeiro e verdadeiro filme de ficção científica, inspirou obras como Blade Runner, Matrix e Star Wars, entre outros. Baseou-se no livro homônimo de Thea von Habou, esposa do cineasta, lançado em 26 e foi roteirizado pelo casal. A obra, esplêndida sob todos os aspectos, imagina uma cidade do futuro em 2026, tão próximo de nós neste 23.

 

Atualíssima, em sua crítica ao sistema capitalista, à divisão das classes sociais, ao uso da Inteligência Artificial e à concepção do homem máquina ( aqui corporizado na construção do Robot Maria), como ameaça à substituição do homem em seu trabalho

(o que já se verifica na mecanização da indústria e do campo) e ao seu inevitável descarte na cadeia produtiva. Trata também da alienação pelo trabalho dos indivíduos e da incapacidade de organização dos despossuídos para fazer frente ao imenso abismo de desigualdade social. Nas palavras otimistas de sua autora, há lugar para a conciliação.
“ Este filme não é de hoje e nem do futuro. Ele fala de um lugar nenhum. Ele não serve a nenhuma tendência, partido ou classe. Ele tem uma moral que cresce quando há compreensão: o mediador entre o cérebro e as mãos deve ser o coração.”
Thea von Harbou, 1925
Será?
 

A fotografia de Flieg levou-me à inevitável associação com o trabalho magistral de Karl Freund neste filme de tão poderosa reflexão e influência no campo da cinematografia.
A exposição, como sempre, tem entrada gratuita, e se estenderá até janeiro de 24.