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(Graça Crayd, 2020, Velha na Janela)
Enfim, somos julgados em qualquer circunstância. Gordos, magros, negros, pardos, gays, lésbicas e todas as variações de gênero, enrugados, plastificados - tá com botox, não é possível!
Uma sociedade de magistrados prontos a sentenciar-nos.
(Glória Maria, jornalista)
(Cleonice Berardinelli, literata e professora)
(Anthony Quinn, ator, em "Zorba, O Grego")
Reflexões sem álcool, mas voláteis… por Stela Maris Grespan
Meu pai nunca dizia pra ninguém a sua idade. Muitos só descobriram, quando o padre comentou, em seu velório, que ele havia vivido muito e bem. Tinha mais de 90 anos. Deu para perceber o frisson entre os amigos. De um colega ouvi a insensibilidade das palavras - por que choras? Ele estava muito velho!
Glória María também não a dizia, achava divertido causar confusão ( era
a explicação). Talvez ser mulher e negra já tivesse sido o suficiente.
Assim se aventurava com a liberdade de ser fora do tempo.
Hoje eu também deixei de gostar. Mesmo que ninguém queira morrer moço, a
alternativa possível, há sempre um idiota esboçando um sorriso de
menosprezo às palavras ou ações de um idoso. Percebo isto até entre meus
jovens pares da Cardiogeriatria, pasme-se!
Detesto ver matérias jornalísticas acompanhadas das idades- Dependendo do personagem, ao ver a idade, já há um pré julgamento. Nem eu fico imune. Leio que Paulo Lemann, 83, sócio das Americanas, suspeito de fraude, tem um capital estimado em 100 bilhões!!! Uau!! Para que tanta ambição? Vai se enterrar com ele ou divertir-se com a disputa pela herança, diamantes de sangue dos trabalhadores? E, ainda, as manchetes dos jornais, com moralidade implícita - a “idosa” de 61 anos foi vista fumando e bebendo na mesa de um bar…como se não pudesse. Caetano falou no Roda Viva que seu avô era mulato e só faltou ser esquartejado pela impropriedade do vocabulário. Ora, um homem de 80 anos foi instruído na escola deste jeito, e o avô é dele, afinal!
Enfim, somos julgados em qualquer circunstância. Gordos, magros, negros, pardos, gays, lésbicas e todas as variações de gênero, enrugados, plastificados - tá com botox, não é possível! Uma sociedade de magistrados prontos a sentenciar-nos.
Agora, cá comigo, tenho a impressão, voltando ao cerne da questão, é que
vamos assumindo a idade e permitindo que, por suas frestas,
subrepticiamente, entre o bafio da indesejada, ou pior, que a gente vá
se autolimitando, morrendo em vida, querendo vestir um pret-a porter que
a sociedade impõe e que pesa mais que a armadura do El Cid!
Por isso foi bonito ver que Dona Cleonice Berardinelli não estava nem aí
e continuou até os 106 anos uma mulher ativa e admirada
intelectualmente, cuja perda foi inestimável aos seus alunos, colegas e
a todos os que reverenciam a poesia e a crítica literária.
Para terminar, escrevi estas mal traçadas, sob o impulso da lembrança
que o FB me mandou, coincidentemente, de um dos mais belos filmes que vi
e das palavras lindas ditas por seu personagem, Zorba, um grego sábio
demais. Não viu? Entre as vantagens de ser idoso é já ter visto muito. E
do bom e do melhor! A tristeza são alguns sórdidos déjà vu.
Que
idade eu tenho?
Não importa. É segredo.
Dizem
que a idade apaga o fogo do coração do homem
E que ele abre a porta da casa para a morte e diz- lhe - dê- me o
descanso.
Mentira. Eu me levanto e luto!
RIP
Cleonice Berardinelli
RIP Glória Maria
um
ótimo dia Stela
