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(Guayasamin, sec XX, Mãos do Silêncio)
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Agosto, por Stela Maris Grespan |
De minha infância chegam os ecos
de agosto como o mês do desgosto. Não sei se era apenas uma rima
fácil ou se naquele tempo, de clima estável e pobreza de recursos,
agosto era o mês de maior frio e de mortes, de gentes, de gado e do
roçado e de toda a plantação. O Agosto, da morte de Chico Alves, cantor favorito de minha mãe, do suicídio de Vargas, da renúncia do Jânio e, anos mais tarde, da morte de Castelo Branco naquele desastre aéreo meio engasgado, ganhou com tudo isto um ar de maus presságios.
Um mês de desastres políticos
históricos sempre relembrados. Até hoje não sei do dizer de “agosto mês do cachorro louco”. Enlouqueciam os cães? De hidrofobia, de frio, dos uivos ao vento? Poderão hoje, enlouquecer um pouco mais os cães que uivam? |
Todos sabiam o que esperar do inverno e já se precaviam do jeito
possível. Antes
dos satélites, não sei se faziam da metereologia uma ciência, nem se
da neve ou das árvores geladas, um atrativo turístico. Só sei que de
tais calamidades só tínhamos as fotos no Correio do Povo e, anos
depois, nas imagens em P&B dos televisores da época. Não lembro como
eram atendidos os homens em situação de rua que não eram tantos
quanto hoje, após a migração em massa e inchaço das cidades. Não
conheci nenhum equivalente ao grande padre Lancelotti, nem lembro da
existência de albergues para indigentes. Mas, acredito que as igrejas e
seus caritativos fiéis repartissem algum pão e cobertor, pois já eram
comuns e anuais as campanhas de agasalho, anunciadas pelas rádios. A grandeza moral de poucos e a miséria material ou ética dos muitos de sempre não eram tão visíveis ou publicitadas e transformadas em matéria mastigável e palatável, próprias para o consumo das massas e da sua anestesia atual.
Porto Alegre de então parecia ser uma cidade, do ponto de vista urbano e social, menos desigual. A pobreza, mais sentida nas onipresentes periferias da cidade, não era muito diferente das casas da classe média mais baixa e predominante. As de madeira acinzentadas e sem pintura, eram mais presentes no campo, com as chaminés fumantes dos fogões à lenha, em meio a vastidões de terras, num jeito triste de desamparo e solidão que carrego até hoje. A miséria existia e já era percebida em incipientes favelas ao longo do então rio Guaíba, em suas ilhas, e do arroio Dilúvio, hoje Ipiranga. Mudou de nome, mas o mau cheiro continua vivo!
Mas o que eu gosto mesmo é de lembrar do frio sentido ao sair do banho e de me ir compondo, aos poucos, com as camisetas da Hering que minha mãe passava à ferro, para que eu as vestisse quentinhas por debaixo do pijama com botões que uniam as calças às blusas. Depois, dos lençóis também aquecidos pelo ferro de passar e da gemada com leite e um pouco de conhaque que meu pai fazia e que eu tomava já deitada. Tempos em que eram semeados os afetos e o amor pelo cuidados. Eu não sabia o nome, só aprendi mais tarde que aquilo era felicidade!
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