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Fazendo as contas, por Dra. Stela Maris Grespan

 

(Eddi Lui, 2014, Superman and wonder woman, old age)

 

Um dos males do envelhecimento é aprender a calcular.

 

Primeiramente, corremos a ler o que o IBGE nos diz sobre a sobrevida da população em nosso país e no mundo! 79 anos!

 

Uau! Será que eu chego lá?

 

E depois, começa o cálculo. Dez anos, quinze anos...será que se eu começar a comer como mandam os nutricionistas de plantão eu prolongo mais um ano? E, se eu me inscrever na academia e forçar meus músculos (que dizem ter memória) eu os recupere e acrescente mais qualidade nesta vida? E, se eu fizer uma plástica e remover minhas rugas de expressão, visão, vida... Será que eu consigo enganar a foice, quando esta bater à porta?

Talvez, eu consiga fazer uma barganha com Deus e obtenha uns aninhos a mais, cumprindo todos os mandamentos ( quais são mesmo?) e amando ao próximo como a mim mesmo( alguns são mais próximos do que outros).

 

Se eu comprar ou ler na internet todas as frases de autoajuda poderei começar uma vida nova, me amando mais, esquecendo e perdoando todos os que me magoaram e me constituíram deste jeito, com quem brigo todas as manhãs?
 

Ah, aí começa outro cálculo. Ou inventário. O da revisão do passado. Bah!

 

Começo a pensar, quantos anos perdi trabalhando, podendo ter tido mais lazer? Quantos homens me amaram ou pensei que amassem? Quantas oportunidades perdidas não amando tantos quanto eu gostaria? Fui a mãe ou pai que meus filhos gostariam? Quantas retas tangentes comuns eu fui nos círculos de minha vida? Quantos cursos deixei para fazer depois da aposentadoria? Quantos livros comprei e nem sequer os abri, esperando ter tempo e o tempo chegou e eu estou noutra? Quantos filmes assisti e que amei e só tenho uma vaga lembrança de tê-los amado? Será o Mal de Alzheimer chegando?

 

Vou ler mais, fazer cruzadas e me esquecer que o Ítalo Calvino e o Gabriel Garcia Marques tiveram a doença. Certamente não leram o suficiente! Então, como explicar este desassossego de ter vivido e não ter a memória fresca para dizer por minha boca o que vivi, ri, sofri, chorei? E outros me contarem a minha história por suas bocas e eu as ouvir com um vago reconhecimento? Juro que começarei um curso para idosos na PUC e, ainda neste ano, elaborarei minha autobiografia. Juro!

 

Ah, que presente cacete deixarei para minha prole! Pensando bem, talvez não. Quem sabe descobrirão a mãe que tiveram e que ela mesmo só descobriu ao reescrever sua história? E se emocionou às lágrimas em auto-louvor. E chorou e blasfemou, cada vez que viu as cagadas que fez, e prometeu nunca mais repetir pelo tempo que restasse!
 

Meus amigos, se vocês não nasceram para as matemáticas parem de fazer cálculos. As quatro operações já quebram um galho, especialmente se você passar a dividir mais o que somou, diminuiu e multiplicou.
 

Sobretudo se dê o luxo de viver a vida como Drummond, a vida apenas, sem mistificações.
Ou, como Fernando Pessoa, celebrando a vida em bebedeiras e curtindo a morte apenas na literatura.
Ou faça tudo ou não o faça, e creia, mas creia mesmo, que a morte será doce como o fruto da tamareira. E que lhe chorarão a vida inteira.