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Lésbicas no Ginecologista
por Dr. José Carlos Riechelmann

 

 

 

Peter Paul Rubens, 1639, As Três Graças

 

 

 

 

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Eliezer Berenstein Belo texto e sabias recomendações.

 

Stela Maris Grespan Tema corajoso e necessário! Parabéns!

Não é pertinente às boas práticas em ginecologia usar a consulta ginecológica para questionar a homossexualidade.


O atendimento ginecológico a mulheres lésbicas, bissexuais
e mulheres que fazem sexo com outras mulheres, tecnicamente e eticamente deve ser o mesmo que para mulheres em geral, tendo importância a abordagem focada nas práticas sexuais, e não na orientação sexual.
Explico: Não é pertinente às boas práticas em ginecologia usar a consulta ginecológica para questionar a homossexualidade. Esta deve ser tratada pelo ginecologista como mera característica pessoal, como são a cor dos olhos ou a cor dos cabelos.

Por outro lado, importa muito à ginecologia conhecer as práticas sexuais da paciente, tais como o compartilhamento de dildos e vibradores na menstruação e sem proteção (DST, AIDS), alternância entre parceiros homo e heterossexuais (gravidez, HPV, etc....), e a existência ou não de sofrimento psíquico crônico (preconceito e rejeição), que é fator de risco importante para quadros de ansiedade, depressão psíquica e depressão imunológica (Infeção Urinária de Repetição, Candidíase de Repetição, etc...).

Existe uma clara tendência entre mulheres lésbicas de evitarem consultas ginecológicas, em especial entre as mulheres que não assumem sua homossexualidade com naturalidade. Tal tendência é consequência, predominantemente, da somatória entre um grande medo e uma grande ilusão.

O grande medo é o ginecologista seja uma figura que vá julgar ou condenar sua homossexualidade, e evitam a consulta. A melhor maneira de trabalhar com esse medo é encontrar um ginecologista com boa habilidade na relação médico-paciente, que deixe a mulher totalmente à vontade durante a consulta, devido a postura médica de acolher afetivamente e sem julgamentos a paciente que o procura.

As mulheres necessitam de um ginecologista que estude os fatores de risco envolvidos nas práticas sexuais da paciente, e não que fique julgando o fato de que a paciente seja homossexual. A esse medo soma-se ainda o medo do exame especular vaginal. Algumas mulheres lésbicas consideram o exame do canal vaginal como um procedimento extremamente invasivo, perturbador e doloroso. Essa reação também existe em algumas mulheres heterossexuais com diferentes graus de vaginismo. Para essas duas categorias de mulheres é importante evitar a introdução do espéculo vaginal logo na primeira consulta, preferindo-se realiza-lo quando a relação ginecologista-paciente esteja com vínculo de confiança já estabelecido. O ginecologista deve lembrar que sempre deve usar primeiro o espéculo de menor tamanho e deixar para usar os tamanhos maiores apenas se houver bom motivo para tanto.

A grande ilusão é acreditar que sexo entre mulheres, sem a presença de uma figura masculina, seja uma prática sexual sem riscos de transmissão de DSTs e AIDS. Apesar dessa crença existir não apenas no imaginário social, mas também no pensamento de muitos ginecologistas, pesquisas demonstram que de 40% a 60% das mulheres que fazem sexo com mulheres já tiveram pelo menos uma DST, e já existem vários registros de casos de AIDS em mulheres que se auto definem como lésbicas. Esta ilusão favorece uma falsa sensação de que a consulta ginecológica anual não faz falta para mulheres que fazem sexo com mulheres.

O que está ao alcance dos ginecologistas fazerem para favorecer uma maior frequência das mulheres lésbicas e bissexuais aos consultórios ginecológicos é investirem na busca de capacitação técnica para uma melhor relação ginecologista-paciente, que aumente a empatia com a paciente, e que principalmente aumente a capacidade dos ginecologistas para: lidarem com naturalidade em relação às diferentes orientações sexuais; conhecerem mais sobre a realidade das lésbicas, para evitarem qualquer atitude de discriminação e preconceito; compreenderem a necessidade de mudança na postura com relação ao uso do espéculo, escutando as mulheres quanto à forma mais adequada de examiná-las, utilizando espéculos de menor calibre; e sendo adequados ao perguntarem sobre orientação sexual para inclusão do quesito no prontuário único, sem provocar constrangimentos.

Perante todas as questões que envolvem a temática da sexualidade os serviços de saúde no Brasil, tanto do SUS quanto do sistema privado de saúde, refletem o senso comum social que considera a heterossexualidade como norma (portanto julgada como o “certo”) e a homossexualidade como desvio da norma (portanto julgada como “o errado”). Tal cultura, que exclui e discrimina o diferente como sendo “errado”, não pode existir dentro dos serviços de saúde, cuja missão ético-profissional é garantir a todos o direito constitucional à saúde.

Assim, é preciso dar início a processos de mudanças:
1. nas universidades, através de investimento em pesquisa sobre o desenvolvimento de meios adequados e eficazes de proteção contra DSTs e HIV/Aids; elaboração de normas e protocolos de atenção à saúde; e processos de formação para profissionais e gestores de saúde, de modo a erradicar as situações de discriminação nos serviços de saúde para mulheres que fazem sexo com mulheres
2. nos órgãos governamentais de gestão do SUS, através de capacitações dos gestores e profissionais de saúde sobre a realidade das lésbicas, os casos de discriminação e preconceito nos serviços de saúde, a necessidade de mudança na postura dos ginecologistas com relação ao uso do espéculo, recomendando que escutem as mulheres quanto à forma mais adequada de examiná-las, utilizando os espéculos de menor calibre, e quanto ao modo adequado de perguntarem sobre orientação sexual para inclusão do quesito no prontuário único, sem provocar constrangimentos. Enfim, investir em capacitações técnicas para uma melhor relação ginecologista-paciente.