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Vida Sadia por Isabel Fomm de Vasconcellos |
E então aquele bem-intencionadíssimo fulano, idade em torno dos 40 anos, alguns cabelos grisalhos nas têmporas, aquele sabe, aquele fulano que poderia ter sido o presidente da companhia se não fosse ... o quase bem-sucedido na vida, ele e sua esposa, aquela que não trabalha fora para poder cuidar das crianças, as crianças que passam o dia nos muitos cursos de tudo – línguas, ballet, judô, informática, natação – enquanto ela passeia no Shopping, e tem dor de cabeça quase todas as noites...
As crianças na verdade não estão sendo cuidadas por ela – que largou sua carreira para fazer isso – e sim por profissionais. A agenda deles é tão cheia que não sobra tempo para brincar, nem mesmo com joguinhos no celular. Elas estão sendo educadas em escolas que desprezam a arte, a cultura, a beleza, para ensiná-las as melhores técnicas de como subir na vida, como passar para trás os competidores e como não perder tempo com filosofia, ética e outras bobagens.
Seus pais, os dois, Ele, Alberto (Alberto é ura bom nome, não?) e ela... ela, Suely, pois bem, então os dois, Alberto e Suely, munidos de tão boas intenções adquiridas através de excelentes (na opinião deles, é claro) sites e alimentadas por conversas nos aplicativos, no trabalho ou no saguão do prédio, resolveram levar uma vida sadia.
Correm no Parque Ibirapuera às seis da manhã (com qualquer tempo), Reduzem barbaramente o consumo de álcool (não o combustível, o outro) o que, além de medida sadia, é também econômica. É claro que suco de tomate não gera o mesmo prazer que o vinho, mas, em compensação é muito, muito mais saudável...
Academia e malhação 5 vezes por semana- no mínimo, em horários diferentes um do outro, mas frequentadas com uma assiduidade religiosa.
Comem barrinhas de cereais. Alimentam-se seguindo as mais rígidas regras da boa nutrição. E acabaram por se esquecer do que significa comer com prazer, saborear uma boa comidinha caseira ou a sofisticada refeição preparada por um grande chef. Já os filhos, esses sofrem de sobrepeso, para enorme desapontamento dos pais.
Aulas de dança, natação e tênis. Tudo para manter a forma. Suely detesta jogar tênis. Alberto queria apenas soltar o corpo ao ritmo da música. Mas é preciso seguir as regras da dança de salão. E é preciso aprender a gostar do que se detesta.
Assim, devagar, vão perdendo a alegria de viver. A vida virando apenas um conjunto insípido de regras e protocolos.
Orgulhosos, no entanto, de serem representativos de todo um mercado consumidor de artigos esportivos, de produtos agrícolas orgânicos, tão insípidos quanto os protocolos.
Alberto e Suely: Esbeltos, maravilhosos e... Infelizes.
Alberto trabalha como louco para conseguir o bastante necessário para sustentar o status da família, Suely vai ao Shopping, mas faz compras na 25 de março (o que lhe toma tardes inteiras pra achar aquela roupa parecida com a das vitrines caras) e no pouco tempo que lhes sobraria para viver, escravizam-se ao discutível modelo "sadio".
No entanto, dizem deles: "Um casal exemplo, um modelo de força de vontade".
Força de vontade. É. Precisa muita força de vontade pra manter assim as aparências.
Enrijecem os músculos e esquecem-se de acomoda-los sobre o esqueleto, esquecem-se de relaxar, alongar, descansar... e principalmente de amar. Ele faz amor por alívio, rápido e malfeito. Ela, por obrigação.
Sem nenhum prazer, são agitados e tensos e sua beleza é de superfície.
Alberto e Suely correm no Parque Ibirapuera pela manhã, em busca de uma vida sadia e vivem cheios de boas intenções. Assim como — já diria o meu avô— o inferno está cheio dessas...
Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano é escritora e jornalista com especialização em saúde. |