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Depressão, Substantivo Feminino
por Isabel Fomm de Vasconcellos

 

 

Matéria publicada na Revista Upharma, agosto 2017

As mulheres têm quatro vezes mais depressão do que os homens. Digo, a depressão-doença, não a depressão-estado-de-espírito.

Com as imprescindíveis informações médicas do Professor Titular de Psiquiatria da Unisa, Dr.Kalil Duailibi, e em coautoria com ele, escrevi dois livros sobre o tema, há alguns anos. O primeiro, exclusivo para médicos ginecologistas. O segundo, para o público leigo em geral. A minha parte, nesses livros, foi a condição sociocultural das mulheres como um dos gatilhos para despertar a doença.

Há motivos médicos para que as mulheres sofram mais de depressão do que os homens. Um deles é a própria capacidade de gestação. É a faculdade de ser mãe que torna o sexo feminino mais vulnerável às variações de humor que vêm junto com as variações hormonais. Os homens não sofrem disso. Eles não têm variações hormonais consideráveis ao longo da vida. Mais velhos, podem produzir um pouco menos de testosterona, mas conservam sua capacidade reprodutiva até o fim. Já as mulheres... Meu Deus!

 

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Durante um único mês, e por toda a sua vida reprodutiva, passam por grandes mudanças hormonais que vão do brilho e da excitação estrogênica à calmaria e à ternura maternal da progesterona.

Têm TPM e Transtorno Disfórico Menstrual (A TPM braaavaaa!!!).

Quando engravidam, quando amamentam, quando estão no puerpério, mais dança hormonal e mais variação de humor. Isso para não falar nos tantos casos, quase sempre socialmente mal compreendidos, de depressão pós-parto.

Depois, quando se livram da TPM porque já passaram pela menopausa, a permanência no climatério tira delas a orgulhosa capacidade reprodutiva, além de tirar a porosidade dos ossos e a tranquilidade da ausência dos calores insuportáveis e do sono reparador. A falta dos hormônios, que os ovários já não produzem, se traduz ainda em novas oscilações de humor.

Então, se o preço que as mulheres pagam pela capacidade de gestar é o estar mais exposta que os homens aos variados transtornos de humor, entre eles a famosa depressão, existem outros fatores que as expõem duplamente ao risco desses sofrimentos: a condição social e a herança cultural.

Falar na herança cultural feminina parece chover no molhado, mas nunca é demais lembrar que, atrás das mulheres, vêm alguns milênios de inferioridade social e absoluta desigualdade entre os gêneros.

 



(Margareth Keane, 1962 , Melancolia)

Mulheres eram (e ainda o são, em vários locais do planeta) propriedades, como os cães, as vacas e a terra. Propriedade não estuda, não tem conta em banco, não tem direito à voz e nem escolhe os seus governantes.

No mundo ocidental, até cerca de 5 décadas passadas, em média, as mulheres :
- não votavam,
- não ficavam com os filhos na separação do casal,
- seus bens eram automaticamente transferidos aos maridos, quando elas se casavam, podendo eles dispor desses bens como quisessem e sem autorização delas e
- podiam ser mortas por homens
que estivessem agindo “em legítima defesa da honra”, com amparo legal para o feminicídio.

Mas isso é passado – dirão alguns.
Será mesmo?

A despeito das muitas conquistas que as mulheres organizadas conseguiram para todas as mulheres do mundo ocidental (como, por exemplo, o direito ao voto, ao estudo, ao trabalho, à guarda dos filhos e a propriedade) mulheres de todas as classes sociais e em todos os países, continuam apanhando regularmente de seus homens (filhos, maridos, namorados, noivos ou simples pretendentes) à razão de 1 mulher agredida, física ou sexualmente, a cada 15 segundos e uma morta a cada 15 minutos.

A despeito de todo o trabalho do feminismo no mundo ocidental, um trabalho relativamente novo, de apenas 200 anos de idade, as mulheres continuam ganhando 30% a menos que os homens, nas mesmas funções, no Brasil e em muitos outros países, onde esse número é até mais desaforado.

Se o feminismo queimou sutiãs nos anos 1960 e livrou as mulheres da tortura dos espartilhos no início do século XX, não conseguiu transforma-las em seres livres da escravidão da forma do corpo, ditada pela moda.

Então, só para não me alongar muito nessa conversa que desagrada, inclusive, ao meu editor, vou dizer o seguinte: o próprio Dr. Kalil Duailibi, meu parceiro nos livros citados no início dessa matéria, é o primeiro a reconhecer que, nos dias atuais, as mulheres vivem dentro de uma panela de pressão muitas vezes igual ou até pior do que viveram suas antepassadas.

Hoje elas precisam competir num mercado de trabalho criado para e pelos homens, em condições, ainda, de grande desigualdade. Hoje elas precisam dar conta de suas tarefas domésticas, de seus deveres maternos e ainda enfrentar a dura realidade do mercado de trabalho ou do empreendedorismo.

Além disso tudo, têm que ser lindas, magras, saradas, bem vestidas, bem maquiadas.... Chega? Será que já não dei razões suficientes, muito além das hormonais, para que as mulheres tenham quatro vezes mais depressão do que os homens?

Hoje, apesar dos livros que escrevemos, eu diria que os hormônios estão pagando o pato nessa história e que as causas das depressões femininas estão muito mais nas condições socioculturais do que nas hormonais. Com um temperinho de tendência genética.

Isabel Fomm de Vasconcellos é escritora e jornalista especializada em saúde.