Crianças e Carentes
Quando a gente é criança, existem alguns adultos que nos servem de
modelo, a gente pensa que eles chegaram lá, que são “gente grande” e
sabem o que querem e porque vivem; imaginamos que eles são seguros, que
conhecem os mistérios da vida. Eles nos servem de exemplo, guiam parte
dos nossos pensamentos, são idolatrados. Podem ser nossos pais, figuras
públicas, líderes, tios ou primos, não importa. Mas sempre há alguém que
nos serve de modelo e de exemplo.
Depois a gente cresce. E descobre que todos os seres humanos,
independentemente do grau de genialidade, de competência, de sucesso ou
seja lá o que for, todos eles (inclusive nós) não passam das mesmas
criancinhas desamparadas que foram na infância. Todos somos
desamparados. E assim continuamos. A despeito de todas as belezas da
vida, das paisagens, a despeito das frases edificantes que lemos e
publicamos nas redes sociais; a despeito da beleza da arte, da música,
das maravilhosas conquistas da ciência, somos todos umas criancinhas,
cheios de idiossincrasias, de orgulhozinhos, de manias, de inseguranças
e incertezas.
Carência rima (pobre) com Doença
Quando a carência é muita, adoecemos. Adoecer é uma maneira de pedir:
cuidem de mim! Sou uma vítima da doença.
Isto porque se convencionou pensar nas doenças como coisas externas.
Mas, cada vez mais, se constata que todas as doenças começam dentro de
nós. Somos nós mesmos que as causamos. "Fazemos" a doença com a nossa
mente.
Hoje os médicos sabem bem o estrago hormonal que pode, por exemplo,
fazer no corpo da gente o estresse prolongado e negativo. Sabem também,
por demonstração de vários estudos, que os deprimidos sofrem mais
internações, procuram mais ajuda médica do que os não deprimidos. E
mesmo as doenças transmitidas por vírus ou bactérias nos atingem quando
o nosso sistema imunológico falha. E ele falha porque estamos, de uma
forma ou de outra, mentalmente ruins.
A Medicina Chinesa sabe disso há milênios e até correlaciona os órgãos
do corpo com determinadas emoções. Mas a sabedoria popular também sabe.
Por que é que problema é sinônimo de “dor de cabeça”? Por que se diz que
“o coração saiu pela boca” quando se toma um susto? Por que é que uma
grande emoção é “um soco no estômago”?
Assim como o Prof. Dário Birolini, ex-titular de cirurgia da USP, não
acredita em acidentes, pois acha que todos os acidentes são evitáveis e
passíveis de prevenção, eu não acredito em doença como coisa externa.
Todas elas, creio eu, começam dentro de nós. Começam por qualquer
fragilidade emocional. Nós mesmos abrimos as portas para a doença.
Alguém que cure corpo e alma
Da mesma forma que a figura do médico supre a nossa interior e infantil
necessidade de acreditar que alguém possa nos "curar", por fora e por
dentro, muitas vezes a religião, a crença no poder supremo de um
sacerdote, de um "delegado de deus" pode substituir essa idolatria que,
desde crianças, procuramos.
Podemos pensar encontrá-la nos médicos, nos curandeiros, nos terapeutas
ou nos sacerdotes. Mas todos nós, em algum momento da vida, temos a
necessidade de acreditar em alguém, em alguma coisa, que tenha um poder
superior, assim como, quando éramos crianças, acreditávamos em algum
"adulto" que nos servia de exemplo.
Acreditar em si mesmo
A humanidade só evoluirá realmente quando cada ser humano for educado e
treinado para acreditar em si mesmo.
Enquanto colocarmos a nossa realização pessoal em alguém, em um amor, em
um sacerdote, em um médico, seremos sempre criancinhas a espera de um
redentor.
Precisamos, é claro, dos médicos, dos terapeutas e dos sacerdotes. Assim
como precisamos da sociedade, assim como precisamos uns dos outros
porque, em última instância, somos todos absolutamente interdependentes.
Mas só nós mesmos podemos nos curar de todos os nossos males, físicos ou
espirituais. Só dentro de nós encontraremos a verdadeira cura para todos
os nossos males. Os outros - médicos ou sacerdotes - são os bons
instrumentos dos quais nos valemos para chegar lá.
Sós, dentro de Nós
A dura verdade é que estamos sós. Somos parte de uma sociedade, somos
interdependentes, nada seríamos sem a nossa história e sem a nossa
cultura, mas estamos inevitavelmente solitários dentro de nossos corpos.
Interagimos. Nos comunicamos. Mas somos únicos. Não há mais ninguém
dentro de nós além de nós mesmos. Podemos ajudar uns aos outros, nos
empurrar, nos compreender. Mas nascemos sós e morreremos sós. E só nós
mesmos somos responsáveis por nossos destinos e por tudo aquilo que nos
acontece na vida.
Por isso é que nunca funciona colocar nossas esperanças e anseios em
mãos alheias. Seja no seu amor, no seu médico, no seu sacerdote, no seu
líder político. Só você mesmo é responsável por seu caminho, por seu
destino. Mas, paradoxalmente, você depende de toda a sociedade para
viver e para ser. É a estranheza do milagre da vida.
Por tudo isso é importante não colocar todas as suas esperanças num
"adulto", num médico, numa caixa de remédios, num sacerdote. É preciso
colocá-las em nós mesmos. E, se for preciso, procurar ajuda. Ajuda, não
tábua de salvação. Ajuda, não a "gente grande" para atender a sua
criança interior. Somos todos crianças, mas precisamos crescer.
Sozinhos.
Os médicos, os remédios, os sacerdotes, são, sem dúvida, maravilhosos e
precisamos deles. Mas precisamos acima de tudo, de nós mesmos. Na
extrema solidão da nossa individualidade. Somos a nossa própria cura e a
nossa própria doença. Os médicos e os remédios, assim como a fé e os
sacerdotes, podem sim nos ajudar. Mas os milagres estão dentro de nós.
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