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Paixão e Química

por Isabel Fomm de Vasconcellos

(Revista UpPharma)

 

Frida Khalo, Diego e Frida

 

 

...não sabia é que esse estado-de-paixão dura apenas de 3 meses a 1 ano e todo aquele brilho acontecido na fase outonal da sua vida poderia se esvanecer tão rapidamente quanto tinha se instalado.

 

Marisa encontrou um velho amor no Facebook. Uma coisa absolutamente enterrada lá no fundo da sua memória e do seu coração. Até rever o rosto dele numa antiga foto que compartilharam, os dois, ela nem mesmo talvez fosse capaz de se lembrar que, um dia, há décadas, aquele homem fora um dos grande amores da sua juventude. Foi apenas ao olhar a foto que a lembrança voltou. Então, timidamente, começaram os dois uma espécie de namorico virtual, feito de pedaços do passado, fragmentos de lembranças e alguns suspiros da atualidade.

 

De repente, numa manhã de sol, ao encontrar a mensagem dele – “bom dia” – na telinha do smartphone, Marisa se descobriu completamente apaixonada. Era como se “bom dia” fosse a expressão mais emocionante e inspirada do Universo.

 

Ela não sabia, mas essa sensação maravilhosa e ao mesmo tempo aflitiva, que a dominava naquele instante era devida a sua glândula hipófise anterior, na base do seu cérebro, que secretava uma quantidade significativa de oxitocina e que, se sua cabeça estivesse metida numa máquina de ressonância magnética, seria fácil observar o aumento na secreção, pelas células neuronais, de substâncias como a dopamina e a serotonina, neurotransmissores decisivos na detonação de um processo químico muito semelhante ao do estresse. Aí estavam entrando em ação os consequentes aumento da pressão sanguínea, aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da circulação periférica (gerando um certo rubor facial), dilatação da pupilas, tremor muscular, aumento do metabolismo e do consumo de glicose pelas células...

 

Em suma: a química da paixão havia começado a se manifestar dentro dela, com seu cérebro (através de suas áreas mais ricas em endorfinas, o núcleo caudado e o córtex pre frontal) ordenando à glândula adrenal que incrementasse a produção de adrenalina e cortisol e aos seus ovários que caprichassem na testosterona e no estrogênio. 

 

Por causa de toda essa bagunça química, o banho matinal apressado tornou-se uma experiência sensual, o sabonete comum parecia exalar Chanel n.5 e ela notou, ao desembaçar o espelho do banheiro, que este lhe devolvia uma Marisa surpreendentemente mais jovem, de pele corada e extremamente brilhante, os olhos cheios de vivacidade.

 

Pois foi bem naquele dia que ele arranjou uma ótima desculpa para telefonar a ela, que quase desmaiou ao ouvir sua voz no celular. Imediatamente registrou o número dele na agenda para não ser pega, novamente, de surpresa. Afinal, fora bem difícil esconder a emoção. No entanto, algumas horas mais tarde, percebeu que ele também se emocionara, pois veio uma mensagem com a seguinte frase no texto “foi legal ouvir outra vez a sua voz”.  Marisa pensou que estava tendo um infarto, ao ler isso.

Foi como se um elefante tivesse pisado em seu peito, tal o tranco sentido em seu coração, imediatamente disparado.

 

Embora, nas semanas seguintes, sua memória e sua concentração no trabalho lhe parecessem ligeiramente prejudicadas, aquela paixão outonal (ambos já estavam na casa dos cinquenta...) estava fazendo um bem enorme a ela. Antes, mal acabava de jantar, ela se metia num pijama sem graça e ia pra cama, televisão ligada, procurando um dos filmes que gravara na caixinha da Net. Preferia os filmes de romances históricos, biografias e documentários. Quase sempre pegava no sono antes do fim, culpando o vinho do jantar por aquele adormecer precoce. Agora – depois de iniciado, ou reiniciado, o namorico virtual – ela só via musicais, como o inebriante “De-Lovely, Vida e Amores de Cole Porter” e ia dormir muito tarde, sempre acordando muito cedo, elétrica, bem disposta, a mil... Ela também não sabia, mas a adrenalina da paixão, produzida pelo cérebro e pela glândula adrenal, funciona como um inibidor natural do sono e do apetite... como as anfetaminas das “bolinhas” tomadas na sua juventude para emagrecer ou estudar durante à noite. Por isso inclusive, passadas apenas duas semanas do início de sua paixão, ela se percebeu mais magra, mais atraente.

 

A paixão, na verdade, pertence ao grupo das “emoções positivas” que ativam, assim como as “emoções negativas” o SNA, Sistema Nervoso Autônomo, mas o padrão das positivas é diferente do das negativas. Por exemplo, na paixão e na raiva acontecem as mesmas alterações cardíacas e de pressão sanguínea, mas enquanto na paixão a dilatação dos vasos ocorre na pele, na raiva ela ocorre nos músculos. Por isso é que se fica branco de raiva e vermelho de amor.

 

Mais uma coisa que Marisa não sabia é que esse estado-de-paixão dura apenas de 3 meses a 1 ano e todo aquele brilho acontecido na fase outonal da sua vida poderia se esvanecer tão rapidamente quanto tinha se instalado.

E assim foi.

 

Um dia, recebeu uma mensagem de uma desconhecida, in box: “favor deixar o Genivaldo, meu marido, em paz”.

Tudo o que era brilho, virou sombra. Então o calhorda do Genivaldo estava casado! E ela que pensava nele livre como ela, divorciada. Foi uma decepção tão grande que durante algumas semanas seu cérebro negou-se a produzir as fantásticas substâncias da euforia e Marisa viu-se cabisbaixa, sonolenta, desacelerada. O cérebro, antes inundado dos neurotransmissores da alegria e da vitalidade, agora sofria uma carência brava dessas mesmas substâncias, levando Marisa à beira do abismo da depressão.

 

Depois de alguns dias,  foi almoçar com a filha e a garota lhe disse:

-- Mãe, você está horrível! Branca, esquelética, sorumbática. Olhe, pegue a chave do meu apartamento na praia e vá pra lá no fim de semana. O sol pode produzir milagres.

 

Marisa foi. E, na praia, já que ainda exalava os poucos estertores da paixão revivida, conheceu um daqueles sarados gatos (ou ratos) de verão que adoram a conta bancária das bem sucedidas mulheres mais velhas e, de repente, todo aquele sensacional, maravilhoso, inebriante processo químico renasceu dentro dela.

Afinal, o que importa na vida é estar feliz.