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Revistas 2
O
Prazer e a Mulher
Por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano
Foi quando o homem descobriu a paternidade que a mulher começou a ser
incentivada a desprezar o prazer e a valorizar a maternidade. Ao longo
de dois mil anos de cultura judaico-cristã, as meninas foram sendo
ensinadas que a maior maravilha da vida estava no poder de ser mãe,
esposa, a responsável pela família, pela preservação dos valores morais
e, para alcançar tudo isso, tinham que ser boazinhas, submissas e
sobretudo, obedientes.
Os homens não queriam esposas que tivessem prazer. Ao contrário. Sexo
com as esposas era apenas reprodutivo. O prazer eles iam buscar nas
outras, as que não eram boazinhas, as que se prostituiam por necessidade
e, algumas vezes, até mesmo por prazer.
Nem todas as mulheres caíam nessa esparrela, a da realização pela
maternidade e pelo chamado “bom casamento” que incluía, necessariamente,
um provedor macho capaz de proporcionar-lhes, a elas e aos seus queridos
rebentos, a ascensão social, o poder aquisitivo ou até mesmo o poder
político.
Por toda essa história ocidental de dominação machista, existiram, é
claro, mulheres cuja educação sexual repressora não foi capaz de
castrar-lhes o prazer do sexo. Mas essas foram sempre as exceções. E
sempre assustaram os homens. Mulher que gosta de sexo, que conhece o
prazer, acaba traindo—era esse o raciocínio. Essas não serviam para
esposas e mães. Que fossem amantes, cortesãs, prostitutas...
Até meados dos anos 1950, as meninas eram ensinadas a simplesmente não
conhecer seu próprio corpo, nunca procurar descobrir o prazer sexual,
fosse pela masturbação, fosse na troca das primeiras carícias com
namorados eventuais. Sexo era palavrão. Coisa pra se praticar, no
escuro, em poucos minutos, com o marido, para que esse, sim, alcançasse
o seu prazer e engravidasse a esposa. O resto era coisa de gente
sem-vergonha.
Ora, o sexo é a maior força da natureza. E o prazer sexual existe
porque, se ele não fosse imperativo, a espécie simplesmente não se
perpetuaria. Essa cultura da moral sexual repressiva passou a pregar,
diante da imposição da necessidade, que os machos teriam muito maior
necessidade sexual do que as fêmeas, uma bobagem e uma mentira
convenientes para a manutenção dessa cruel negação do prazer feminino,
em nome da manutenção de uma moral simplesmente hipócrita.
No século passado, em dois momentos, surgiram (e ninguém até agora
consegue explicar exatamente porque) no Ocidente duas gerações
contestatórias dessas mentiras sociais: a dos anos 1920 e a dos anos
1960.
O avanço sociocultural dos anos 1920 acabou sufocado pela II Guerra
Mundial. Havia algo mais urgente a ser feito do mundo Ocidental: o
combate ao obscurantismo e ao preconceito.
Foi a geração dos anos 1950-1960, a turma do pós-guerra, que começou a
dar voz às mulheres, a retomar as antigas ideias das sufragistas das
gerações anteriores que, apesar de chamadas sufragistas por lutar pelo
direito das mulheres ao voto, tinham toda uma postura feminista, uma
postura de luta que ia além do direito de voto nas eleições, mas pregava
também a igualdade de oportunidades e de direitos sociais a homens e
mulheres, respeitadas as óbvias diferenças entre os sexos.
E essa geração foi então brindada por uma conquista científica: o
advento da pílula anticoncepcional, que permitia agora às mulheres fazer
sexo sem correr o risco de engravidar. Por isso, criou-se um novo mito:
o da liberdade sexual feminina e surgiu a “ditadura do orgasmo”. Se,
antes, a mulher não podia ter prazer, agora o prazer era mandatório.
Fruto do trabalho e da luta da americana Margaret Sanger, que desde os
anos 1910 fora perseguida, presa e até exilada, por querer ensinar às
mulheres os poucos métodos contraceptivos existentes no seu tempo, a
pílula, ao contrário do que se pregava então, certamente não era forte o
bastante para eliminar 2 mil anos de repressão sexual feminina.
Além da ditadura do orgasmo (que a maioria das mulheres tinha
dificuldade para alcançar justamente por serem, elas, fruto dessa
cultura repressiva e hipócrita), outros mitos foram criados e, até muito
recentemente, era comum ouvir da boca feminina a frase: “Sexo pra mim,
só com amor” , o que é outra bobagem homérica. Sexo é sexo. Pode ser até
melhor se vier com amor, mas não depende absolutamente dele.
Um grande engano de parte da militância feminista é querer que a
igualdade entre os sexos torne os homens sexualmente parecidos com as
mulheres. Incapazes de identificar a atração sexual pura e simples, as
mulheres dos anos 1980-2000 se julgavam apaixonadas (amando) pelo
primeiro macho que simplesmente as atraísse, atitude essa que só gera
muita confusão, desilusão e relações destinadas ao fracasso.
Só agora, depois da primeira década dos anos 2000 e já criadas por
mulheres, famílias e contextos sociais mais liberais, as jovens estão
conseguindo assumir a sua real necessidade de sexo e o seu pleno direito
ao prazer, ainda que solitário, ou homossexual, ou sem porcaria de
ilusão amorosa a “mascarar” o que é puro desejo. É importante que, cada
vez mais, o sexo feminino pare de confundir as coisas. Paixão e atração
sexual são coisas passageiras. Mas podem ser altamente gratificantes, em
termos de realização no sexo, para as mulheres, como sempre o foram para
os homens. Amor é outra coisa.
Isabel Fomm de
Vasconcellos Caetano é escritora, com 23 livros publicados e jornalista
pioneira em programas médicos na TV brasileira. isabel@isabelvasconcellos.com.br
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