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A Câmera, os Amigos e os Passarinhos
por
Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano
2019 foi o ano em que eu compreendi que, realmente, desgraça pouca é bobagem. Com aquele horror absoluto no governo federal, com o meu amor debilitado e doente, com o cigarro de volta à minha vida, com as despesas cotidianas nas alturas, ainda por cima, pifa de vez a minha câmera fotográfica.
Comprar outra? Nem pensar. Não naquele momento de despesas altíssimas.
Assim, fiquei eu, fotógrafa desde os 8 anos de idade, que sempre usara os melhores e mais atuais equipamentos (uma exigência do Velho Vasco, meu pai, fotógrafo e pioneiro nas técnicas cinematográficas na América Latina), tendo que me conformar em registrar imagens naqueles limitados celulares.
Dois anos e meio depois, meu amor morreu. Desgraça pouca é mesmo bobagem. Mas, por nem um dia, deixei o meu trabalho diário, coisa que ele, o meu amor Mauro Caetano, realmente não desejaria que eu fizesse, somente porque ele morrera.
Assim, em pleno luto fechado, apenas 3 dias depois da morte dele, com Mr. Volpi aqui na Janela da Paulista, resolvi entrar na Internet e comprar microfones para as nossa gravações. Foi aí que caiu no meu colo uma oferta inacreditável da loja onde eu estava comprando: uma câmera Canon Rebel SL3, com duas objetivas
(18-50mm e zoom 50-250mm) por 1/3 do preço de mercado. Mesmo assim, meu cartão (então sobrecarregado por dois anos de incremento das despesas obrigatórias com a doença do Meu Amor) não tinha o limite necessário. Um amigo me emprestou o cartão dele e comprei a maravilhosa câmera em 12 prestações (que paguei, religiosamente, ao amigo, a cada dia 8 de todos os meses).
Detalhe: quando acabamos de comprar, o site da loja escreveu "produto indisponível", ou seja, compramos a última!
Sim, foi um presente dos céus! E desconfio que quem jogou, lá do céu, para mim, essa câmera, tenha sido o Meu Amor.
No entanto, o meu luto era bravo. A câmera chegou no dia 6 de agosto de 2021, apenas 13 dias depois da morte do Caetano. Meu luto era tão intenso que eu não conseguia sair desse apartamento para nada, comprando tudo (como o faço até hoje) pela Internet.
Foi apenas no dia 12 de setembro que eu consegui tirar a câmera da caixa, montá-la, e fazer algumas fotos das orquídeas que tenho em casa e que estavam maravilhosamente floridas.
No dia seguinte consegui sair para ir fotografar no nosso maravilhoso jardim do condomínio. 5 mil metros de canteiros, 72 árvores, muitas flores, muitos pássaros.
Foi aí
que fotografei o sabiá-laranjeira pela primeira vez.
Depois, fotografei esses pássaros muitas vezes e também rolinhas, pombas e outros, de cujas espécies a minha ignorância urbana desconhece os nomes. Fiz maravilhosas fotos das maravilhosas flores do nosso jardim e adquiri o hábito de ir caminhar e fazer fotos no jardim em todos os dias de sol. O jardim estava sendo o meu grande consolo pela irreparável perda do Meu Amor.
Nunca, nesses 37 anos em que moramos aqui, nesse condomínio, eu valorizara tanto o nosso jardim.
Fiz inúmeros novos amigos aqui no prédio, depois da morte do Caetano. Eles me apoiaram de uma maneira incrível. Muitos deles têm idade para ser meus filhos e continuam frequentando a nossa casa, indo aos lançamentos dos meus livros. Eles são uma grande benção nessa minha nova vida, agora que sou apenas meia Bel, já que falta a outra metade de mim.
Dentre esses, Roseli Zampirolli Berkovits, que se tornou uma das minhas melhores amigas.
Um dia, Roseli sonhou com o Caetano. Ela nunca o viu pessoalmente. Quando a conheci – no jardim! – em 2020, ele já estava muito doente e ela acabou nunca o conhecendo. Mas sonhou com ele. Disse que já vira tantas fotos e vídeos dele que era como se o tivesse conhecido. No sonho, ele disse a ela:
“Os grandes pássaros, os predadores, são poderosos e majestosos, mas são os pequenos, os passarinhos, suas presas, que trazem a beleza aos jardins.”
Por essa época – maio e junho de 2022 – eu já havia criado coragem para desenterrar velhos arquivos digitais dos nossos muitos e muitos vídeos domésticos e os estava editando. Editei um absurdo de 18 vídeos, todos com as cenas em que ele aparecia. Com a voz dele. Com o carinho dele...
Num dos vídeos originais, de 1991, a cena de dois passarinhos, periquitos australianos, que nós tivemos e que viviam soltos pelo apartamento. Tão lindos! Me bateu uma saudade...
Em setembro agora, criei coragem e comprei, do viveiro Aves Mansas e pela mão do Lucas, um casal de periquitos australianos. A fêmea morreu 48 horas depois de chegar aqui, o que foi uma imensa tristeza para mim, mas me inspirou a escrever um belo texto sobre um acordo, no Céu, entre Deus e Mauro Caetano, permitindo que ele voltasse à Terra, como a passarinha azul, para morrer (de novo!) dentro da minha mão direita.
Chamara os passarinhos de Philip e Elizabeth, em homenagem aos reis do UK, ambos mortos, Philip no final de 2021 e Elizabeth II em 8 de setembro de 2022.
O Lucas não tinha mais fêmeas para me fornecer. Ainda estavam chocando. Tive que esperar até a semana passada para que a minha passarinha Elizabeth II, chegasse.
Ora, estamos em novembro! Dois meses é muito tempo na vida de um baby bird. Philip cresceu, é um meninão já, quase voando pela casa, e é o meu companheiro nos vídeos e nas chamadas diárias do Portal SAÚDE&LIVROS.
Philip anda pela casa, responde quando o chamo, vive no meu ombro, passeia pela minha escrivaninha enquanto trabalho, até consegue virar as páginas – com o bico – da minha agenda de papel. Tenta tomar meu whisky (mas ainda bem que não consegue!), derruba o controle remoto da NET, e agora que a Elizabeth II chegou, dá comida, na boca, a ela, tão menorzinha que ele...
Philip é meu grande companheiro e eu canto pra ele: Hi Lili Hi Lili Hi Lo... São eles, os periquitos australianos, hoje, uma grande alegria!
Não é uma coincidência. Nem a câmera, nem as fotos dos pássaros do jardim, nem o sonho da Roseli.
É a grande teia da vida, que me envolve carinhosamente e me consola.
Vídeos dos Passarinhos:
Prince Philip e Seus Irmãos https://youtu.be/m3ul4cSbt0c
Baby Birds HMs Philip e Elizabeth https://youtu.be/08_mM72dp6k