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(Her Majesty Bird Elizabeth I)

 

 

Uma Liberalidade de Deus

por Isabel Fomm de Vasconcellos

 

 

Ah! Eu já sei o que aconteceu! Estava o meu amor, Mauro Caetano, na sua atividade de Diretor da Contabilidade das Almas, lá no Céu, quando começou a resmungar:

-- Poxa vida, Senhor Deus, com todo o respeito, foi uma arbitrariedade Sua me trazer pra cá tão cedo, deixando a Bel sozinha lá na Terra.

O Senhor respondeu:
-- Você sabe muito bem, Caetano, que Eu quis traze-la em dezembro de 2021, mas a adiantada Medicina do seus pares, tratou de transformá-la num Borg, colocando nela aquela maquininha que obriga a o coração dela a continuar batendo. O coração dela estava partido, sem você, no entanto agora vamos ter que esperar mais um pouco.

-- Sim – respondeu o Meu Amor – eu sei. Mas acontece que não fiquei feliz com essa história de não ter nem podido despedir-me direito dela. Eu estava morrendo, no conforto do hospital, ela me deu um beijo na boca e disse que ia sair para os meus filhos poderem se despedir de mim, já que só podiam subir duas pessoas de cada vez, por causa desse vírus que Você permitiu se instalar na Terra.

-- Tudo tem um propósito, a COVID também... – suspirou Deus. – E você morreu junto aos seus filhos.

 

 

-- Está bem. Mas eu queria ter morrido junto dela, foi com ela que vivi quase a metade dos meus dias nessa vida de agora.

Deus estava de bom humor e resolveu, portanto, usar de toda a sua magnífica compreensão, dizendo:

-- Bom, Eu posso abrir uma exceção às minhas próprias regras. Vou deixar você voltar, mas apenas por alguns dias.

-- Como assim, voltar? Nem corpo eu tenho mais. Me cremaram.

-- Você vai voltar como um passarinho. Vai nascer naquele criadouro paulistano, o Aves Mansas, será cuidado pelo Lucas até o dia em que a Bel resolverá comprar um casal de periquitos australianos, iguais a aqueles que vocês tiveram lá nos anos 1990, está lembrado?

Mauro Caetano sorriu:
-- Ah, me lembro. Eles viviam comendo os coléus dela e ela nem reclamava. E olhe que é reclamenta, a minha Belziquitinha, principalmente quando se trata das suas amadas plantas. Eles viviam soltos, os passarinhos, fazendo os monitores dos nossos computadores de poleiro, subiam nas nossas cabeças e nos nossos ombros e faziam cocozinhos pelo chão do apartamento. A Ritinha e a Belzinha viviam com papel toalha nas mãos, limpando os cocozinhos...

-- Então – continuou Deus – você vai voltar, ela vai te amar, vai te alimentar, mas, do viveiro, você levará no corpo um vírus desconhecido que fará com que você morra em menos de 48 horas depois de chegar de volta à casa de vocês. No entanto, dessa vez, morrerá aconchegado e aquecido na mão direita dela!

-- Eita, meu Deus! – respondeu o Mauro Caetano – eu tinha certeza de que Você era um sujeito bacana!

E foi por isso que a passarinha a quem a chamei de Elizabeth (em homenagem à rainha morta, dias antes, no Reino Unido) chegou à Janela da Paulista, acompanhada do passarinho, a quem chamei de Philip, pelo mesmo motivo, né?

Mas foi só nessa noite, num sonho, que descobri que aquele corpinho minúsculo, de penas azuis e amarelas, abrigava a alma do Meu Amor, em viagem à Terra, para, afinal, despedir-se adequadamente de mim, graças a Deus Magnânimo.

Philip está lá na gaiolinha limpinha e aquecida por lâmpada e bolsa de água quente e acabei de dar-lhe a papinha das 3 da tarde. Ele recebeu e está recebendo o mesmo tratamento e o mesmo carinho que recebeu Elizabeth. Mas ela – que até parecia ser mais esperta que ele – no sábado à noite começou a definhar. Alimentei-a, aqueci-a e, no domingo de manhã ela parecia estar melhor, até ficou empoleirada no meu dedo um tempão...

À tarde, fraquejou, recusou a mamadeira (de seringa) e foi definhando, definhando... até morrer dentro da minha mão direita.

Chorei muito. Fiz uma mortalha de papel para ela, deixando de fora a cabecinha, coloquei-a numa caixa de tampa transparente, selei com fita adesiva e pus um raminho de flores secas (que ganhei de brinde pelo Dia da Mulher, em 2020, da farmácia Drogasil) grudado por cima da caixinha. Tudo com muito amor.

Um sentimento que eu pensava ter menos de 48 horas, sem desconfiar que era de 38 anos, porque ela trazia, de volta pra mim, parte da alma do Meu Amor.

Mas agora eu sei. E agradeço. Obrigada, Meu Deus!

 

Bell Pollesi O amor sempre volta...de um jeito diferente mas volta... quanto amor e emoção...chorei aqui

Sonia Monteiro Que amor foi este ? Foi o maior amor do mundo.....

Nabil Ghorayeb Aff que historia emocionante ………

Maria Luzia Ribeiro Me emocionei 😢

Janete Borges de Gouvêa Foi uma linda visita do amor...do seu amor.

Olindamar Vasconcellos Lindo texto!🙏🌾❣

Hi Lili Hi Lo Ver Chamada.

 

 

Para o meu passarinho Philip, canto um versinho de uma canção da minha infância, a cada vez que chego perto da gaiola onde ele está (enquanto ainda é um bebê, depois viverá solto pela casa, é claro)
"Hi Lili, Hi Lili, Hi-lo".

Quando canto a música toda, na versão em português, de Haroldo Barbosa, troco um dos versos - "o que passou, passou" por "o que passou, ficou". Isso porque, como meu amigo psiquiatra Alfredo Toscano, não acredito na Teoria da Página Virada.

Nada passa. Tudo fica. A alegria, mas também a dor.

"A song of love is a sad song" -- diz a letra original.

"Um passarinho me ensinou, essa canção que diz - Eu levo a vida cantando, Hi Li Li Hi Li Hi Lo, por isso sempre contente estou, o que passou FICOU. O mundo gira depressa e nessas voltas eu vou, cantando a canção tão feliz que diz Hi Lili Hi Lili Hi Lo.
(High-Low)

O passarinho ensinou e agora eu ensino a ele. Meu Philip, tão lindinho e viúvo, como eu. Uma canção de amor é uma triste canção.

Bronislau Kaper, Helen Deutsch