Mauro Siqueira Caetano fizera uma brilhante carreira como diretor
financeiro de empresas multinacionais. Economista pela USP com doutorado
no Exterior, estava desempregado e ferrado financeiramente quando nos
conhecemos e nos apaixonamos, em 28 de outubro de 1983.
Programas na Televisão
Aberta
A
entrada de Mauro Caetano no meu mundo da Comunicação, lembra uma velha
piada: os publicitários teriam reunião com os executivos de uma
importante empresa internacional que passaria a ser seu cliente.
Resolveram, para impressionar os executivos, ir à reunião de terno e
gravata, em vez dos habituais jeans, camisetas, jaquetas e tênis.
Os executivos, por sua vez, queriam que os publicitários se sentissem à
vontade na reunião e, por isso, em vez de terno e gravata, apareceram de
jeans, tênis e camisetas.
Em janeiro de 1984, meu irmão Alvan assumiu a diretoria de programação
da TV Gazeta e, talvez um mês depois, me chamou lá:
-- Bel, você trabalha com médicos, não é?
Respondi:
-- Não exatamente. Trabalho para alguns grupos médicos.
-- Mas conseguiria produzir um programa médico de TV?
-- Claro – respondi. Produzo muitos filmes publicitários, muitos
eventos, claro que conseguiria.
Então ele fez a sua proposta:
-- Você e o Mauro podem montar uma produtora independente e nos fornecer
programas médicos. Eu coloquei no ar um programa médico produzido lá
fora e o IBOPE deu um pulo. Acho que é o que a TV brasileira não tem:
informação confiável de saúde e o público está carente disso.
É claro que, para produzir um programa médico, gravando nos estúdios da
própria emissora, nós só precisaríamos da nossa inteligência e de uma
linha telefônica. Mas o meu megalômano (então) amor não se contentaria
com isso. Foi buscar um sócio capitalista, um amigo profissional, dentre
os muitos que ele fizera ao longo de sua brilhante carreira e o
convenceu a investir.
Assim, alugamos um escritório num prédio próximo à Gazeta, na Avenida
Paulista, montamos uma empresa (não sem antes eu ter que quebrar o pau
para não ficar de fora da sociedade, o que ele e seu amigo queriam e não
admiti, pois quem ia carregar o piano – eu sabia – da produção seria eu
e não eles) e, no dia 12 de junho de 1984, estreamos o nosso “Junta
Médica”, o primeiro programa exclusivamente médico da TV brasileira. Na
estreia, Drs. Nabil Ghorayeb, Adib Jatene e mais dois figurões da
Medicina. A apresentação estava a cargo do Dr. Celso Barreiros,
apresentador do Jornal da TV Cultura e cirurgião plástico.
Aliás, à TV só iam, até esse momento, os cirurgiões plásticos que,
depois de colocar a cara na telinha, sofriam sanções do CFM, que
acreditava não ser a televisão “lugar para médicos”.
Logo recebi um telefonema de um conselheiro do CRM que me disse:
-- A senhora não pode colocar os médicos na TV. Isso é autopromoção!
Proibido pelo código de ética médica!
Eu estava no viva-voz e, Caetano, ouvindo, me disse:
-- Pergunte a ele se prefere que coloquemos, para falar de saúde,
curandeiros e pajés!
Em agosto, dois meses depois da estreia – nós estávamos vivendo então do
investimento do nosso sócio rico – o Diretor Geral da Gazeta me chamou
para almoçar no Club Holms e me disse que eu teria o prazo de um mês
para conseguir patrocinar o programa ou ele nos tiraria do ar.
Alguns dias depois, Mauro Caetano me ordenou:
-- Vai acontecer um Congresso de Marketing Farmacêutico no Maksoud
Plaza. E você tem que estar lá.
Fui. Me sentindo um peixe fora d’água, mais ou menos como os
publicitários de terno e gravata da historinha anedótica que contei
acima. Acabei encontrando alguns amigos de agências de publicidade e
fiquei muito impressionada com um jovem palestrante, então gerente de
marketing do laboratório Pfizer, que pretendia fazer “degustação de
medicamento no ponto de venda”. Como assim? Degustação de remédio? A
proposta era para a vitamina C efervescente, mesmo assim e mesmo para a
época, algo totalmente maluco. Ora, sempre gostei mais de gente maluca
do que de gente sisuda.
Liguei pro cara no dia seguinte. Era o Ricardo Riedel, que faria, nos
anos seguintes, uma brilhante carreira, chegando à Presidência, na
Indústria Farmacêutica. (Aposentado, presidia, nos anos 2010, a Editora
Cultrix e editou um dos meus livros.)
Resultado: reunião na sede da Pfizer. Saímos da reunião com o programa
vendido. Tinha ido com o nosso sócio capitalista e, se eu era boa na
argumentação de marketing, ele era ótimo na hora de negociar a grana.
Saímos de lá, radiantes, e começamos a pensar em como fazer crescer a
produtora.
Estava eu ocupada, produzindo, nos VTs da Gazeta, vinhetas e comerciais
para o nosso novo patrocinador, quando, de volta à produtora, a
secretária me diz: -- Já ligou aqui inúmeras vezes um sujeito do
Laboratório Searle. Diz que precisa muito falar com você.
Era o Dr. Mário Grieco, então diretor médico da Searle e me disse:
-- Quero patrocinar o seu programa.
Respondi que vendera, uma semana antes, o patrocínio exclusivo para a
Pfizer. Mas perguntei a ele:
-- Qual é o seu principal produto?
-- Pedyalite – respondeu.
-- Então a sua especialidade médica de maior interesse é a Pediatria,
certo? Nós podemos produzir para a sua empresa, um programa médico
pediátrico. Que tal?
Foi assim que nasceu o “Saúde da Criança”, apresentado pelo médico
pediatra, Dr. Luciano Barsanti, por sugestão do Alvan, que já o vira
sendo entrevistado no Junta Médica e achava que ele levava jeito pra
coisa. E como levava! Na primeira gravação, os técnicos se recusavam a
aceitar que ele jamais fôra um apresentador...
Com a Pfizer patrocinando o Junta Médica e a Searle, o Saúde da Criança,
Caetano e eu fomos à Lintas, grande agência de publicidade de então,
vender a ideia da “segmentação” da mídia. Que tal colocar anúncios da
Johnson – que era líder de mercado em absorventes femininos – a cada vez
que o tema do programa fosse a saúde da mulher? Fechamos.
E Caetano começou a procurar outras emissoras, em outras cidades, que
quisessem também transmitir os nossos programas. Conseguiu algumas: TV
Itapoan, de Salvador, BA; TV Capital, de Brasília, DF e TV Guaíba, de
Porto Alegre, RS.
Passamos a viver montados em aviões. Íamos a essas praças, divulgar,
gravar entrevistas nas emissoras, produzir chamadas, negociar
patrocínios. Algumas vezes fui sozinha. E, quando eu ia sozinha, ele
fazia questão de comprar passagens de 1ª classe para mim. Não precisava.
Mas ele dizia que uma estrela não pode viajar de classe executiva. Eu
ainda não era uma estrela, mas, para ele, era.
Nossos dois programas de saúde iam bem. Mas eu sonhava com um programa
sobre a cultura brasileira, a memória da cultura.
Caetano tinha um amigo famoso: o psiquiatra Dr. Paulo Gaudêncio, que
também apresentara alguns programas jovens na TV Cultura. Fomos jantar
com ele na Oscar Freire, num restaurante badalado.
A ideia era que o Gaudêncio apresentasse o programa. Ele não quis. Mas,
num rápido brainstorming, ali na mesa do In Cittá (lembrei o nome do
restaurante!) que criamos, Caetano, Paulo e eu, o nome do programa:
Papo&Repapo.
Esse programa, então capitaneado pelo apresentador Synésio Jr.,
entrevistou grandes nomes da cultura nacional. Incluindo um grande
avesso a dar entrevistas, o também entrevistador, Jô Soares. Jô fôra
amigo do meu irmão Alvan, no começo da sua (dele) carreira e, um dia,
Caetano e Alvan encontraram o Jô numa ponte aérea Rio-SP e aí, depois de
muitas negociações para conseguir autorização da Globo, o Jô foi ao
Papo&Repapo.
1985. Nossos programas dando audiência e levando anunciantes para as TVs
onde eram exibidos. Sabia eu que as mulheres brasileiras organizadas
estavam preparando suas propostas para a Constituinte de 1988. Fui
almoçar com meu irmão e lhe disse:
-- Quero fazer um programa feminista. Me dê um espaço.
E ele:
-- Me traga um patrocinador e terá o espaço.
Por essa eu não esperava.
Caetano me disse:
-- Vá procurar aquele contato na Lintas. Ele tem a Johnson.
Assim, no dia 8 de dezembro de 1985, estreávamos mais um programa:
Condição de Mulher, com patrocínio da Johnson. E, desta vez, eu não era
apenas a produtora, mas também a apresentadora.
Caetano colocou esse meu programa também nas praças onde já tínhamos
colocado os outros.
Naquele tempo, tudo era muito mais complicado, sem computador, sem
Internet e sem canais de satélite.
Nossos programas iam, por avião, em enormes fitas U-MATIC de vídeo, para
as outras cidades. Eu fazia imensos boletins de programação usando um
decalque chamado “letraset” e máquina de escrever eletrônica, fotos em
papel e muita cola. Tudo isso era depois copiado em xerox e os boletins,
montados e grampeados pelo pessoal do escritório, iam para as redações,
por correio ou levados pelo nosso motoboy.
A nossa produtora, então, tinha muitos funcionários. Todos sob a batuta
do Caetano, que administrava os trâmites necessários e a grana.
Além dos patrocínios que conquistáramos, em 1986 fui procurada pela
assessora de marketing do governo do Estado de São Paulo: a cientista
política, Fátima Pacheco Jordão. E ela me disse:
-- Isabel, você está fazendo um belo trabalho de comunicação pelas
reivindicações da mulheres para a Constituinte de 88. O nosso governo
gostaria de apoiar essa sua iniciativa. Quer alguns comerciais de verba
pública estadual?
Quase caí da minha cadeira. Como assim? O Governo do Estado me procurara
para apoiar o nosso programa? Era exatamente isso. Governo do saudoso
Franco Montoro, a quem, certo dia, encontráramos no elevador da TV! O
homem que criou e sempre prestigiou o Conselho Estadual da Condição
Feminina, cuja primeira presidente foi a Alda Marco Antônio e a segunda,
a socióloga e política, Eva Blay.
Dra. Albertina Duarte, Alda Marco Antônio, Vilma Warner, Ida Maria, Dra.
Floriza Verucci, Dra. Silvia Pimentel, Dra. Tânia Santana, além do Mário
Covas e do nosso saudoso Prof. Dr. Aristodemo Pinotti (o médico que mais
trabalhou em prol do estabelecimento de protocolos decentes para o
atendimento à Saúde da Mulher) eram algumas das presenças importantes e
constantes em nosso programa de TV, Condição de Mulher, cujo nome me foi
sugerido pela Iara Moya, aquela minha amiga de infância que estava então
casada com o Bolívar, o amigo de adolescência do Mauro Caetano.
Foram 4 anos maravilhosos: de 1984 a 1988. Vivíamos viajando a trabalho,
tínhamos ótimos programas patrocinados por empresas excelentes e com o
apoio do governo do estado.
Nosso apartamento foi palco de inúmeras festas, algumas com até o
espantoso número de 120 convidados e penetras. Muitas entrevistas para a
Imprensa: afinal, Produção Independente era algo novo na TV brasileira.
Virei estrela. Era vestida por algumas das mais importantes confecções
paulistanas, ia aos mais badalados cabeleireiros da cidade, sapatos
Spinelli, bijoux de Rose Benedetti, frequentávamos os melhores
restaurantes, viagens com hospedagens nos melhores hotéis cinco
estrelas, primeira classe nos aviões, tudo o que as “celebridades” da
vida costumavam ter e viver. E tudo isso enchia de orgulho o meu amor.
Revolucionando os Congressos Médicos
Uma
outra atividade sensacional da nossa produtora, eram as transmissões, ao
vivo, de congressos e simpósios médicos, via Embratel. Naquele tempo nem
se sonhava com a facilidade que se tem hoje de fazer lives e
transmissões por Internet. Nem existia Internet. E os canais de
satélites disponíveis eram muito poucos.
Normalmente, esses simpósios e congressos eram transmitidos, de
anfiteatros de hotéis, para outras cidades, com apenas uma ou duas
câmeras de TV, fixas, que mal conseguiam captar o conteúdo dos slides
que os médicos palestrantes projetavam em tela, no palco. Uma coisa
muito chata de se assistir.
Mauro Caetano revolucionou tudo isso, junto com Alvan e o nosso diretor
de imagem, o saudoso Carlão, que fôra um dos primeiros cameraman da TV,
na pioneira TV Tupi. Encostávamos, na porta de onde se realizaria o
evento, um caminhão de externa, equipado com um switcher (mesa de corte)
onde ficava um diretor de imagem, responsável pela escolha da imagem da
câmera que iria ao ar a cada momento. Lá dentro, no anfiteatro, 4
câmeras, sendo 3 grandonas montadas em tripé e operadas pelos cameramen
e uma portátil.
As grandonas se encarregavam de transmitir a palestra, com movimentos de
câmera, close dos médicos à mesa, essas coisas, como acontece
normalmente nos programas de TV. Já a câmera portátil ficava numa mesa
onde, numa tela pequena, eram projetados, por trás, os slides
(duplicados) que o médico palestrante estava projetando na telona do
palco. O diretor de imagens, lá no carro de externa, punha então no ar o
slide focalizado pela câmera portátil. Ou seja: quem estava assistindo,
em outras praças, à transmissão, tinha a visão do slide em tela cheia.
Um médico acompanhava o processo para que o slide transmitido fosse
exatamente o que estava sendo projetado pelo palestrante e apontava, com
um lápis de luz, para a mesma frase ou ilustração que o palestrante
estava apontando, no slide, do palco.
Nos intervalos para almoço ou coffee-break, em vez de uma imagem parada
de um palco vazio, os médicos de outras praças podiam acompanhar
entrevistas feitas ali mesmo, ao vivo, com os palestrantes e/ou público.
A câmera portátil saía então da mesa para deslocar-se junto ao repórter
que conduzia as entrevistas. Os repórteres éramos eu e outros dos nossos
apresentadores e nossos repórteres de rua.
Tudo isso bolado pelo gênio da economia, Mauro Caetano, que agora estava
se tornando também gênio na comunicação por vídeo.
Fizemos inúmeras transmissões dessas, algumas com sede em São Paulo,
outras, no Rio de Janeiro. Fomos, assim, responsáveis pela transmissão
ao vivo, entre outros, do Primeiro Congresso Internacional de AIDS, em
1986, transmitido do Rio para salas em todo o país. Um sucesso absoluto!
TV e Outras Atividades - A Volta Por Cima
Até que,
no final de 1988, tudo começou a mudar. A diretoria da TV Gazeta –
propriedade de uma Fundação, a Cásper Líbero e, portanto, sujeita às
flutuações políticas – caiu. E com ela, o meu irmão, Alvan. Nossos
programas continuaram lá, mas tiveram grandes mudanças, de horário e de
frequência.
Aconteceu uma armação dentro de um dos nossos patrocinadores, tentando
“roubar” o nosso Junta Médica. Mas a perspicácia do Mauro Caetano
impediu. No entanto, a relação com essa empresa nunca mais foi a mesma
e, em breve, estávamos à procura de outro grande patrocinador na
indústria farmacêutica.
Conseguimos, mas durou pouco. Por fim, a Gazeta nos tirou do ar. Fomos
para a Record, rede então já de propriedade da Igreja Universal do Reino
de Deus. Pastores movidos a dinheiro. Sobrava pouco, dos nossos
patrocínios, para nós. Nossa empresa teve que encolher. Foi por essa
época que o nosso sócio capitalista disse ao Caetano:
-- Fechem o escritório. Vão produzir os programas de casa.
Imagine se o Mauro Caetano aceitaria uma coisa dessas, um home office,
adiantado no tempo. Nunca!
Por fim, em abril de 1989, para não ver decretada a falência do nosso
negócio, encerramos as atividades da produtora. Pagamos funcionários,
dívidas, tudo e ficamos sem nada. A Record nos tirou do ar e foi então
que quase perdemos também o apartamento aqui no Paulicéia.
Logo, um velho amigo profissional, chamou o Caetano para dirigir a
Associação dos Revendedores Brahma e um médico, Dr. Knoplich, então
presidente da APM, Associação Paulista de Medicina, me chamou para
viabilizar comercialmente e produzir uma videoteca de reciclagem médica,
para manter informados e atualizados os médicos de todo o Brasil,
principalmente aqueles que não eram convidados aos grandes congressos e
simpósios.
O Caetano se saiu brilhantemente dirigindo a Associação da Brahma, onde
trabalharia pelos seguintes 12 anos. Eu vivia vendendo vídeos na
indústria farmacêutica e fui produzir esses vídeos na produtora Hélicon,
de propriedade do Pedro Paulo Hatheyer, que começara sua carreira como
assistente do meu pai na empresa dele, a Vascotécnica Filmes e que,
inclusive, fôra quem narrara o meu filme de nascimento. A Hélicon ganhou
a licitação que fizemos na APM e, de repente, lá estava eu, trabalhando
com um cineasta e ator (Pedro Paulo fizera 17 filmes na Vera Cruz, como
ator, e papara alguns prêmios importantes) que fôra “cria” do
pioneirismo cinematográfico do meu pai.
Mundo louco!
Voltamos a nos estabilizar financeiramente e continuamos a dar festas.
Agora, que eu não era mais estrela da TV, apenas para 50 ou 60
convidados amigos, não mais 120...
O começo dos anos 1990 foram anos de grande felicidade para nós.
Mas era a primeira vez em que não passávamos 24 horas por dia juntos.
Nossos trabalhos nos separavam durante o dia, o que tornava ainda
melhores os nossos encontros, em casa, à noite, quando chegávamos dos
nossos respectivos afazeres profissionais.
Naquela época, eu acreditava que a televisão era página virada na minha
vida.
Em maio de 1994, com o Caetano na Brahma e eu amargando o final trágico
da minha até então bem-sucedida Videoteca da APM (mais de 90 mil cópias
das nossas aulas médicas circulando pelo Brasil) um final que, como
sempre, se devera às flutuações políticas que existem nas diversas
instituições, e tendo por trabalho apenas o jornal dos funcionários da
EXPLO (empresa fabricante de explosivos e pertencente à ICI, indústria
química britânica),meu irmão Alvan me telefona:
-- Bel, lembra daquele sujeito que dirige a rede Morada do Sol, rede de
TV do estado de São Paulo, com sede em Araraquara? Oferecemos, certa
ocasião, para ele o nosso Junta Médica e ele não aceitou. Lembra-se?
-- Mais ou menos – respondi.
A Rede Morada do Sol, de propriedade da família de Roberto Montoro (nada
a ver com o governador, esse Montoro tinha sido diretor comercial da
Rede Globo) tinha a concessão do canal 42UHF na cidade de São Paulo e o
prazo para colocar o canal em funcionamento estava se esgotando. Assim,
a rede (com várias emissoras no estado e fora dele) desfiliou-se da Rede
Manchete (hoje Rede TV) e os Montoro acataram a ideia desse diretor, a
quem Alvan se referia, Waldemar de Moraes, e criaram uma Rede Mulher de
Televisão. Para mim, prato cheio! Eles tinham tido, na década de 1970,
uma rádio famosa aqui em São Paulo, a Rádio Mulher, que abrigava várias
estrelas do rádio e TV: Hebe, Cidinha Campos, Clarice Amaral e muitas
outras.
A Rede Mulher de TV estreou em 8 de agosto de 1994 e eu estava lá, com
meu programa Condição de Mulher, ao vivo, dirigido pelo meu irmão Alvan
e ainda os programas Junta Médica e Med Sport.
Fiquei lá, do primeiro ao último dia. Uma das minhas mais competentes
produtoras foi a filha do Bolívar, Patrícia Cavalcante. No meio do
caminho ainda tive um quadro de saúde no programa Mulheres da TV Gazeta
e apresentava, uma vez por semana, ao vivo, o programa de saúde num
programa diário na TV Santa Catarina, comandado pelo Evê Sobral e,
ainda, fazia ao vivo o programa de moda da TV Senac, semanalmente.
A Rede Mulher acabou em 2007, quando virou a Record News. Em 1999, os
Montoro tinham vendido a Rede aos pastores da Igreja Universal que
terminaram, 7 anos depois, optando em transformá-la em Record News, uma
escolha infeliz.
Foram 12 anos de grandes aventuras, muitos programas de TV, puxadas de
tapete, armações, voltas por cima, patrocínios e perdas de
patrocínios... enfim!
Nesses anos todos, Caetano sempre me apoiando. Com incentivo, com
ideias, com até negociação de patrocínios para mim.
Em 2000, quando muito pouca gente tinha acesso à Internet, por obra e
graça de Mauro Caetano, pusemos o Portal SAÚDE&LIVROS na WEB, onde ele
está até hoje, atualizado diariamente, de segunda a sábado.
Em 2002, Caetano se aposentou e saiu da Brahma, mas teve ainda outros
empregos e deu várias consultorias. Tirou muita gente do buraco
financeiro. Nós próprios passamos por momentos difíceis, entre um
patrocinador e outro, entre um trabalho e outro, mas sempre soubemos,
juntos, driblar as dificuldades.
Memoráveis Noites de Autógrafos
Em 2000,
finalmente encontrei uma editora que topou bancar a meu primeiro livro
solo, um livro de contos. De lá para cá, publiquei 20 livros e até a
Pandemia, quando eu estava no título n.17, todos as noites de autógrafos
desses livros foram organizadas pelo Mauro Caetano, com o mesmo
brilhantismo com que ele organizava todos os eventos, fossem os
Congressos Médicos, os Congressos dos Revendedores da Brahma, fossem os
lançamentos dos meus livros.
Nossas noites de autógrafos – realizadas em grandes livrarias – sempre
tinham música ao vivo, buffet, vinhos Salton, às vezes debates com a
plateia, sempre maravilhosos! Caetano tinha o contato da Salton (que
inclusive fez muitos merchandisings nos meus programas de TV) e eu tinha
o apoio incondicional do Dr. Carlos Iglesias, um dos donos do
restaurante Rubaiyat, que, quando era estudante de Medicina, assistia às
aulas da minha videoteca da APM e virara meu fã. Ele se encarregava do
buffet.
Depois que a Rede Mulher de TV acabou, trabalhei na Band, fazendo um
quadro de sexo no programa do Otávio Mesquita, tive um programa de rádio
na Super Rádio Tupi, chamado Sexo Sem Vergonha (nome de um dos meus
livros publicados), tive meu programa diário e ao vivo, com chat, na
primeira TV por Internet, a allTV, mas sempre, paralelamente, gravando e
editando nossos vídeos médicos para o nosso Portal.
Mauro Caetano, (1938 Julho, 01 - 2021 Julho, 27)
Até hoje
me impressionam as fotos de um jantar que demos, para 75 médicos com
seus pares (maridos e esposas) em comemoração aos nossos 4 mil programas
médicos produzidos. Foi no Rubaiyat claro, o do Carlos Iglesias (cada
irmão Iglesias tocava um Rubaiyat diferente) e me dá gosto ver, nas
fotos, a cara de orgulho com que o meu amor me aplaude e me fita.
Mauro Caetano sempre me deu força, orientação profissional, apoio, tudo,
além de muito amor e ternura. Fazia café, quando não tínhamos empregadas
residentes, e trazia pra mim na cama. Se saía para o trabalho e eu ainda
dormia, deixava mil bilhetinhos carinhosos sobre a cama (Colecionei
todos eles e vou mandar encaderná-los).
Aprendi com ele a ser uma pessoa organizada, eu, que sempre fôra uma
bagunceira mor e hoje sou um monstro de organização.
Mauro Caetano sempre esteve ao meu lado. Suportou todas as minhas crises
de TPM, de depressão, da menina mimada e voluntariosa que eu sempre fui
e ainda sou.
Nenhuma mulher, sobre a face da Terra, poderia querer um companheiro
melhor do que esse. Eu o amei muito e ainda o amo e o amarei para
sempre.
Bel,
28 de Julho de 2021
Esse é um trecho do livro,
de minha autoria e também de autoria do Caetano porque há dois capítulos
escritos por ele, sobre a infância e parte da juventude que ele passou
em Santo Amaro.
O Livro chama-se "História
de um Grande Amor (e suas Aventuras na TV brasileira)"
Quando estava terminando
essa página, me ligou o grande amigo do Caetano, consideravam-se mais
que irmãos, para me dizer que, afinal, terminara de escrever o Prefácio.
O Prefácio só poderia
mesmo ser escrito por ele: o publicitário Bolívar Victor Pessoa
Cavalcante, que também aparece muitas e muitas vezes no livro.
Ele escreveu o prefácio
ontem. Sem perceber, no começo, que estava fazendo isso no dia em que se
completava um ano da morte do Caetano.
Heloísa, minha querida
amiga e esposa do Bolívar, pegou o telefone, então, para me contar que
nunca na vida vira o marido chorar. E ele chorara como criança, quanto
terminou o prefácio.
Perder o Caetano é de
chorar mesmo!
Então ela me disse:
-- Bel, não era pra você
também chorar agora!
Bobagem, querida.
Eu sempre choro. |