Quando nos conhecemos, em
28 de outubro de 1983, eu, aos 32, era uma moça tola, que ainda
acreditava nas promessas de construção de um mundo melhor, aqueles
sonhos dos anos 1960 que, em 1970, John Lennon já sabia que tinham
acabado. Eu não. Continuava, ingenuamente, acreditando neles.
Já você... ah, aos 45, você era arrogante, convencido e mais pra direita
do que pra esquerda! Orgulhoso, o menino pobre que saíra de Santo Amaro
para o mundo! E que trabalhara na Alemanha, nos EUA, na Suécia... o
self-made-man que galgara altos postos em multinacionais e que perdera
tudo: o emprego, o dinheiro, por causa de uma golpista boa de cama, sua
terceira mulher, antes de mim! Mas eu fui a última e sabia que seria!
Você me fez a mulher completa, e racional, que sou hoje, você me tirou
do meu mundinho de ilusões. E eu te tirei da arrogância! Vi renascer em
você o amor e a generosidade que estavam escondidos sob teus ternos
chiques, gravatas idem, sapatos do Spinelli e a ilusão do poder.
Nós nos completamos, nos transformamos.
Você nasceu em 1938. Viveu 83 anos. Nos conhecemos em 1983.
E passamos 38 anos juntos e felizes, até que a sua morte nos
separou. Quando percebi a “coincidência” dos números, estávamos no 83º
dia de sua morte. E dia seguinte, quando fui ao médico, a minha senha de
atendimento era CO831. Pela numerologia 8+3=11, 11 é a Força.
No dia 28 de outubro de 2021, hoje, completaríamos os nossos 38 anos de
vida feliz.
Hoje é uma quinta-feira, e eu gostaria de publicar – já que a quinta é
dia de texto no Portal SAÚDE&LIVROS – alguma coisa sobre a nossa
história e a história do Portal.
Para fazer isso, no entanto, eu teria (de novo!) que recuar até 1984
quando, graças ao meu irmão Alvan, grande pioneiro da TV brasileira,
colocamos no ar o primeiro programa médico da nossa televisão, com o CFM
buzinando na minha orelha que “Lugar de Médico Não É na TV” – imagine!
Mas, para ser sincera eu já estou meio cansada de tanto contar essas
histórias da Televisão. Foi da TV que veio o meu site, que virou, por
sua brilhante ideia, o Portal SAÚDE&LIVROS.
Só que eu acredito que ninguém mais, dos que me seguem na redes sociais,
aguenta ouvir essa história. Até comecei a escrever um livro sobre tudo
isso, por sugestão da Chris, minha querida editora, mas parei por falta
de paciência mesmo. É uma história muito boa, e, como todas as que falam
de empreendedorismo, cheia de sucessos, mas também de alguns fracassos.
Na verdade, é também uma história batida.
Sei que, daí do céu, você deve estar dizendo: -- Ai, Bel, que chato! De
novo, essa história...
Penso que talvez devesse tentar por um outro ângulo, o da
espiritualidade. Ou da magia. Por que só ela, a magia, pode dar um real
significado a todas as nossas cotidianas aventuras nessa vida.
Os seus únicos três familiares presentes ao seu velório, torceram o
nariz para a coroa de flores que eu mandei colocar para a sua despedida:
“Ao sábio druida, que me acompanhou por tantas vidas, da sua amada Bel.
Até a próxima!"
A turma deles não entende patavina de magia. Eles não são da banda da
ternura e muito menos da dos abraços. Eles são frios e só pensam em
subir na vida, tadinhos.
Não é culpa deles. O mundo de hoje é assim. As escolas não ensinam mais
a pensar, tentam ensinar a ganhar. Ganhar o que? Ganhar o mundo e perder
o céu?
Sacrifica-se o ensino da arte, da cultura, da produção intelectual do
ser humano, em prol dos manuais de como galgar altas posições no mundo
corporativo.
Nem você nem eu lemos nenhum desses “manuais” e você dirigiu empresas
multinacionais, viveu em diversos países, sem usar nenhuma dessas
“técnicas”. Nem eu. Fiz minha carreira na TV e no rádio, escrevi
inúmeros livros, publiquei 17 deles, sem nunca ter seguido nada além da
minha própria consciência e minha própria intuição. Assim como você.
Hoje somos uns dinossauros sociais. Amanhã, talvez sejamos a inspiração
de novas gerações que se livrarão dessa mentalidade estúpida do
individualismo como caminho para o sucesso.
O único caminho que temos é o nosso próprio ser interior, a nossa alma,
a nossa consciência. E todos os caminhos, mal ou bem, nos vão levando à
morte, o final de tudo o que está vivo sobre a Terra.
Esses mentecaptos de hoje em dia (não todos, é verdade, tem muita gente
sábia no mundo ainda, graças aos Céus!) pensam ser imortais, vivem como
se jamais fossem morrer. Nós não. Nós sempre soubemos construir o nosso
legado sobre o amor, a solidariedade, a generosidade, a tolerância e a
compreensão. Fomos aperfeiçoando tudo isso com o tempo. E juntos.
Acabo de editar um dos vídeos mais belos que já fiz na minha vida, sobre
as imagens do Zé Reynaldo (nosso primo, meu primo-irmão e teu sábio
médico) feitas com o telescópio, de Júpiter e Io, um dos satélites do grande
planeta gasoso. A trilha é a Sinfonia de Júpiter, Mozart, por Lorin
Maazel, e o vídeo mostra o trânsito de Io sobre Júpiter, fotos com 3
horas de espaço, desde que Io aparece até que passa em frente ao sol,
causando assim, no planeta, um eclipse total do sol. São imagens lindas
e poderosas. E fazer o vídeo me causou uma grande alegria, por suas
cenas encantadoras e mágicas, por sua trilha emocionante e pela
ilustração da obra de arte de Antonio Allegri Da Correggio, pintada em
1531.
Então me pus a pensar. Será que sua alma passeia pelo Cosmos, agora, e
vê espetáculos tão sensacionais como esse captado pelas lentes do Zé
Reynaldo? Imagens maravilhosas e inspiradoras, como aquelas que você via
e revia, tão bem simuladas pela arte cinematográfica, nas aventuras
espaciais do Capitão Piccard, do Kirk, da Janeway e de outros heróis de
Startrek?
Somos feitos do pó das estrelas, alguém já disse. E, se ao pó
retornaremos, incluirá isso, essa sensacional viagem pelo Cosmos, pelo pó
das estrelas?
Posso imaginar a sua alegria, passeando entre os astros e vendo, in
loco, toda a fantástica atividade das estrelas e dos planetas.
Sim, você deve estar por aí, no meio do Universo.
O que vivemos aqui na Terra, o que acontece em nossas vidas, é sempre um
reflexo das nossas próprias atitudes. Uma espécie de toma-lá-dá-cá. Na
morte deve ser igual.
Aquele espírito, que nasceu com você, de um ser generoso, sempre
disposto a ajudar, a compartilhar, a fazer crescer os que estavam a sua
volta, enfim, tudo o que teimava em se esconder sob a elegância das
aparências, de seus ternos bem cortados, seus sapatos e gravatas de
marca, tudo o que foi emergindo do melhor que havia dentro de você, tudo
isso auxiliou tanta gente nessas quase quatro décadas em que
compartilhamos uma vida feliz... tudo isso, meu gato, só poderia mesmo
conduzir, agora, sua alma ao que de mais belo se esconde pelo Universo.
Nunca pautamos, você e eu, nossas amizades pelo interesse. Sempre
fizemos amigos pela empatia, pela sinceridade, pela ternura. É claro
que, nas centenas de festas que demos em nossa casa, existiram um monte
de interesseiros, mas esses nunca duravam muito tempo. Os nossos
verdadeiros amigos sempre estiveram conosco, na vida e na morte, na
saúde e na doença, e diziam que era muito bom estar aqui, na nossa casa,
onde o amor e a ternura e a compreensão e a solidariedade sempre
imperaram.
Poderia eu citar inúmeros exemplos de pessoas beneficiadas pela tua
generosidade. Mas, todas elas, lendo esse texto, sabem bem do que estou
falando.
É a sua atitude, na vida, que leva você às estrelas, na morte.
Amor meu, você estará para sempre comigo, dentro de mim, grudado em mim,
como sempre fomos nesses 38 anos de vida feliz.
Por ora, passeio, em meus sonhos, com você, pelas estrelas.
28 de outubro de 1983. Desci as escadas da casa dos meus pais e, quando
você me viu, me deu o mais belo sorriso que recebi em toda a minha vida.
De lá para cá, vivemos grudados, cúmplices, amantes, felizes.
E essa é a melhor história que posso contar sobre você, meu amor
querido, meu amado companheiro eterno, Mauro Siqueira Caetano. Muito
obrigada, meu gato, por sua existência sobre a Terra. Até breve.
Sua, Bel.
Amigos em Casa
Amigos em Casa
Amigos em Casa
O vídeo do Zé Reynaldo,
citado no texto
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