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		(Portinari, 1943, O 
		Massacre dos Inocentes) 
		
		  
		  
		
		Ninguém é completamente 
		feliz em meio a um mundo de infelicidades. 
		  
		  
		
		(Elza Carvalho, Não Ver, 
		Ouvir ou Falar) 
		
		  
		  
		  
		  
		
		(K.Honning, 1989) 
		
		  
		  
		  
		  
		
		(Picasso, 1961, Paz) 
		
		  
		  
		  
		Antes, porém, de 
		alcançar a outra calçada, subi. Voei. Fui subindo, subindo, passando 
		pelas janelas do Citibank, mais alto, o MASP lá embaixo, as bandeiras 
		nos mastros, subi e subi, pelo céu claro e azul, subi até poder ver o 
		mar e a curvatura da terra. 
		  
		  
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		O Exílio da 
		Inteligência 
		
		memória de Isabel 
		Fomm de Vasconcellos 
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		Sexta-feira, 24 de junho de 1994 
		Quinta-feira, 24 de 
		junho de 2021 
		Dia do 
		Disco Voador, de São João e da Polícia Militar 
		 
		Um país rico como este...e as ruas cheias de miseráveis, coalhadas de 
		ignorantes, uma gente feia e triste, como um mal cuidado canteiro de 
		flores. 
		 
		Toda esta gente é um imenso buquê, desleixado, esquecido, invadido pelas 
		pragas, camuflando em feiura toda a sua possível beleza. 
		 
		Um banho e uma sopa --explicava um médico amigo-- isso é o 
		suficiente para curar 80% dos doentes da fila do HC... 
		 
		Experimente deixar seus vasos de plantas sem cuidado algum e eles 
		tornar-se-ão um matagalzinho horroroso. 
		 
		Passe as pessoas pela peneira da pobreza absoluta. 
		Você terá muito bicho feio desfilando ignorância e semeando 
		infelicidade. 
		 
		Devolva, meu Deus, a dignidade ao nosso povo! 
		 
		Ouvindo Elis no Fino da Bossa, lembro-me de uma São Paulo fervilhante de 
		inteligência e modernidade...em 1965! 
		 
		Você se lembra do cine Astor com direito à Fasano, um terraço sobre uma 
		Avenida Paulista cheia de gente bonita? Você se lembra das nossas tardes 
		de esqui-aquático numa represa ainda meio limpa? Você se lembra de um 
		Castelo no meio do bosque, em pleno campo? Campo...aquilo hoje é uma 
		poça de dejetos cercada de barracos por todos os lados. O clube de campo 
		da nossa juventude não passa de um pobre clube no meio da periferia 
		paulistana... Que tristeza! 
		 
		Você se lembra da casa daquela sua amiga ali na Rua Colômbia, num 
		entroncamento entre a Augusta e a Nove de Julho? O Sacre-Coeur, as 
		avenidas limpas e tranquilas... 
		 
		Passe por ali, por exemplo, neste momento. Passe, aliás, não seria o 
		verbo adequado, seria "pare", porque o trânsito estará invariavelmente 
		infernal, tudo será muito diferente... 
		 
		Você se lembra dos natais da nossa casa, cheios de primos e amigos, você 
		se lembra do Joaquim Eugênio de Lima Neto (o neto do idealizador da 
		Avenida Paulista...) conversando à mesa da copa com Alfredo Martins 
		Marques?  
		 
		Você se lembra da riqueza de ideias e da inteligência que pairava no ar 
		nas casas, ricas ou pobres, de nossa juventude? Você se lembra das 
		calorosas e incríveis discussões sobre tantas e tantas propostas 
		inteligentes para a vida?  
		 
		Você se lembra dos sonhos? Dos filmes de TV que a gente assistia, na 
		sala de projeção do Velho Vasco, em primeiríssima mão (por obra e graça 
		do Alvan) antes do Brasil inteiro? Lembra? Além da Imaginação. Quinta 
		Dimensão. 
		 
		Tudo era alma e inteligência. Você se lembra do Antunes Filho tomando o 
		café da Leca no escritório do meu pai? Fúlvio Stefanini, Gloria Menezes, Tarcísio 
		Meira, Anik Malvil, 
		Roberto Freire, Sergio Marques, Jô Soares... 
		 
		Quem foi que disse, minha amiga, que não fomos exiladas? 
		 
		Vivenciamos a morte desta inteligência que pairava no ar... Você, em 
		Brasília, aturando a burrice e a arrogância, juntas, em tantas "otoridades" 
		nacionais; eu, jogada no meio de uma gente que pensa que um edredom é 
		algo importante... 
		 
		Precisamos de anistia. Ampla, total, irrestrita. Libertem a 
		Inteligência! O Brasil precisa muito, muito, muito, da Inteligência. 
		 
		No entanto, esta ainda é a amada cidade do meu coração. A mais 
		maravilhosa cidade, imensa, onde se cruzaram todas as raças, todas as 
		culturas e 80% do PIB nacional...Esta ainda é a mais bela avenida do mundo, 
		Avenida Paulista, louca e confusa como os 
		nossos corações apressados, ambiciosos, pulsando, estourando dentro do 
		peito...uma absurda energia, uma salada de mentes, sentimentos, 
		esperanças e sonhos. Os mais diversos. Diferentes, conflitantes... 
		 
		Tanta, tanta riqueza, cara amiga, dentro de todos estes edifícios, 
		dentro destas cabeças...Tanta riqueza mal aproveitada, riqueza, riqueza 
		material e espiritual.  
		 
		Está tudo aqui. Uma síntese do mundo. 
		 
		É aqui, hoje e agora que eu quero estar. 
		 
		É aqui, nesta vida, neste momento maravilhoso da minha vida, onde todas 
		as portas parecem, lenta e gradualmente, se abrirem para a luz. 
		 
		Em 1987, sonhei que a Avenida Paulista fôra completamente tomada por uma 
		invasão de imensos pássaros brancos. Eu os vi, ainda no céu, em sua 
		rígida formação, como se aviões de guerra...Depois estavam sobre todas 
		as coisas: carros, ônibus, postes, fios, parapeitos, marquises...Em 
		silêncio. Não havia o menor ruído. Meu coração foi também invadido. 
		Invadido por uma felicidade absoluta e corri, pensando em atravessar a 
		avenida e ir chamar o meu amor para compartilhar comigo o espetáculo da 
		felicidade. Antes, porém, de alcançar a outra calçada, subi. Voei. Fui 
		subindo, subindo, passando pelas janelas do Citibank, mais alto, o MASP 
		lá embaixo, as bandeiras nos mastros, subi e subi, pelo céu claro e 
		azul, subi até poder ver o mar e a curvatura da terra. 
		  
		Só então me dei conta que ainda não era a hora de partir. Ainda havia a 
		minha mãe, o meu amor e tantas coisas por realizar. Desci num relâmpago 
		e caí dentro do meu corpo com um baque surdo. Acordei deslumbrada, no 
		meio da noite, ouvindo o ronco amado. 
		 
		Penso que sou feliz. 
		Mas ninguém é completamente feliz em meio a um mundo de 
		infelicidades. 
		 
		Ou talvez seja apenas este eco dos anos sessenta... 
		 
		É preciso entender a responsabilidade social. 
		 
		Libertem os grilhões que prendem as personalidades dentro dos padrões da 
		mediocridade, da mesquinharia, da pequenez do imediatismo, da miséria, 
		da tristeza... 
		 
		Soltem os pássaros brancos da esperança por sobre as avenidas e dentro 
		das almas! Um pouco de paz na terra aos de boa e aos de má vontade. 
		Um pouco de amor e de esperança, compreensão, tolerância...Olhos claros 
		e limpos. 
		 
		OBS, 27 anos depois: Quinta, 24 de junho de 2021 
		Esse é um texto que escrevi em 1994. Estamos em 2021 e a coisa toda só 
		piorou nesse país, onde tem quem acredite que a Terra é plana e que a 
		Pandemia que assola o planeta, ficção. É com enorme tristeza que chego 
		aos 70 anos de idade num mundo tecnologicamente muitíssimo mais avançado 
		do que o mundo onde nasci e, desgraçadamente, muitíssimo mais atrasado 
		em termos de humanidade, de esperança e solidariedade. 
		 
		E de 
		inteligência. 
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