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OS ROBOTS DOS DEUSES

Por Isabel Fomm de Vasconcellos

 
 

William Blake, 1808,

Ilustrações para O Paraíso Perdido, de Milton

 

 

 

Westworld, 1973, Yul Brynner

 

Westworld 2016, Anthony Hopkins

 

 

Meu irmão, Alvan, em 1998 e 1956

 

 

 

 

 

Você pode rastrear Westworld, em suas versões de 1973 e 2016, no YouTube, começando por esse link aqui: https://youtu.be/lI4_rhgBvv4

 

 

Meu irmão Alvan, quando estava no auge de sua carreira, nos anos 1970, executivo respeitado da Rede Globo de TV, frequentando o iate do Boni e outros quetais, um dia me disse, em tom de amarga confidência: ´"Bel, nós somos um laboratório". Eu devia ter, então, uns vinte e poucos anos de idade e ele estava chegando aos quarenta. Um laboratório? Que ideia exdruxula para um sujeito inteligente e bem sucedido como ele. Como, um laboratorio? A vida me parecia tão maravilhosa e cheia de desafios.

 

Estávamos, naquele momento no apartamento dele na Barra, a brisa do mar entrando pelas grandes janelas abertas, o céu de um azul profundo, o sol impresso na minha pele bronzeada, estantes e mais estantes de livros, com os mais belos pensamentos produzidos pelos nossos antepassados e contemporâneos, as conquistas da tecnologia que já nos encantavam (mas nada que pudesse, ainda, prever o celular e a Internet, apenas o computador)... Um Buchanas com gelo em nossos copos, cigarros mentolados, Vivadi na moderna vitrola estereo... Como seríamos nós um simples laboratório? Como, nós, seres humanos sobre a Terra, nada mais do que ratinhos, cobaias, para algum experimento científico de seres muito além de nós, deuses do Olimpo talvez?

 

A ideia me pareceu absolutamente indigna de um homem tão inteligente como ele, alguém que vinha sendo meu guia pelo mundo da matemática, da literatura, do cinema, da fotografia... Como o meu guru poderia pensar que nós fossemos apenas ratos de laboratório?

Olhando os robôs de Westworld percebo que ele é que estava certo.

 

A História se Repete

 

Naquela tarde quente do meio da década de 1970, essa ideia, ao menos para mim, era algo impensável. As transmissões por satélite e as sofisticadas (da época) mesas de edição de vídeo já estavam de bom tamanho em termos de avanço tecnológico. Naquele momento não passaria pela minha cabeça nada semelhante ao telefone celular, à Internet.

 

Lembro-me bem de quando, em 1994, no meu programa Condição de Mulher, na rede Mulher de TV, entrevistei uma geógrafa da USP sobre globalização. Ela entrou no meu estúdio perguntando como iria falar de globalização num programa de mulher. Respondi: “Nesse aqui não tem cozinha, nem artesanato. Esse aqui é para mulheres emancipadas e com consciência política”. Ela riu, mas soltou o verbo e acabou por me confessar que tinha acesso à rede mundial de computadores, na Universidade. Meu Deus! Que maravilha – pensei,

Apenas um ano depois a Internet estava em nossa casa, nos nossos computadores.

Comecei a compreender os robots.

 

Hoje não me parece nem um pouco distante o dia em que, como mostrado na série Westworld, poderemos ter robots tão perfeitos que seus corpos reproduzirão exatamente cada pequena fibra dos músculos dos humanos e seus cérebros serão programados para viver uma completa história e interagindo com humanos, criar pequenas variações nos enredos. Depois, voltando ao laboratório, terão sua memória apagada e poderão viver de novo a mesma história, interagindo com outros humanos, sem lembrar-se da história anterior. Será?

 

Robots de 1973 em 2016

 

Os robots dessa versão 2016 da série de TV Westworld (adaptada por Lisa Joy e Jonathan Nolan) são muito mais sofisticados tecnologicamente do que os da série original (Westworld Beyond, de Michael Crichton, 1973)

Claro, estamos, em 2016, bem mais avançados, em matéria de tecnologia, do que em 1973. Mesmo assim a Westworld Beyond, série original, era basicamente igual a de hoje, a ideia é a mesma e o enredo só varia naquilo que hoje conhecemos, a mais, da informática.  

 

A série original foi estrelada por Yul Brynner e tinha uma elenco respeitável, assim como a de 2016, que vai de Rodrigo Santoro a Anthony Hopkins. No entanto, talvez fosse avançada demais para o seu tempo, pois não fez nenhum sucesso e foi tirada do ar no terceiro episódio. Muito diferente dessa versão atual, que é chamada até de sucessora do Game of Thrones.

 

Criadores, Criaturas e Anjos Caídos

 

A ideia central, nas duas versões de Westworld,  é a de que não será possível distinguir um ser humano de um robot.

 

Eu desconfio que, na série atual, todos são robots, mas isso é uma mera suposição, a partir da constatação de que alguns dos manda-chuvas da sede de controle e programação dos robots do parque Westworld também o são. De repente, até o Ford, vivido por Anthony Hopkins, pode ser um robot, criatura de Arnold, que se voltou contra o criador, como Lucifer se voltou contra Deus.

 

Os clichês – ou estereótipos – são sempre os mesmos. Joseph Campell demonstrou largamente isso em O Poder do Mito, obra dos anos 1990. De Stars Wars a Game of Thrones, de Startrek a Westworld, estão presentes os conflitos clássicos da humanidade, os mesmos que os gregos tão bem representaram em sua mitologia.

 

O novo, em Westworld, é a colocação do mistério dos sonhos e dos mistérios de vidas anteriores.

 

Penso também naquele famoso filme, O Dia da Marmota, em que o personagem principal acorda sempre no mesmo dia. Ele vai dormir e, quando acorda, está no dia de ontem... e assim tudo se repete. Eu mesma, ao escrever a história de um encontro mágico com minha mãe, já falecida, ela então com 18 e eu com 60, coloquei uma fala em sua boca: “Tenho a impressão de que já vivi essa história e estou pronta a vive-la de novo, não sei explicar muito bem...”

 

Nada de Novo Sob o Sol

 

A ideia de que a vida pode se repetir e, de uma nova vez, você fazer muitas escolhas diferentes e dar outro rumo ao seu destino, pode ser fascinante, mas se torna meio aterrorizante quando da perspectiva de Westworld: existe alguém programando a sua vida e a sua história; alguém que pode apagar sua memória e dirigir os seus sonhos para que você viva de novo a mesma história, com pequenas variações, sem sequer perceber isso.

 

Essa ideia fere de morte o orgulho do nosso livre arbítrio e, por isso, me chocou tanto na juventude a afirmativa do meu irmão Alvan, não somos mais que um laboratório.

 

Os sonhos, a sensação do deja-vu, tudo isso está nos robots de Westworld.

 

E desconfio, afinal, de que Alvan, com todo o ilimitado acesso que ele possuía (por causa de seu trabalho nas grandes emissoras líderes de audiência no Brasil) a series de TV que nós, meros telespectadores do terceiro mundo, nem desconfiávamos que existiam, talvez tenha visto a primeira versão de Westworld e chegado à inevitável conclusão de que nós, humanos, não fossemos mais do que os robots dos deuses.

 

 

 

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Luciana Figueiredo, Hilda Ciglioni e outras 56 pessoas

 

 

Marcos Volpi ESSE E MEU AMIGO ALVANQUE HJ ESTA NO ANdar de cima desfrutando a mais avandada das tecnologias no qual nen sonhamos ainda

 

 

Mirian Canavarro Ufa que lindo texto

 

Solange Aparecida Benfatti Lindo ... lindo ... homem com visão de futuro.

 

 

Luiz Fernando Walther de Almeida Saudade. Sou grato a ele.

  

 

 

Evelyn Adam De fato e as pessoas , em sua pequenez de espírito, tramam, urdem, fazem mal ao próximo achando que serão invencíveis, imbatíveis e inatingíveis. Ele está ABSOLUTAMENTE certo, com perdão do uso deste clichê televisivo

 

 

Vera Krausz Poxa agora deu saudade !!!

 

Cesar Rosangela Marques O querido primo era um visionário e não sabíamos. Saudades e respeito sempre. Abraços.