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(Gustave Courbet, 1868, Uma Jovem Lendo)

 

Mas veja só, Senhor Ministro: o pobre lê. Desde que tenham acesso ao livro, os pobres leem com a voracidade provocada pela carestia a que são relegados. Faça uma pequena pesquisa, e saberá. O senhor se lembra do Plano Cruzado, de 1986? Não foi um bom plano, mas pelo menos serviu para desmistificar essa estupidez de que “pobre não gosta de ler.”

 

 

 

 

Livros & Pandemia
por Maria José Silveira
 


Lancei meu romance “Maria Altamira” em São Paulo no começo de março. Uma semana depois, começava o isolamento social na cidade.
 

Vários eventos de lançamentos programados, todos tiveram que ser adiados para o final da pandemia. Dois, três meses, pensávamos.
 

Mas estamos no sétimo mês e nada indica que estamos sequer perto do final.
 

Às preocupações com tudo e todos, no meu caso juntou-se outra, menor mas significativa: sem eventos e livrarias, como fazer o leitor saber que “Maria Altamira” existe?
 

A vida respondeu. As vendas via internet cresceram exponencialmente, e criou-se um modo de comunicação diferente, as chamadas “lives”, com debates e conversas “on line”, como maneira de mostrar que o livro estava à espera de seus leitores.
 

No começo, desacreditei bastante. Sou do tempo da divulgação pela imprensa, dos lançamentos como momento de rever amigos e conhecer novos leitores, das vitrines das livrarias, e das estantes das bibliotecas como lugar natural para mostrar novos livros.
Mas tem sido surpreendentemente bom. Com uma excelente editora, a Instante, do competente e criativo Silvio Testa, “Maria Altamira” encontrou o entusiasmo dos blogueiros - que eu não conhecia antes; de grupos de leitura – que eu conhecia, mas não imaginava a grande força; e de convites para “lives” com ótima repercussão.
 

“Maria Altamira” fala de duas mulheres: a mãe e a filha. A mãe, dos Andes peruanos, começou uma jornada sem rumo, depois da catástrofe natural que fez o mais alto pico da região desmoronar e soterrar sua cidade e sua família. Sua jornada a leva para o Pará, onde nasce Maria Altamira, filha de pai indígena, e criada ao lado da construção da Usina de Belo Monte, catástrofe ambiental e humana, provocada pelo homem. (O livro está no site da Instante, na Amazon e na Livraria Palavrear.)
 

Mas se os livros têm enfrentado a pandemia, estão agora ameaçados por outro tipo de catástrofe criada, dessa vez, por obra e graça do ministro fiador desse desgoverno. Que ameaça os livros com novo imposto, exorbitante, usando argumento espantoso: “Só a elite compra livros”. O que vem corroborar três coisas: de livro o ministro não entende; tampouco das classes mais pobres; às quais, mais uma vez ele dedica insanável desprezo.
 

Mas veja só, Senhor Ministro: o pobre lê. Desde que tenham acesso ao livro, os pobres leem com a voracidade provocada pela carestia a que são relegados. Faça uma pequena pesquisa, e saberá. O senhor se lembra do Plano Cruzado, de 1986? Não foi um bom plano, mas pelo menos serviu para desmistificar essa estupidez de que “pobre não gosta de ler.”

 

Tínhamos uma editora na época e pudemos comprovar como o “congelamento dos preços” fez as vendas dos livros subirem, com notável contribuição dos mais pobres. Mas seu plano, ministro, aliado ao corte na Educação que vocês já fizeram e querem fazer mais, além de deixar o preço do livro menos acessível, comprova também o que afirmava Darcy Ribeiro:
“A crise da Educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”