(Frida Kahlo, 1935, Unos Cuantos Piquetitos)
|
Amém por Maria José Silveira
|
Mãe Chica e Maria preparam-se para dormir quando
escutam batidas fortes na porta, e a voz de Nice gritando os nomes
delas. -
O que aconteceu? – perguntam, abrindo a porta e fazendo-a entrar. -
Ele matou a Leide – Nice soluçou. – O maldito do Vanderlei. Na frente
dos dois filhos! Tá foragido. Vim te buscar pro velório, Maria. Mãe Chica foi junto. Gostava muito da mocinha miúda, amiga da filha há tanto tempo. Ajudaram as vizinhas a vestir o corpo frio que os policiais liberaram depois da autópsia. A mãe de Leide se agarrava ao corpo da filha, querendo partir com ela, os dois meninos na casa de uma vizinha. |
O assassinato fôra de manhã, antes que ela saísse para vender tapiocas, o que fazia desde que o marido ficou desempregado. Época em que ele começou a encher a cara de manhã à noite e a tratá-la a tapas, quando Leide voltava da feira. Em vez de ficar agradecido pela mulher colocar comida na mesa, aumentava o inferno da casa. “Quer me fazer de besta? Pensa que sou cego? Sei bem o que tu vende, lacraia! É tudo menos tapioca. O dia que eu te pegar tu vai tá morta.”
Um dos
meninos, o menorzinho, se escondia atrás da mãe, o maior se punha na
frente. Os três apanhavam até o pai cair na cama e pegar no sono
ruminando ódio. Na manhã
seguinte, no enterro, poucas pessoas. Maria viu Saião que ficou de
longe. Depois que o caixão baixou, ele sumiu. Tinha namorado Leide
quando adolescente. Foi quem a apresentou para o amigo Vanderlei.
Ninguém sabia o que estaria se passando por sua cabeça. - Bem
que Saião podia pegar o canalha e entregar pra polícia. Num dá mais pra
ver marido matando mulher – e a raiva saía no cuspe da boca de Nice. Maria
estreitava os olhos, torcia as mãos. O que fazer com essa raça de
homens? Como fazê-los entender? - Quem
casa errado nem em casa está a salvo – soa baixinho a voz de Mãe Chica,
apressando os passos para se afastar da roda, voltar direto para casa e
retomar a serenidade de suas coisas. Sua pequena sala arrumada, suas
panelas brilhando de limpas, seu fogão sempre coberto com forrinhos que
ela mesma borda, os panos de prato de saco de aniagem também branqueados
por ela e bordados com os nomes dos dias da semana, e sobretudo no
quarto com poucos enfeites, seus santos perto da cama coberta com a
colcha bonita que a filha lhe deu.
Ajoelhou-se e rezou. |