(Artemisia Gentilieschi, 1650, Alegoria da Retórica)
... de certa forma, a literatura está sempre falando de demônios...
Penso hoje que talvez seja mesmo por isso que é de fato quase impossível para um escritor viver sem escrever. Escrever, de alguma misteriosa maneira, apazigua nossos demônios. |
Sobre os Demônios da Escrita |
Foi com
surpresa que algum tempo depois de ter começado eu a lidar
cotidianamente com o mundo exigente da literatura e da imaginação,
comecei a perceber o quão verdadeira essa afirmação pode ser. É algo
estranho; não sei explicá-lo bem. Alguns dizem que, ao escrever, você põe seus demônios para fora. Pode ser. Mas não no sentido literal, não que você fale propriamente de seus demônios particulares. Não é isso que um escritor faz. Pelo menos não é isso que eu faço.
Mas creio que, de alguma forma, embora não estejamos falando exatamente deles, nossos demônios estão nos espiando enquanto escrevemos. Ou então, ao falar de outros demônios (porque isso também é certo: de certa forma, a literatura está sempre falando de demônios), deixamos de focar nos nossos, o que sem dúvida – ainda que não seja catarse ou algo parecido - acaba sendo um alívio.
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Felizmente, encontrei a saída. Para me desligar da realidade que
enfrentava, eu escreveria o que jamais pensei escrever um dia: um
romance do gênero fantástico. Gosto
muitíssimo de alguns contos e romances da literatura fantástica, entre
eles “Macunaíma”, que considero não só uma obra-prima como também o
primeiro romance fantástico escrito entre nós. Além disso, sou
tremendamente fã das lendas e mitos brasileiros. Comecei, então, a
escrever “A Terra sem Males”, juntando em um romance do gênero
fantástico vários de nossos mitos e lendas. Com tudo a que um texto
desse gênero tem direito: muito sangue, maldade, algumas pitadas de
bondade e esperança, algum personagem cômico e, como não poderia deixar
de ter, um pouco de magia. Por um
par de horas, ao escrevê-lo, eu conseguia me deslocar da realidade em
que estava vivendo naquele momento e entrar em uma terra muito distante
da minha. Hoje, já finalizado, esse romance ainda não encontrou sua editora. As pessoas que me conhecem como escritora que tende mais ao realismo não esperam de mim um texto assim, e se confundem.
Mas
aconteceu. E foi ótimo ter acontecido. Então, sim, é verdade: sem lidar com o mundo da imaginação e da linguagem para exorcizar nossos demônios, não me surpreenderia se começássemos - nós, escritores - a sair por aí comendo cabelo. |