Imagina, Dona
Simone
Maria José Silveira
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(Jean-François Millet,
1867, Mulher Varrendo)
Terceira semana
Ah, Dona Simone, nem quero contar pra senhora o que vi hoje! Aquela
moradora de rua, sabe?, tava lá varrendo o parque todo enquanto a
varredora da prefeitura, a oficial, ficava bem descansadona, sentada
numa cadeira com os pés pra cima em outra, fumando. Dá pra acreditar,
Dona Simone?
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Primeira semana -
Sabe aquele parque que atravesso do ponto de ônibus até aqui, Dona
Simone? Agora tem uma mulher que varre a trilha, mas não é da
prefeitura. Gordinha, bem arrumada, tênis limpinho, conjunto de moletom,
fica lá varrendo ao lado de uma outra, a oficial, de uniforme. Eu ficava
com vontade de perguntar quem era ela, mas sem graça de entrar na vida
dos outros. Acabou que hoje eu perguntei, “Me desculpa, mas a senhora
não parece varredora, por que tá varrendo?” E imagina que ela respondeu
de um jeito muito educado, com palavras diferentes, assim como a senhora
fala, Dona Simone, e disse que era moradora de rua, e ia pra lá varrer
pra contribuir um pouco com a sociedade que sempre foi muito boa pra
ela. Boa, como?, perguntei. “As pessoas me tratam muito bem”, ela
respondeu, “me dão muita coisa, e tem a comida gratuita do restaurante
popular, então eu acho que, quando posso, devo retribuir, nem que seja
varrendo esse parque que as pessoas frequentam.” Achei bonito, Dona
Simone, a senhora não achou?
Segunda semana - Sabe aquela mulher que
contei outro dia, Dona Simone, aquela que varre a rua como retribuição
ao que a sociedade faz por ela? Acabei puxando conversa e ela explicou o
que já dava pra imaginar, que perdeu o emprego e, sem ter como pagar o
aluguel, foi despejada. Tinha emprego de secretária, dessas de mexer no
computador e tudo. De uma firma pequena. Trabalhou vinte e seis anos com
o mesmo chefe, até que ele morreu. Então o filho que passou a ser chefe
falou que não tinha mais lugar pra ela. E nesses vinte e seis anos que
ela trabalhou, eles descontavam o INSS dela mas não pagavam. Imagina,
Dona Simone, que ela disse que não culpava ninguém, muito menos o chefe,
que sempre foi muito bom com ela, muito respeitoso, nunca esquecia o dia
do seu aniversário, nem o dia da secretária. Dava sempre um presentinho,
agradecia, todo educado, nunca levantava a voz. Era tão bom que, sabendo
que ela não tinha família, nem pai nem mãe, convidava pra ceia de natal,
aniversários, essas coisas. Todo ano. Pode-se dizer que era como se ela
fosse da família e viu os filhos deles crescerem e tudo. O filho que
virou o novo chefe também. Gostava muito de todos eles. Claro que,
quando convidada, ela ajudava a servir, e depois ajudava a empregada a
lavar a louça, que ela nunca foi de comer e deixar o prato sujo pra
outro lavar. A senhora acredita, Dona Simone? Que alma boa!
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