voltar para a página-site da escritora Maria José Silveira   

 

Índios urbanos
por Maria José Silveira
 

 

(Rodolfo Amoedo, 1883, O Último Tamoio)

 

 

 

A velha ideia de que nossos indígenas iriam sendo aos poucos “civilizados” e deixando de serem índios felizmente provou-se falsa. Eles foram massacrados e quase extintos, mas hoje estão aí: mais de

800 mil indígenas

de 305 etnias, com 274 línguas diferentes, vivem no país e, desses, cerca de 300 mil, em centros urbanos.
 

É migração que vem de longe, e aconteceu com mais força a partir das décadas de 1950/60, quando uma primeira onda de mão de obra chegou às metrópoles para trabalhar na construção civil.

 

Com a Constituição de 1988 e a ampliação da rede de ensino, aumentou também a migração universitária, enquanto a diferença entre zona rural e urbana diminuía a olhos vistos, e boa parte das comunidades indígenas adicionava características urbanas a seu cotidiano.

 

NO BRASIL:

 

restam

800 mil índigenas

de 305 etnias

 

em 1500, eram entre 4 e 5 milhões.

 

NO MUNDO:

7,2 bilhão de

pessoas em 2016;

450 milhões, em 1500.

Com tudo isso, poderíamos pensar que depois dos séculos de roubo de terra, exploração e tentativa de extermínio, a sociedade brasileira estaria, por fim, aceitando melhor sua diversidade, e aprendendo a conviver com seus parentes.


Ledo engano. Nunca foi fácil – e continua não sendo fácil - ser indígena no Brasil.
Que o digam os Guarani Kaiowás mais uma vez atacados no Mato Grosso do Sul.

Que o digam todos aqueles que, na cidade, enfrentam os mesmos preconceitos de sempre, produzidos por interesses e ignorância (“o índio é preguiçoso”, “o índio é bêbado”, “não dá pra confiar no índio”).
 

Estranho pensar que em um país onde a grande maioria tem sangue indígena na veia, eles sejam tão marginalizados. O Brasil colonial, o Brasil império, o Brasil república - muito menos os 21 anos de ditadura - pouco mudaram esse estado de coisas. E mesmo agora, em pleno século XXI, eles continuam sendo expulsos de suas terras pelas grandes obras, construção de hidrelétricas e rodovias, além de cercados por fazendeiros e instalações agrícolas que derrubam suas matas, extraem seus recursos naturais, contaminam seus rios e assassinam seus líderes.
 

Nunca lhes deixaram muitas opções. Vender artesanato nas cidades era uma delas. Sair para procurar trabalho e estudar, outra. Mas como às vezes o feitiço pode virar contra o feiticeiro, é por conta desse mesmo processo que hoje temos vários mestres e doutores indígenas formados em diferentes especialidades, cada vez mais capazes de lutar por seus direitos que – nunca é demais enfatizar – são muito mais antigos do que os nossos.
A causa indígena acompanha a vida deles na cidade. Mesmo acostumando-se ao asfalto, carros, poluição, continuam membros de sua etnia, falando sua própria língua e mostrando a riqueza da diversidade brasileira também no contexto urbano. Líderes se formam para enfrentar o preconceito e defender sua história e cultura, sem precisar de quem fale em nome deles. Como disse em recente entrevista Carlos Tukano, cacique do Coletivo Aldeia Maracanã:
 

“Hoje estou falando para o Brasil e para o mundo sem nenhum intermediário: sei falar português. (...) Hoje digo ao Brasil e ao mundo: somos capazes, somos inteligentes e, acima de tudo, somos seres humanos”.
 

Já não passou da hora, povo cara-pálida, de começar a escutar esses nossos conterrâneos e parentes?