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(Claude Monet, 1882, Pinheiros em Varengeville) |
SECURAS
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E me lembro de uma conversa na juventude com um amigo. “Meu medo”, ele me dizia, “é que a vida me resseque por dentro. Que frustrações, planos e sonhos que deram errado me deixem seco”. Lembro as palavras e do local onde estávamos esperando alguém, um corredor desses feitos com tijolinhos abertos no centro para deixar a iluminação passar, comuns em prédios de Brasília, e bem cafonas. Penso nisso, e penso também que não foi o que aconteceu ao meu amigo. Pelo menos até agora. Embora defeitos imperceptíveis na época tenham dado as caras, ouso afirmar que até essa segunda metade de seus sessenta anos, a vida não o ressecou. Da próxima vez que nos encontrarmos, vou lembrá-lo dessa conversa e lhe dizer como foi à toa seu medo de juventude. Se de fato era real aquele medo, suponho que ele gostará de saber. |
Suponho também que – não vou dizer “como as
árvores”, demasiado clichê, mas como parte que somos da natureza, e aí,
sim, talvez pudesse até arriscar um como bichos e árvores – sejamos
biologicamente preparados para não ressecar completamente a cada
inverno, a cada nova somatória de frustrações, sonhos não cumpridos,
desejos abandonados, planos não perfeitamente realizados. Outro dia comentei aqui *a vida curta que parece ser a fatalidade que nos espera, não apenas como indivíduos, mas como espécie. Mas hoje, daqui da minha janela, sei que é também a nossa espécie que nos faz capaz de resistir aos tantos baques e securas que a vida não regateia em nos proporcionar. Não somos como o prado que com o tempo reverdece, como gostava de dizer minha avó, a dona do bougainville. Não reverdecemos, mas podemos pelo menos, como desejava meu amigo, tratar de não secar. |