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Banho em tempos de seca
Maria José Silveira

 

Geórgia O'Keeffe, From the Lake, 1924

 

Quando absurdamente começa a faltar água na capital do Estado mais rico do país que possui a maior quantidade de água do planeta; quando o desmatamento criminoso atinge níveis alarmantes no país que tem a maior cobertura vegetal do planeta; quando as matas ciliares de seus rios são impiedosa e ignorantemente derrubadas; quando a burra impermeabilização do solo é uma política pública em praticamente todas as suas cidades; quando tudo isso acontece e São Pedro resolve dar um basta, como é que fica nosso banho?

 

Logo nós, que aprendemos com nossos tataravós índios, as delícias de uma boa refrescada no calor tropical desse país que costumava se jactar de ser abençoado por Deus, o que fazemos?
Felizmente, como sempre acontece quando um problema começa a se fazer notar pela humanidade, alguém aparece com soluções – ainda que questionáveis.
 

Alguns dermatologistas, por exemplo, estão dando sua receita: não precisamos tomar banhos com a frequência a que estamos acostumados, dizem eles. Banho a cada dois ou três dias já estaria bom. Inclusive porque ajudaria a reduzir problemas na pele e (!) possíveis doenças. Limpar os pontos críticos seria suficiente, já que a pele exposta a banhos frequentes – sobretudo os quentes – pode ressecar, provocando irritações e fissuras, e retirando bactérias boas que existem na epiderme para nos proteger.
Chegam a dizer que os pais não devem dar banhos em bebês e crianças diariamente: a exposição a um pouco de sujeira pode tornar a pele menos sensível, e evitar alergias e doenças como eczema. (Ai, se minha mãe ouvisse isso!)
Explicam ainda que a necessidade do banho diário recebeu uma boa mãozinha da publicidade da indústria dos sabonetes. E embora essa colocação no começo tenha me surpreendido, é só pensar um pouco para reconhecer que tantas mulheres maravilhosas envolvidas nas espumas de suas banheiras devem ter realmente reforçado bastante o hábito do banho em nosso inconsciente coletivo.
Quanto ao cheiro, bem... aí já é entrar numa seara muito individual sobre a qual, cautelosamente, me abstenho de falar.


Até a ficção literária, essa grande prospectora das questões que angustiam a humanidade, também já entrou em ação. Bernardo Ajzenberg, prestigiado autor paulistano, lançou recentemente o romance “Minha vida sem banho”. Seu protagonista, por razões ambientais bem explicadas, houve por bem deixar de repetir esse hábito diário. Em protesto contra o "consumo desenfreado e irresponsável da água”, decide levar à frente seu radical projeto individual, com algumas consequências. Uma leitura que recomendo, diga-se de passagem.
 

Com tudo isso, portanto – e antes que comece a faltar água também em Goiás, se é que já não está começando a faltar como no Rio de Janeiro e em Minas Gerais - achei apropriado compartilhar com vocês uma alternativa ao que dizem os dermatologistas citados, uma invenção que considero mais inteligente. Vem da minha querida prima Marizete que, com grande sabedoria, aconselha há tempos o oportuno “banho da meia-noite” que, se tomado exatamente ao ritmo dos ponteiros, vale para o dia que passou e para o seguinte.

mariajosepeixotodasilveira@gmail.com