voltar para a página da escritora

 

Influências perniciosas

por Maria José Silveira

 

 

 

Bourguereau, 1895, A Leitora

 

 

"Gosto de alguns de seus escritos, mas Clarice não está em meu panteão. Inclusive quando a li pela primeira vez não me tocou."

 

Acho que sou o que se pode chamar de uma falsa tímida, ou dito de maneira lisonjeira, “uma tímida ousada”, como Clarice Lispector se auto definiu uma vez. E esse, a rigor, seria o único traço que poderia, de alguma maneira longínqua, me aproximar dela. Gosto de alguns de seus escritos, mas Clarice não está em meu panteão. Inclusive quando a li pela primeira vez não me tocou. Creio que foi “A Paixão segundo G.H.”, que não reli, nem quero.

Hoje, reconheço sua genialidade em muitos contos e metáforas de arrasar, mas continuo não gostando de vários de seus livros. E não compreendo a quantidade de imitadores que ela teve e tem, em geral desastrosos na tentativa de recriar suas metáforas que chocam e iluminam, sem atentar que só aparentemente elas são incompreensíveis, e que sua força vem justo desse “aparentemente”. É nesse sentido que eu digo que sua influência foi e continua sendo perniciosa, não por conta dela mas pelo que fazem dela.

Outro que deixou influência parecida em nossa literatura foi Guimarães Rosa, esse, sim, um dos meus escritores amados, figura de destaque entre os que considero grandes. Seus imitadores se esquecem de que sua genialidade veio da sabedoria em escutar e copilar a fala dos sertanejos que conheceu tão bem. O que ele criou foi uma maneira de servir à linguagem  e à cultura deles, sua paixão. Pouquíssimos dos influenciados por ele fazem isso; a maioria pensa que o bacana é inventar palavras, e lá vão eles, achando que fazem bonito criando uma linguagem falsa – e falsa, nesse caso, nada tem a ver com ousada.

Outro pernicioso: James Joyce. Desse nem falo muito. Reconheço sua importância mas, como Clarice, tampouco o coloco em meu panteão. Aliás, minto: coloco em meu panteão a maneira como ele estrutura “Ulisses” e o monólogo final de Molly Bloom. Mas os que se dedicam a copiar seu carrilhão de palavras-bêbadas são, literalmente, insuportáveis. Felizmente, são poucos os que o crivo das editoras deixa passar.

Outro que foi o responsável pela proliferação dos – literalmente – inúmeros buracos que encontramos nos contos infantis: Lewis Carroll e sua Alice caindo na toca do Coelho Branco. A quantidade de vezes em que se cai em algum tipo de buraco nos livros para crianças é espantosa, para não dizer perigosa. Quer ver?, repara.

 E por aí vai. Esses monstros sagrados que quase todo mundo conhece – ou diz conhecer – são tão enormes que deixam sua marca boa e, apesar deles mesmos, sua marca má.

É assim não só na literatura mas em todas as artes. Vejam um Picasso. Seus imitadores são tantos por aí que até enjoa. Vejam um Niemeyer: esse, então, é pior porque no final passou a imitar a si mesmo. Vejam um Goddard – mas esse tão difícil de imitar que, felizmente, seus imitadores minguaram. Vejam uma Channel. Na música agora não me ocorre, mas certamente tem os seus.

Aliás, o que mais encontramos por aí são imitadores. Os grandes inovadores, na vida real, são raros.  

 

mariajosepeixotodasileira@gmail.com