Escolhas 

                        Maria José Silveira

Anibal Carrasci - Hércules na Encruzilhada, sec. XVI

 

 

 

 

 

 

 

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A certa altura de nossa vida, percebemos que de fato somos, muito claramente, consequência das escolhas que, dentro de nossas circunstâncias, possibilidades e acasos, fomos fazendo no decorrer dos anos. E então reconhecemos como certas escolhas que fizemos – e por certo ainda faremos - são fundamentais.

Mas e a sorte? Claro, o acaso da sorte! Como dependemos dele!

Escolhas e acasos, podemos dizer que a somatória deles determina nossa vida e, de certa forma, nos define. Incluindo aí também todas as imprevisibilidades e injustiças que a vida é tão pródiga em baixar sobre nós.

Mas não quero falar das escolhas cujos resultados se transformam em catástrofes, como sair de casa um minuto mais cedo justo quando alguém sai um minuto mais tarde e o encontro na esquina vira um desastre. Quero falar das escolhas quase naturais que não pensamos muito ao fazê-las. Ou, outras, frutos de acasos (bons ou maus, mas não catastróficos) que chegam e as determinam.

São tão partes de nós mesmos, que vão desde o que vamos ou não comer – quando temos essa alternativa, - que profissão seguir, com quem passar nossa vida, ter filhos ou não ter, viajar ou não viajar, mudar ou não de cidade, falar ou não com sicrano, fumar ou não fumar, beber ou não, levantar ou não da cadeira para dar uma caminhada: nossa vida é continuamente feita de escolhas miúdas, pequenas, grandes, e enormes. Como também daquelas que nos parecem pequenas de início e podem nos levar a caminhos insuspeitados. E as que podem ser dilacerantes e provocar enorme sofrimento.

Há pessoas que se deixam consumir por elas, ou que se atormentam tanto que, quando por fim decidem, passam depois parte da vida lamentando os caminhos que não seguiram. Outras pessoas, no entanto, vão fazendo suas escolhas quase sem perceber que, a cada momento, as fazem.

Aprender a viver talvez seja aprender a fazer escolhas.

O que tem duas consequências interessantes.

A primeira é que nos faz, pelo menos em parte, responsáveis pelo rumo de nossa vida, ainda que apenas dentro das limitações em que os grandes acasos nos colocam, a começar pelo nosso nascimento e suas circunstâncias. Boas ou más essas circunstâncias, no entanto, não é difícil constatar os momentos que, a partir do nosso alcance por mínimo que seja, escolhemos que alternativa seguir.

 A segunda, como consequência, nos mostra que, embora limitados por essas mesmas circunstâncias, podemos muitas vezes recusar o papel de vítimas, e de impotentes. Lamentavelmente, nas grandes tragédias e injustiças da vida, somos em definitivo vítimas e impotentes, mas ainda assim, mesmo aí, talvez nos reste uma miúda escolha: a maneira de enfrentá-las.

Nesses casos, sem dúvida, é mais fácil dizer que fazer. Mas quero crer que, na maioria das vezes, há uma escolha, por mínima que seja. Tipo assim (exagerando e seguindo a radicalidade das filosofias): a bala na cabeça ou a resignação.

 

 

(Publicado em “O Popular”, 17/11/13)