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A Tristeza de Deus conto de Isabel Fomm de Vasconcellos, do livro de Natal, Primeiro Chegam os Anjos
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Procurava Ele algum lugar onde
houvesse as condições ideais para a Sua manifestação. Seria um
milagre e um presente de Natal para quem houvesse criado realmente
aquele clima de renovação e esperança que, todos sabem, deve existir
na comemoração do nascimento de um de Seus filhos.
Travestido em ser humano, Deus
saiu a passear pela grande megalópole de São Paulo, Brasil, América
do Sul, à procura desse alguém.
As pessoas nas ruas pareciam
frenéticas, correndo para lá e para cá, os corações ocupados com os
mais variados sentimentos. Ansiedade aos montes, muita preocupação
com presentes de Natal, falta de dinheiro, desempenho nas festas,
decoração de mesas e ambientes, planos para férias longas ou curtas.
Na alma daqueles que iriam comemorar o nascimento de Cristo, Deus
muito encontrou preocupação com futilidades, competição e status.
Caminhou pelos centros de
compras, admirou as belíssimas composições de enfeites e os mais
variados tipos de imagens do Papai Noel, que se espalhavam por toda
a parte. Ficou encantado ainda com o capricho dos presépios, dos
mais simples aos mais sofisticados, que reproduziam a cena do
nascimento de Seu filho.
Como, apesar do clima de festa
e dos inúmeros objetos de decoração, não conseguiu encontrar, em
parte alguma, o verdadeiro espírito de Natal, resolveu tentar nos
templos religiosos. Nestes também havia preparativos e certa
ansiedade. As igrejas se enfeitavam, os sacerdotes se preparavam, os
altares se glamorizavam, tudo visando a celebração da Missa do Galo.
Freiras se trombavam pelos corredores dos templos, ansiosas e
apressadas, carregando batinas engomadas, toalhas de renda, cestas
de ofertas. Mas neca do Espírito de Natal.
Ainda era dia 23 e Deus sabia
que muitas empresas realizavam festas de Natal. Quem sabe, entre os
trabalhadores? Mas entre estes encontrou apenas o puxassaquismo, a
preocupação com promoções e melhores ganhos, hipócritas tapinhas nas
costas e falsos sorrisos.
Um pouco decepcionado, tentou
os bairros mais pobres. Lá havia muita revolta pela falta de
dinheiro para adquirir as maravilhas de Natal anunciadas na
televisão, muita tristeza por vítimas recentes da violência
cotidiana, muita inveja, rancor e ressentimentos pela situação de
injustiça social.
Assim, o dia ia terminando e
Deus caminhava pela calçada de uma grande avenida, ainda incomodado
pelo mau cheiro dos automóveis e pensando que, em algum lugar,
deveriam estar a Esperança e o Espírito de Natal. Mas, onde?
O sol se punha no horizonte,
atrás da montanha de prédios, e o Senhor estancou por um instante
sua marcha para melhor apreciar o belo espetáculo de cores do
poente.
Mas talvez – refletiu Deus – a
esperança esteja entre os pequeninos; quem sabe uma nova consciência
da importância de tudo o que está vivo e da extrema interdependência
que existe entre os seres, humanos ou não, esteja nascendo, afinal,
no coração das crianças.
Logo adiante havia uma escola e
Deus entrou, sem ser percebido, confundindo-se com as muitas pessoas
que por ali circulavam. As aulas estavam suspensas e, no anfiteatro
da escola, acontecia a Festa de Natal de alunos, pais e professores.
Deus apurou os olhos e fitou cada uma das crianças que lá estavam, à
procura da Esperança e/ou do Espírito de Natal na alminha delas. No
entanto, as tais alminhas estavam também contaminadas pelo espírito
da competição, pelo consumismo e até pela inveja.
Satanás trabalha bem nessa
terra – pensou Deus – Será que de nada adiantou o sacrifício do meu
filho? Será que nada restou das mensagens, ensinamentos, parábolas,
que ele tão bem cunhou como herança para esse povo?
Então rapidamente Deus se
lembrou do quanto a memória humana é fraca e de quanta distorção
havia sido colocada nos evangelhos. Lembrou-se ainda de como as
muitas religiões tinham praticado a intolerância, a usura, a maldade
e até a tortura e o assassinato, agindo em Seu Santo Nome.
Na verdade, das poucas vezes em
que viera a este planeta e fora visitar os templos religiosos, Deus
se lembrava de ter ficado profundamente irritado com a arrogância
daqueles que se diziam seus representantes e que, de fato, só
queriam aprisioná-Lo dentro de seus estreitos dogmas e paradigmas.
Como se Eu pudesse ser presa desses pequenos seres que raramente
sabem o que fazem – refletiu o Senhor.
Saiu rapidamente da escola e
foi procurar, já noite, a Esperança e/ou o Espírito de Natal, nos
hospitais. Neles encontrou doentes e parentes de doentes que
rezavam, ardentemente, pedindo a Ele que os livrasse de suas dores;
encontrou centenas de pessoas abnegadas que deixavam de lado as
comemorações de todos para se dedicar aos que sofriam. Mas, ainda
assim, dentro de suas almas, Deus via os sentimentos negativos, a
inveja, a cobiça, a supervalorização do ego, exatamente como
encontrara em outros lugares.
Tentou ainda as delegacias de
polícia e as cadeias em geral. Missionários pregavam a bondade,
falando em Seu nome àquelas almas supostamente perdidas;
funcionários davam duro se revezando em plantões quando as outras
pessoas se revezavam em festas. Mas ali também, nem sinal da
Esperança ou do Espírito de Natal.
E assim foi Deus, de lá para
cá, entrando em residências, repartições públicas, empresas,
fábricas, lojas, templos, salões de beleza, em todos os lugares.
Passou toda a antevéspera e todo o dia da véspera de Natal nessa
peregrinação. Encontrou muita gente boa, bem intencionada e sincera,
no meio de muita gente falsa e maldosa. Mas em lugar algum encontrou
a Esperança e o Espírito de Natal, que Ele julgara estarem presentes
nessa época de festas, quando se comemora o nascimento de Seu filho.
Todas as almas, até as melhores, pareciam ter se contaminado de
alguma forma pela competição materialista de que se revestira o
Natal.
Já começavam nas casas as
festas e se aproximava a hora da ceia quando Deus resolveu que
teria, afinal, que ter uma conversa séria com seu arquiinimigo, o
Diabo. Como Satanás gosta dos altos montes, Deus resolveu subir ao
terraço de um grande edifício para, de lá, convocar o Demônio e ter
com ele uma conversa muito, muito séria. Deus não estava nem um
pouco disposto a permitir que o diabo continuasse a emporcalhar os
sentimentos dos humanos, com tanta inveja e materialismo, mas também
não estava nos Seus planos mandar o Espírito Santo criar um novo
Cristo. Um, para essa terra, em dois mil anos, já deveria ser mais
que suficiente. Mas o demônio estava passando dos limites. Como
conseguira ele impedir que os anjos, que sempre chegam primeiro no
Natal, viessem à Terra soprar pensamentos de amor e tolerância nos
ouvidos dos humanos? Deus estava perplexo por não ter encontrado
nenhum anjo nesses dois dias que passara na Terra. E nem sinal da
Esperança ou do Espírito de Natal. Ah, Satanás ia ter que se
explicar! Como fugira dessa maneira às regras? Era ele, o diabo, que
andava insuflando o materialismo global, a competição desmedida, a
intolerância, a supervalorização do ego, a vaidade do poder... E em
pleno Natal! Era um desaforo.
Muito bravo, Deus escolheu um
alto prédio no bairro do Itaim, para, do heliporto, convocar Seu
inimigo para um acerto de contas. Pegou o elevador e estava no meio
da subida, quando tudo escureceu e o elevador parou. Imediatamente,
ouviu a voz da ascensorista:
– Não se preocupe, meu senhor.
Isso tem acontecido sempre nos últimos dias. Esse bairro tem tido
problemas com o abastecimento de energia. Mas possuímos gerador
próprio e logo tudo se normalizará.
– Você vai ficar aqui
trabalhando? – perguntou Deus à moça. – Não vai para casa comemorar
o Natal?
– Não senhor. Hoje há um evento
aí na cobertura, o senhor sabe, eles estão dando uma baita festa de
Natal. Além da hora extra, vou receber também uma gorda gratificação
e, o senhor sabe, sou pobre e esse dinheiro é muito bem-vindo. Com
ele, vou poder pagar algumas contas atrasadas e garantir o material
escolar da minha filha, no ano que vem. Nossa! Como estão demorando
hoje para ligar o gerador!
– E a sua filha, vai passar o
Natal sem você?
– Ah, mas ela já entende, sabe?
Ficou na casa da avó, lá em Heliópolis. E ela sabe que amanhã é um
dia mais importante que hoje, amanhã é que é o dia do nascimento de
Nosso Senhor Jesus Cristo e, se Deus quiser, nós vamos fazer um
almoço caprichado lá em casa, só eu e ela, para comemorar. O senhor
é cristão? |
ilustração: Suely Pinotti
Primeiro Chegam os Anjos autor: Isabel Fomm de Vasconcellos ilustrações: Suely Pinotti formato: Capa dura, 18c18cm páginas: 125 ISBN: 978-85-61080-20-4 Barany Editora
Comecei a escrever contos de Natal em 1991. O primeiro deles -- que não está no livro -- falava do meu encontro com o meu Anjo da Guarda, enquanto decorava a casa para o Natal.
Muitos de nós podem dizer que não se importam com o Natal, mas, de fato, ninguém fica indiferente a esta que é a maior festa da família cristã.
Eu não sou religiosa, embora seja cristã. Briguei com a igreja Católica na adolescência, decepcionada com o machismo e, principalmente, com a História de religião católica que, em nome de Jesus Cristo, passou seus séculos torturando e matando o que ela chamava de bruxos (principalmente bruxas) e que hoje chamamos ou de cientistas ou de esotéricos.
Mas, como cristã, eu gostaria que a sociedade em que vivo se importasse menos com a ostentação e com a competição do Natal e mais com o verdadeiro espírito cristão.
Pouco importa se Jesus Cristo nasceu ou não num 25 de dezembro. Pouco importa todo o resto, relativo a ele e ao Natal, diante dos ensinamentos que ele nos deixou e que poucos, de fato, conhecem e muito menos praticam.
De 1991 em diante, em quase todos os dezembros, escrevi uma história de natal. Não para ser publicada. Mas porque sou uma escritora.
Júlia Barany, minha editora, reuniu todos nesse livro, com ilustrações da Suely Pinotti, a viúva do nosso saudoso Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti.
Foi concebido como um livro presente e já vem com o cartão de Natal.
Espero que você goste dele. E que o compreenda. Um beijo. Feliz Natal.
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– Sou sim, minha filha. Mas só
você e ela? E o pai dela?
A ascensorista riu:
– E você não tem ninguém, além
dela e da sua mãe?
– Meus irmãos estão presos. O
senhor sabe: mexiam com drogas. Meu pai morreu já faz tempo e a
minha mãe é cozinheira de uma casa grande nos jardins. Amanhã ela
vai trabalhar, fazer o almoço de Natal dos patrões.
– Você gosta de ler? –
perguntou Ele.
– Ah, gosto muito. E aqui,
nesse trabalho, sempre dá pra se ler um pouco.
O elevador parou e a porta se
abriu para o elegante hall da cobertura. Havia música e um alegre
burburinho de muitas vozes, tilintar de cristais.
– Pronto, moço, é aqui.
– Não – disse Deus – Eu não vou
à festa. Vou ao heliporto.
– Mas já é noite – retrucou a
ascensorista.
– Mas é lá que eu vou.
A moça fechou a porta do
elevador e olhou para Deus, bem dentro dos olhos d’Ele:
– O senhor não vai fazer
nenhuma besteira vai? Bem que eu notei o seu semblante triste. Não
está pensando em se atirar lá de cima bem na véspera do Natal, está?
Não faça isso – disse ela com energia e apertando o botão do térreo
– Eu não vou permitir. Sempre há uma esperança, eu não sei qual é o
seu problema, mas tudo tem solução na vida, moço.
Deus sentiu uma sinceridade tão
grande nas palavras dela, que lágrimas vieram- Lhe aos olhos. Quando ela viu os olhos d’Ele marejarem, tomou uma decisão. Estancou o elevador. Se chegassem convidados, que esperassem. Aquele homem sem dúvida estava precisando de ajuda e ela não se negaria a ajudá-lo. Se o patrão a
despedisse ou tirasse a sua
gratificação por isso, que se danasse! O que era, afinal, o dinheiro
diante de uma vida? Naquele momento ela teve certeza de que ele ia
mesmo se matar.
– Olhe, o senhor vai me
prometer aqui e agora, vai jurar por Deus, que vai mudar de ideia.
Nada pode ser tão ruim assim que faça o senhor querer tirar a
própria vida e ainda mais na véspera de Natal! Eu não sei o que
aconteceu na sua vida, mas o senhor está aqui, vivo e com saúde.
Pode recomeçar, reconstruir. Se o senhor perdeu um amor, vai achar
outro. Se perdeu todo o seu dinheiro, pode ganhar tudo de novo.
Creia em Deus, tenha fé. Olhe, se o senhor está muito sozinho, eu
dou um jeito de o senhor ficar aqui no prédio, tem o quartinho do
zelador, lá tem TV e eu posso emprestar o meu livro, o senhor fica
aqui até acabar o meu turno, depois eu levo o senhor pra minha casa
e amanhã o senhor almoça comigo e com a minha filha. A gente fica
conversando, o senhor vê outras pessoas, outros ares... Por favor,
não se mate! Deve haver alguém que o senhor ame, que ame o senhor...
– Minha filha, você é muito boa
pessoa. Eu já estou até me sentindo melhor – respondeu Deus,
entrando na dela. – Mas... Levar-me para a sua casa? Você nem sabe
quem sou eu. Posso ser um bandido, um maníaco...
– O senhor? – riu ela – Nem
pensar! Só de olhar a gente já vê que o senhor é uma boa pessoa. Eu
não quero me meter na sua vida, só quero que o senhor mude de ideia
e não se mate. Amanhã é outro dia.
– Vamos lá, minha filha. Mova
esse elevador antes que apareça alguém querendo subir e vá reclamar
do seu serviço. Você já me ajudou, tenha a certeza.
– Olha, moço, o senhor pode ir
procurar ajuda lá no HC ou telefonar para o CVV de um orelhão. Ou
melhor, se o senhor está sem celular, posso emprestar o meu... Se o
senhor está desesperado, saiba que tem gente ainda pior que o senhor
e todo mundo sempre encontra ajuda, de um jeito ou de outro.
– Você já me ajudou, minha
filha. Vamos, mova logo esse elevador. Deve ter gente lá embaixo
querendo subir.
– O senhor jura por Deus que
não vai mais se matar?
– Juro.
– Então eu acredito. Mas se
quiser ir almoçar com a gente no dia de Natal, é só vir aqui lá
pelas cinco da manhã, quando eu vou largar o trabalho e a gente pode
ir junto.
– Não, eu lhe agradeço muito,
mas você já me ajudou. Você tem razão. Amanhã é outro dia e tudo vai
melhorar. O meu momento de fraqueza já passou. Ela abriu um lindo sorriso, deu-lhe um tapinha amigável na mão e fez descer o elevador. Disse ainda: – Tenha fé em
Deus e tudo se resolverá, o
senhor vai ver.
Quando a porta se abriu, uma
multidão de grã finos invadiu o elevador e ela mal O viu sair.
Lá fora, Deus olhou para o céu.
Era uma noite quente e clara. No alto do prédio, nem sombra do
Demônio. Uma grande paz invadiu o coração do Senhor e ele viu,
descendo por entre as estrelas, uma multidão de anjos e, com eles, a
Esperança e o Espírito de Natal.
– A minha condição humana me
enganou – concluiu Deus. – Era Eu quem estava olhando pelos olhos
deles.
E, em paz, despiu-se de seu
provisório corpo e alçou voo para a constelação de Andrômeda, onde
estava sendo esperado. Na Terra, finalmente, era de novo Natal.
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De:
Osmar de Almeida Marques [mailto:oamarques@hotmail.com]
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dia,
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