Capítulo 8 – O
avestruz, o abuso e o aborto
(Sexo Menstruada/ Abuso Sexual e estupro/ Aborto)
Lilian, Amélia e Marianne foram se tornando mais próximas, mais amigas.
Certa tarde, na escola, depois das aulas, conversavam em uma mesa do
jardim, ao mesmo tempo, entre si e com seus celulares. O assunto era, de
novo, menstruação e as telas estavam abertas na página da Dra.
Guilhermina, no Facebook. Riram muito do trecho em que a doutora falava
sobre Sexo e Menstruação.
“Do ponto de vista da saúde, não há qualquer inconveniente – nem para a
mulher, nem para o homem. Seria muito autoritário da minha parte dizer a
vocês que tenham ou não relações durante o período do sangramento. O
relacionamento sexual de cada indivíduo acontece de uma maneira que é só
dele e isso deve ser respeitado. Assim, se um dos parceiros não se sente
à vontade em relação a isso, os dois devem conversar e decidir o que é
melhor para ambos, fazer ou não amor durante o período de sangramento
menstrual” – dizia o texto.
As meninas riam muito, em parte por acharem mesmo engraçado, em parte
pelo ainda grande constrangimento que tinham – a despeito de julgarem a
si próprias como livres de preconceitos – em falar sobre a vida sexual,
em que, aliás, apenas Marianne tinha alguma experiência.
-- Já imaginou? – disse gargalhando Lilian – A turma da faxina chegando
de manhã no apartamento e dando de cara com um lençol, na cama de casal,
todo manchado de sangue? Iam pensar que alguém tinha sido assassinado!
-- E quem fosse recolher a roupa de cama pra lavar, então? – ria Amélia
– Aquela nojeira toda...
De repente, calaram-se, vendo que Rita – o avestruz, como a chamavam no
colégio – vinha caminhando em direção ao grupo.
-- Eu queria falar com vocês – disse Rita, sentando-se no banco em volta
da mesa, sem pedir licença.
As meninas, sem exceção, surpreenderam-se pela abordagem. Afinal, todos
sabiam que Rita se recusava a se enturmar, fosse com que grupo fosse,
que vivia com a cara metida no celular, mal olhando para alguém, sempre
lendo. Lilian lembrou-se do dia em que um menino arrancou o aparelho das
mãos dela e saiu correndo pelo pátio e gritando: “Vamos ver em que terra
o avestruz tem a cara metida. O que está lendo a Rita avestruz agora?”.
-- Machado de Assis – sentenciou o professor que, por sua vez, se
aproximara rápido e tomara o celular das mãos do menino.
Houve um silêncio sepulcral no pátio. Machado de Assis? Como alguém
poderia estar lendo o Machado por livre e espontânea vontade? – era o
pensamento de todos.
O professor foi até Rita, que permanecia muda olhando a cena, e
devolveu-lhe o celular. Depois acariciou de leve a cabeça da menina:
-- Gosta de literatura, então? – perguntou ele à Rita que apenas
balançou a cabeça afirmativamente e murmurou um quase inaudível
“obrigada, professor”.
Depois disso, todos preferiram ignorá-la, afinal alguém que lia, por
gosto, o que todos liam (ou fingiam ler) por obrigação, era alguém
esquisito demais. E, para a garotada, alguém esquisito demais poderia
sempre ser alguém perigoso demais.
Por tudo isso é que três pares de olhos assustados ergueram-se para Rita
quando ela se sentou, sem ser convidada, à mesa das amigas.
Absolutamente não combinava com ela aquela atitude!
-- Vocês me perdoem – começou Rita a dizer com sua voz baixa e aveludada
– mas eu ouço sempre vocês falando em menstruação e queria saber se
podem me dar algum endereço confiável na Internet para eu me informar.
-- Existem centenas de sites que falam em menstruação – Respondeu, meio
irritada pela interrupção, Marianne.
-- Sim, eu sei – disse Rita – Mas percebo que nem todos são confiáveis.
Alguns querem claramente vender alguma coisa, outros contradizem o que
está escrito em outros lugares.
-- Nós sempre lemos a Dra. Guilhermina Dacena – respondeu Lilian. É a
médica minha e da Amélia aqui. Confiamos nela.
-- Guilhermina Dacena – repetiu Rita, já teclando e se levantando –
Muito grata.
-- Espere – disse Amélia. – Por que não fica um pouco com a gente? Por
que você nunca conversa com ninguém? Você se acha melhor do que a gente?
Rita olhou para Amélia, assustada.
-- Não, de jeito nenhum. Eu me acho pior, pra ser sincera.
-- Como pior?
-- Não sei. Minha mãe diz que eu sou diferente das outras meninas da
minha idade porque só gosto de ler, navegar e ver TV, só as séries e
documentários. Ela fala que eu preciso sair, em grupo, sabe? Fazer o que
todo mundo faz: ir ao shopping, cinema, balada, essas coisas.
-- E por que você não faz nada disso? – perguntou Marianne.
Rita torceu uma mecha de cabelo.
-- Eu prefiro ler.
-- É louca mesmo, a avestruz – riu Amélia e todas riram com ela.
Rita corou e fez menção de se levantar.
Lilian, delicadamente, pousou a mão na perna de Rita, indicando que ela
deveria sentar-se e disse:
-- Olha, você podia sair com a gente no sábado. Montaram uma pista de
patinação no gelo no shopping aqui perto. Minha mãe vai nos levar, nós
vamos nos encontrar na minha casa. Venha também. Vai ser divertido.
-- Eu não sei patinar – disse Rita.
-- Ninguém aqui sabe, só a Lilian que já foi à Disneyworld. A gente
aluga os patins e tem instrutores, nós vamos aprender – disse Amélia.
Rita pareceu hesitar.
-- Onde você mora? – perguntou à Lilian, que respondeu, dando o
endereço.
-- Eu conheço o seu condomínio. Moro no prédio do outro lado da avenida.
-- Ótimo! – disse Lilian, animada – Então você vai lá em casa e iremos
todas juntas! E, rápida, antes que a outra fizesse novamente menção de
se retirar: -- Você quer saber alguma coisa específica sobre
menstruação?
-- Ah... É um pequeno problema que eu tenho e o médico do convênio não
me explicou direito. Nem pra mim, nem pra minha mãe, que me levou na
consulta. Mas nada sério.
A mãe de Rita, Susana, a levara ao médico porque a menstruação da garota
vinha diminuindo visivelmente. O médico fez várias perguntas e mandou
fazer muitos exames para verificar se Rita sofria de anemia, ou estava
desnutrida, se tinha alguma infecção ou algum tipo de contaminação por
chumbo ou cobre. Perguntou se ela tomava pílula, se andava estressada,
se tinha tido algum abalo emocional nos últimos tempos. Diante de
resposta negativa aos exames e a todas essas questões, só restou ao
médico um diagnóstico: Sinéquia.
Sinéquias são barreiras formadas dentro do útero, quando alguns pontos
das paredes dele se “colam”. Isso acontece por excesso de raspagem numa
curetagem, num aborto.
Por consequência das sinéquias, o endométrio não cresce direito e a
descamação dele é menos intensa, diminuindo a menstruação em quantidade
e em número de dias.
Que a menina, embora jovem, não era virgem, o médico sabia, pois a
examinara, sabia também que muitas meninas, principalmente as de família
com algum poder aquisitivo, acabam recorrendo ao aborto clandestino para
livrarem-se de gravidezes indesejadas.
Aliás, indesejadas quase sempre pelas próprias famílias, mais do que
pelas próprias meninas. A experiência clínica mostrava a ele que muitas
meninas passavam a se julgar importantes por estarem grávidas, por
desfrutarem de alguns privilégios que algumas mulheres possuem durante
os nove meses da gravidez. Evidentemente, não pensavam – eram jovens! –
nas consequências funestas de uma gravidez muito precoce. Outras
pareciam estar apaixonadas e tinham a ilusão que o rapaz que as
engravidara ficaria com elas para sempre, por causa do filho.
Indicou uma histerosalpingografia, um exame onde se injeta um líquido de
contraste na vagina e radiografa-se para detectar obstruções. Em caso
positivo, quando se confirma o diagnóstico de sinéquia, é feito um
“descolamento”, sob anestesia, e coloca-se um DIU para que as paredes
não voltem a colar. Em oito meses, o DIU é retirado. Na maioria absoluta
dos casos, o tratamento é um sucesso.
O tratamento é necessário porque as sinéquias não interferem apenas na
quantidade e duração da menstruação, mas também modificam o endométrio e
obstruem as trompas, impedindo a passagem dos espermatozoides e causando
assim a esterilidade feminina.
Como o aborto, além de ilegal na maioria dos casos, é um assunto muito
delicado, o médico indicou o exame e não deu maiores explicações sobre
sinéquias, deixando Susana e Rita no escuro. O exame estava marcado para
semana seguinte e as poucas informações que Rita encontrara, na
Internet, sobre sinéquias nem sempre batiam uma com a outra.
Rita fôra uma das muitas vítimas, no Brasil e no mundo, de violência
sexual.
Susana, viúva logo depois do nascimento de sua única filha, casara-se
novamente quando a menina tinha 11 anos de idade. O padrasto se mostrava
extremamente amoroso tanto para com a mãe, como para com a filha.
Viajavam juntos, os três, sempre que havia feriadões e nas férias
coincidentes.
Susana trabalhava como produtora de Rádio e TV numa grande agência de
propaganda e era comum chegar muito tarde em casa. Antes de casar-se
novamente, tinha uma empregada doméstica que chegava ao meio-dia, quando
Rita estava voltando da escola, e saía às 8 da noite, para que a menina
não ficasse só quando as produções do trabalho de Susana se estendiam.
Depois do casamento, por sugestão dele, abriram mão do horário
diferenciado da empregada, já que ele poderia chegar em casa por volta
das 6, pois seu trabalho, nos escritórios de uma grande indústria, se
encerrava às 5.
Quando Rita tinha 12 anos, começou a ter muitos problemas de
relacionamento. Antes, uma menina alegre e de fácil convivência, tinha
muitos amigos e fazia aulas de dança, ballet clássico e popular.
Primeiro, disse que não queria mais o ballet. Depois foi se isolando
cada vez mais. Vivia trancada no quarto, em frente ao computador, ao
celular, à TV. Começou a se interessar apenas por literatura e por
documentários e séries históricas na TV.
A mãe demorou a perceber a mudança, já que saía todos os dias muito cedo
e voltava muito tarde, às vezes trabalhando até nos finais de semana.
Foi a empregada, Daise, que estava na casa desde que Rita nascera, quem
alertou Susana para a mudança.
-- Você deveria investigar o que está havendo com Rita. Ela mudou muito
desde que você se casou. Era uma menina alegre, cheia de amigos, agora
ficou muito quieta, solitária, sempre lendo ou vendo TV.
Susana começou a observar a filha com outros olhos. E concluiu que seu
casamento havia afetado demais a menina, que, de fato, ela começara a
mudar já havia algum tempo e esse tempo coincidia com o momento em que
seu novo marido fôra morar com elas.
Levou a menina ao psicólogo. Ele aconselhou uma primeira visita ao
ginecologista, já que ela já menstruava e a mudança poderia estar ligada
às mudanças hormonais da puberdade. Notara também, explicou ainda à
Susana, uma certa hesitação da garota em falar do padrasto.
-- Acha que ela está com ciúmes? – perguntou Susana.
-- Não creio – respondeu o psicólogo – Ela parece, mas é não saber se o
ama ou se o odeia. Eu lamento dizer isso, mas a sua filha tem algumas
características típicas das crianças que, de alguma maneira, são
abusadas.
O estupor tomou conta de Susana:
-- Como assim? Abusada? Você quer dizer sexualmente abusada?
-- Sim. — respondeu ele -- Eu ousaria dizer que tenho certeza disso,
embora haja uma pequena possibilidade de erro em minhas conclusões.
-- Mas..., mas... quem?... Ela frequenta uma escola particular acima de
qualquer suspeita. Tenho certeza que nenhum dos funcionários ou mesmo os
professores...
-- Acredito que seja alguém de seu círculo mais íntimo, como ocorre em
cerca de 70% desses casos, talvez alguém que frequente sua casa, um
parente, primo, tio. Consegue pensar em alguma possibilidade? Alguém a
quem ela rejeite publicamente, sem razão clara, por exemplo?
Imediatamente uma imagem veio à mente de Susana. Rita com ela e o marido
na sala, vendo TV. Levanta-se e anuncia que vai dormir. O padrasto
pergunta se ela não vai lhe dar um beijo de boa noite. Ela sai correndo
para o quarto.
Ante a expressão de horror que tomou conta do rosto de Susana, o
psicólogo pergunta:
-- Lembrou-se de alguém? De alguma possibilidade?
Susana responde, ainda horrorizada:
-- Não... Não pode ser... Eu me lembrei de um dia em que ela se recusou
a dar um beijo de boa-noite no meu marido, mas poderia ter inúmeras
razões para isso... Ele não... Ele não seria capaz de uma barbaridade
dessas.
-- O abuso, muitas vezes, vem de onde menos se espera. No entanto o
assunto é sério demais para que se julgue levianamente. Além disso, como
eu lhe disse, sua filha tem as características de comportamento das
crianças abusadas, mas eu posso estar errado.
Susana marcou hora em sua ginecologista para a filha. Saindo do
psicólogo, no carro, perguntou à menina:
-- Você gostou do Dr. Maurício?
Rita balançou afirmativamente a cabeça.
-- Ele foi legal com você? Gostaria de voltar lá?
-- Mãe, você acha que eu sou louca? – perguntou a menina.
-- Claro que não, minha filha! Que ideia!
-- Então porque me levou no médico de loucos?
-- Ele não é médico, Rita. É psicólogo. Olha, todas nós, mulheres,
quando estamos começando a nossa fase reprodutiva, ou seja, quando
ficamos mocinhas, temos que ver se a mudança dos nossos hormônios...
Hormônios são...
-- Eu sei o que são hormônios – interrompeu a menina.
-- Então – continuou Susana – Precisamos saber como as nossas mudanças
hormonais podem estar mexendo com as nossas emoções... Você era uma
menina tão expansiva, comunicativa... Agora mudou muito, só vive fechada
naquele quarto, só quer ler, ver TV, Internet...
Lágrimas vieram aos olhos da menina. Susana entrou na primeira rua que
viu e parou o carro.
-- O que está havendo, Rita? Conte pra mamãe – disse ela abraçando a
filha.
Rita, aconchegada no calor da mãe, começou a chorar convulsivamente:
-- Ele vai matar você! Ele vai matar você – soluçava a menina.
-- Quem vai me matar, Rita? Ninguém vai me matar, minha filha. O que
está havendo? – perguntou Susana, agora com a absoluta certeza de que
alguém estava mesmo abusando de sua filha. E a, menina, ainda soluçando:
-- Ele disse que se eu contar para alguém, ele mata você.
-- Não mata não, minha filha. Vamos à Delegacia da Mulher denunciar esse
sujeito que está assustando você. Quem é ele?
-- Você não vai querer denunciar ele, mãe! – gritou Rita, em desespero.
-- Quem é ele, Rita? Me diga agora! – disse Susana enérgica.
E a menina, entre soluços:
-- É o papai, é o papai. Quando ele chega do trabalho e a Deise vai
embora, ele me manda ir pro banheiro tomar banho na hidromassagem, faz
espuma e depois entra lá também... No começo era divertido, ele me fazia
cócegas, e me fazia carinho, o que eu gosto, mas depois começou a me
machucar e, se eu grito, ele empurra minha cabeça dentro d’água e eu
engasgo e choro e ele fala pra eu calar a boca e me bate e fica me
machucando um tempão, depois vai embora e manda eu me vestir e fala que,
se eu contar para alguém, ele mata você quando você estiver dormindo...
Susana abriu a porta do carro, pôs a cabeça pra fora e vomitou no meio
fio todo o seu horror e todo o seu desespero.
Depois abraçou novamente a filha e disse:
-- Ele não vai me matar, filhinha, não tenha medo. Ele vai, mas é pra
cadeia. E ninguém mais vai machucar você, a mamãe está aqui pra te
defender. Ele fez isso ontem, com você?
A menina balançou a cabeça afirmativamente. Susana tirou o celular da
bolsa. -- Vou pedir à minha médica para nos atender já, é uma
emergência. Vamos à médica, ela vai te examinar e depois iremos à
delegacia da mulher.
A médica que as atendeu confirmou que a menina estava tendo relações
sexuais, pela vagina e pelo ânus. Colheu material para testes e deu um
atestado a elas, para que encaminhassem à delegacia. Depois disse:
-- Apesar do meu atestado, a polícia pode pedir um exame oficial.
-- Como assim, oficial? – perguntou Susana.
-- No IML.
-- Ah, não! Eu não vou permitir isso.
-- Então converse francamente com a delegada.
Susana conversou. E chegou à simples conclusão de que a delegacia podia
fazer muito pouco para protege-las, mãe e filha.
Naquela noite, as duas dormiram num motel, fora da cidade.
E, no dia seguinte, depois de ignorar, em ambos os celulares, as
inúmeras chamadas dele, pegaram a estrada rumo à São Paulo, a 600km de
distância dele...
A menina reclamava:
-- Mas mãe... as nossas coisas, os nossos computadores, as roupas...
-- Compraremos tudo novo.
Por telefone, avisou Daise que faria suas contas e mandaria a quitação,
com todos os direitos, para a conta dela.
-- Mas eu não posso ir também, com vocês? – perguntou a moça.
-- Você tem sua casa, Deise, sua família...
-- Minha família é muito mais você e a Rita do que os meus pais e
irmãos. Se você disse que quer, eu pego um ônibus amanhã de manhã e você
me diz onde te encontrar. Inclusive, posso levar os laptops de vocês. E
também algumas roupas, as que vocês disserem.
Combinaram: Susana a pegaria numa estação do metrô da Paulista.
Telefonou para a agência, falou com o Diretor de Arte, que era muito seu
amigo. Eles tinham um escritório em São Paulo e logo conseguiram um
lugar para ela, ali. Alugou um outro apartamento, a poucas quadras do
escritório paulista de sua agência, matriculou Rita num colégio ali
perto e, em 15 dias, Susana, Rita e Deise estavam instaladas na nova
casa e na nova vida. Em seguida, procurou um advogado para denunciar o
marido por abuso sexual contra sua filha e para conseguir o divórcio.
Isso tudo acontecera dois anos antes. Mas o grande imprevisto viera,
então, quando a sua médica ligou para dizer que a sorologia da menina
estava em ordem, não havia nenhuma doença sexualmente transmissível, mas
que havia, sim, uma gravidez. O horror tomou novamente conta de Susana.
Como permitir que a filha tivesse um bebê de um abusador? Lembrou da Lei
do Aborto Legal* e, no hospital, a médica que a atendeu foi sincera:
-- Muito difícil de você provar isso! E a sua filha vai se submeter a
muitos constrangimentos, depoimentos, exames, essas coisas. Além de que
o processo pode demorar tanto que, quando chegar a autorização, talvez
já seja tarde demais.
Assim, Susana não teve outro recurso senão aquela clínica sofisticada e
caríssima, num bairro nobre da cidade, onde a menina sofreu um aborto,
ilegal e sob sedação, e nem soube que estivera grávida do abusador.
Depois de uma conversa pesada com o advogado de Susana, o marido
concordou em se divorciar e não manter mais nenhum vínculo com Susana
que não queria nada dele, já que eram casados com separação de bens
porque, naquela relação, só ela tinha bens, diga-se de passagem...
O advogado dela o ameaçou com um processo por assédio e abuso sexual de
menor, o que o enquadraria na categoria de pedófilo e contou a ele o que
os outros presos faziam aos pedófilos na cadeia.
Susana e Rita nunca mais ouviram falar dele.
Rita, hoje, ia regularmente a uma psiquiatra e, embora mantivesse seu
isolamento social, a mãe percebia que ela estava melhorando, que sorria
mais, e ficou extremamente feliz, pois encarou o fato como um começo da
superação dos traumas, quando a menina pediu para ir, levada pela mãe de
uma colega e mais duas amigas, patinar no gelo.
* Aborto Legal CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de
Dezembro de 1940
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
- se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de
consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante
legal.
- ou se o feto for anencefálico (desde decisão do STF pela ADPF 54,
votada em 2012, que descreve a prática como "parto antecipado" para fim
terapêutico).
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