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A Gravidez e Seus Mitos

do livro "Mergulho na Sombra", de Dr. Kalil Duailibi e Isabel Fomm de Vasconcellos

 

 

Mas a tendência da nossa sociedade, da nossa cultura, é pensar que as grávidas estão numa espécie de “estado de graça” e, ainda, que o ato de gerar uma vida é a suprema realização do sexo feminino. Esta visão fantasiosa do estado gravídico pode levar à incompreensão generalizada de tudo o que cada grávida, em particular, está vivendo durante a sua gestação.


Para compreender a depressão nas mulheres grávidas é preciso também compreender como e porque a gravidez, ao contrário do que se diz socialmente, pode ser um gerador de conflitos na vida das mulheres.
A prevalência de depressão nas grávidas é quase o dobro da prevalência na população: de 24 a 29%. Como sempre, os hormônios têm um papel importante neste índice. Mas quase nunca estão sozinhos.
 

A nossa cultura associa a gravidez a um período de alegre expectativa. Existe um respeito pela mulher grávida, para quem se cede o lugar no transporte coletivo e se dá prioridade nas filas de banco ou supermercado.
Mas nem todas as gravidezes geram nas mulheres esta alegre expectativa. Muitas delas não são planejadas, muitas são indesejadas e muitas significam mais um problema a se somar aos problemas cotidianos.
 

Há muitos fatores psicossociais ligados ao aparecimento da depressão na gravidez.
É claro que a história de vida de cada mulher, seu temperamento, sua maneira de ser, são únicas. Mas, em comum, todas têm o fato de que a primeira gravidez traz consigo uma drástica mudança de papel: deixa-se de ser filha, para tornar-se mãe.
 

Durante milênios, a maternidade era o único poder concedido à mulher.
Nossa cultura passou anos e anos endeusando e mistificando a maternidade, como alguma coisa muito nobre, sagrada, maravilhosa e gratificante. Na verdade, a venda destas idéias era apenas política. O mundo precisava dos filhos das mulheres, precisava de mão de obra. Hoje, ao contrário, os governos se preocupam com o controle populacional, com a ameaça da superpopulação.

A pensadora francesa Elizabeth Badinter, em seu livro “O Mito do Amor Materno” revela o estudo histórico que realizou e que mostra as mulheres dos séculos XVI a XVIII, na aristocracia e nas classes sociais mais privilegiadas, entregando seus filhos para serem criados por amas-de-leite. É dantesca a descrição de uma carroça cheia de bebês amontoados, dirigindo-se para alguma casa distante da cidade. As mulheres das cortes européias, nos séculos em que predominava a monarquia, não queriam saber de filhos. Elas estavam muito ocupadas com as intrigas da corte e com a manutenção de sua posição social. Os filhos eram criados por terceiros, por profissionais. Mesmo os filhos dos reis.
 

A proposta de Badinter é a inexistência desse sentimento que julgamos inerente ao sexo feminino: o amor materno ou mesmo o tal do instinto maternal.
 

É claro que, apesar deste pensamento, as mulheres sadias tendem a amar os seus filhos e que as gravidezes desejadas são períodos, embora difíceis pelas mudanças físicas que acarretam às mulheres, de grande satisfação e expectativa.
 

Mas a tendência da nossa sociedade, da nossa cultura, é pensar que as grávidas estão numa espécie de “estado de graça” e, ainda, que o ato de gerar uma vida é a suprema realização do sexo feminino.
Esta visão fantasiosa do estado gravídico pode levar à incompreensão generalizada de tudo o que cada grávida, em particular, está vivendo durante a sua gestação.
 

Para as mulheres que engravidam naturalmente, que têm uma família estável, um companheiro compreensivo e plenas condições financeiras para criar o filho que esperam, tudo parece mais fácil. Mas esta não é a situação da maioria das mulheres.
 

Muitas delas, envolvidas com seus estudos e com suas atividades profissionais, optam por não serem mães. Mas a pressão da sociedade, a família, o marido acabam fazendo com que ela ceda e engravide. Não se pode dizer que esta seja uma gravidez plenamente desejada.

 

 Mac McKay , Grávida Nua

 

A turma que gosta de tapar o sol com a peneira, costuma dizer que, mesmo quando uma mulher não quer o filho, a natureza, como que por milagre, faz surgir nela o amor e a aceitação do serzinho que ela está gerando... Conversa pra boi dormir.
 

Muitas mulheres realmente acomodam-se à gravidez indesejada e até começam a gostar da brincadeira. Mas, em contrapartida, muitas mais passam os nove meses com raiva e frustração por não terem conseguido “se livrar” do problema. Isso sem contar as que tentam todas as formas de aborto, como comprimidos ilegais, injeções milagrosas, ervas misturadas, agulhas de tricô e podem acabar gerando fetos com problemas.
 

Quase todas as mulheres de hoje, no nosso meio, perdem o seu melhor tempo fértil, adiando a gravidez para depois de muitas realizações de sua própria vida e, muitas vezes, têm que se submeter a tratamentos de reprodução assistida, num processo sempre complicado e gerador de grande ansiedade.
A idade ideal dos óvulos femininos (que já nascem com a mulher, diferentemente dos homens que passam a vida produzindo novos espermatozóides) está entre os quinze e os vinte e cinco anos. Grande parte das mulheres modernas quer ter seu primeiro filho entre os trinta e os quarenta anos. Fica mais difícil.
Então, quando não conseguem engravidar naturalmente, as privilegiadas de alto poder aquisitivo ou aquelas que se submeteram à longa espera das filas dos serviços públicos de reprodução humana, iniciam as tentativas usando os métodos da fertilização assistida, que vão desde a simples inseminação até a complexa técnica do “bebê de proveta”.
Nem todas estão preparadas (ou são preparadas pelas clínicas) para a dificuldade de alguns procedimentos envolvidos nesses processos ou para a grande ansiedade na espera do resultado positivo, cuja chance é sempre menor do que a chance da natureza.
O stress e ansiedade na busca dessa gravidez às vezes levam ao desenvolvimento da depressão pós parto. Este foi o caso da celebridade hollywodiana, a atriz Brooke Shields, que tanto desejava um filho e tantas tentativas frustradas viveu e quando, finalmente, se viu com a filha nos braços, passou a sentir uma brutal indiferença pela criança e uma enorme desmotivação para as coisas mais simples do cotidiano. A experiência dela foi tão marcante que virou livro: “ Depois do Parto, a Dor”, editado no Brasil pelo grupo Ediouro.
 

Cerca de 20% de todas as grávidas são adolescentes, com idades variando de 9 a 17 anos. A absoluta maioria delas não desejou e muito menos planejou a gravidez, ainda que haja a versão da adolescente que, de maneira inconsciente, desejou a gravidez para sentir-se “alguém na vida”. Esta é uma das explicações que os estudiosos da famosa e frequente gravidez na adolescência encontram para justificar a espantosa proporção de 20% de jovens entre 9 e 16 anos entre as grávidas brasileiras. Outra explicação é a do “pensamento mágico” que domina a juventude, a velha história do comigo-não-acontece que explica a falta de prevenção desde a gravidez, passando pelas doenças e pela direção perigosa ou sob o efeito de drogas e álcool.
É bem difícil acreditar que uma moça muito jovem que engravidou sem querer e por isso vai perder inúmeras oportunidades na vida – desde o estudo até a vida social – possa estar feliz. Portanto a possibilidade da ocorrência de doença depressão na grávida adolescente não é nada desprezível.
 

Apesar de toda a divulgação dos métodos contraceptivos, muitas mulheres engravidam por uso indevido dos anticoncepcionais. É um outro tipo de gravidez indesejada.
Sabe-se que 25% das mulheres casadas ou com relação estável, são regularmente agredidas fisicamente por seus companheiros. Será que estes pararão de bater nelas apenas porque elas estão grávidas? Como estará a auto-estima de uma mulher constantemente agredida? Como esta auto-estima vai influir na sua gravidez?
 

Além de tudo isso, existem todas aquelas dúvidas, inseguranças e fantasias tão típicas da gravidez. O medo do parto. O medo da malformação do bebê. O medo de ser pouco atraente aos olhos do companheiro. O medo da traição do companheiro, já a vida sexual pode se transformar durante a gestação.
Existem homens que têm essa visão “endeusada” da maternidade e da gravidez como algo “sagrado”. É difícil fazer sexo com uma representante do mundo sagrado.
Existem outros que, ao contrário, têm seu apetite sexual aumentado diante de uma mulher grávida. Mas as grávidas nem sempre estão dispostas para o sexo.
E ainda existem muitas grávidas que não têm companheiro algum. Terão que criar seus filhos sozinhas, sem o apoio emocional e econômico proporcionado por um marido ou amante.
 

Pressões financeiras, pouca atenção do parceiro e gravidez indesejada, principalmente em situações de não aceitação pela família ou pelo meio social, são fatores associados ao alto índice de depressão na gravidez.
Se a tudo isso se somar um histórico familiar da doença, a gestante terá uma grande possibilidade de desenvolver a depressão na gestação ou no pós parto.
 

Normalmente a grávida, aos dois meses de gestação, tem enjôos, sonolência. Lá pela décima terceira até a décima sexta semana o estrogênio sobe e vem a melhora do humor, ela se sente ótima e disposta a ter muitos outros filhos. No final da gravidez, a partir do oitavo mês, as complicações físicas podem alterar o humor, como ocorre com qualquer limitação física.
 

A prevalência de depressão em grávidas em 7,4% no primeiro trimestre de gravidez, 12,8% no segundo e 12% no terceiro.
O estrogênio, porém, vai cair violentamente no pós parto e pode aparecer a depressão, numa prevalência de 10% ou o blues puerperal (tristeza pós parto), que acomete o espantoso número de 80% das mulheres que tem filhos pela primeira vez.
 

Depressões não tratadas em grávidas provocam um estresse crônico que vai provocar a liberação de determinados hormônios que resultarão num excesso
de adrenalina o que pode causar taquicardia, pode diminuir o calibre dos vasos sanguíneos (vasoconstrição), pode diminuir a oferta de nutrientes para o feto, além de expor a gestante aos riscos inerentes das depressões graves, como o suicídio e a depressão pós parto.
 

Para o tratamento da depressão na gravidez é necessário ponderar, com o médico, os riscos que a exposição do feto ao medicamento acarretará versus os riscos para o feto e para a mãe no caso da depressão não tratada.
No passado temia-se que medicamentos antidepressivos pudessem ocasionar problemas de malformação no feto. O fantasma da Talidomida (um “calmante” usado nos anos 1960 que fez nascer inúmeras crianças com defeitos físicos) ainda paira sobre os consultórios médicos dos obstetras e na cabeça das mães e avós da grávidas de hoje. Os antidepressivos de hoje apresentam riscos estatisticamente desprezíveis. Mas ninguém quer ser o percentual desprezível da estatística, não é?No entanto, se a gestante não receber nenhum tratamento estará correndo riscos da mesma forma, tanto ela própria quanto o seu bebê.
Além disso, grávidas deprimidas precisam de mais anestesia na hora do parto do que as grávidas não deprimidas.
Já na depressão pós parto o uso de antidepressivos tem indicações iguais as de qualquer paciente que necessite deles, pois não interfere em nada no aleitamento do bebê.
 

A depressão pós parto acontece em três níveis:
- o Blue puerperal, que é a tristeza pós parto, um transtorno que tem início alguns dias depois do nascimento do bebê e vai passar, sem medicamento ou qualquer terapia, em no máximo duas semanas. A mãe – que todos julgariam feliz pelo nascimento de seu filho – chora por qualquer coisa, fica agressiva e irritada com a família e com seus acompanhantes, não quer mais cuidar da criança e, muitas vezes, nem de si própria.
- Se o quadro não se reverte em duas semanas, então se está diante da Depressão Pós Parto propriamente dita.
- O terceiro nível é o da psicose pós parto, quando surgem delírios e pensamentos de suicídio ou infanticídio.
É comum, em alguns programas femininos de TV ou em noticiários vespertinos, apresentadoras e apresentadores esbravejando contra mulheres que abandonam seus filhos ou que tentam assassiná-los. Frases como “essa aí não merece o nome de mãe” e outras pérolas do mau jornalismo demonstram claramente o desconhecimento e o preconceito para com uma atitude que, na maioria dos casos, nada mais é do que a manifestação de uma doença que pode acometer, infelizmente, qualquer mulher durante e depois da gravidez.
Sintomas de depressão pós parto não devem ser desconsiderados nem pelos familiares nem pelos profissionais de saúde e muito menos pelos meios de comunicação, que em vez de ajudarem a esclarecer, quando fazem sensacionalismo, contribuem apenas para aumentar o preconceito e o consequente sofrimento de mãe, bebê e de quem está próximo.
Como quase toda doença, necessita apenas de compreensão e tratamento.
 

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