voltar para a página de Livros de Francisco Assumpção

(Elizabeth Louise, século XVII, Hebe,

deusa grega da juventude)

 

Hebe, deusa da juventude, era filha de Zeus e Hera. Por ter esse privilégio, representava a donzela consagrada aos trabalhos domésticos, cumprindo diversas obrigações, como o banho de Ares, o atrelamento do carro de Hera ou o servir do néctar e da ambrosia aos deuses do Olimpo.

Um dia, enquanto executava essa tarefa, viu-se em uma posição inconveniente e, devido ao riso dos deuses, passou a recusar tais tarefas, sendo substituída por Ganimedes. Por sua graça, dançava ao som da lira de Apolo, juntamente com as Musas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"...amaram-se da maneira como se amavam as pessoas quando o tempo ainda não era tão quente, as cidades com praias ainda não tinham desaparecido, o ar podia ser respirado sem nenhum tratamento prévio e, principalmente, as pessoas podiam decidir seus próprios destinos. "

 

Hebe

Trecho do Livro de Francisco Assumpção

O Homem que Pintava Mulheres


A presença de Hebe, entretanto, mostrava, de maneira cabal e insofismável, o limite da vida, o desenrolar do ato final já tão próximo; ao mesmo tempo, trazia o gosto amargo do já vivido e do já findo. Mais que isso, ela trazia a superação do eterno conflito representado pela juventude em contraposição à velhice, a saúde em contraposição à doença, todos aparentando serem irreconciliáveis; porém, ali, junto dele, coexistiam, ainda que fosse por fragmentados momentos, juntos, com o mesmo valor, empaticamente, equilibrando a tensão da polaridade entre as duas oposições.

 

Ela parecia pesquisar reações e explorar, profundamente, algo que ali se ocultava há tempo. Tê-la havia sido quase como um renascer, como um descortinar de uma infinidade de conhecimentos e sensações que, embora soubesse que sempre tinham estado presentes, pareciam-lhe como recém-descobertas. Isso porque, sabia muito bem, há muito tempo, não sentia nada, não queria nada e não acreditava mais em nada. Diante disso tudo, ela era um oásis.

 

Ela era o próprio mistério das experiências pessoais que se recriam dia-a-dia, num sem fim de possibilidades. Na verdade, parecia como se, com ela, tivesse renascido mais uma vez, para reaprender e re-executar todo um programa até então desconhecido, mas que parecia fazer parte de seu próprio ciclo de vida.

 

Embora às vezes parecesse cruel e radical, demandando toda unia atenção concentrada somente na sua figura, a experiência de tê-la foi ganhando, pouco a pouco, um significado surpreendente, que o fazia ver-se capaz de mudar e de alterar os próprios rumos de sua vida. Tinha sido tão diferente este seu encontro daquele com a garota da rosa vermelha, do qual fugira pouco tempo atrás. Talvez pela própria lembrança e pela desilusão desse abandono é que tivesse fugido dela, com medo de outro abandono próximo
provável.


Subitamente, alguém esbarrou nela. Um homem de idade um pouco maior, vestido também da maneira desagradável que os demais e que, tomando-a pelo braço, conduziu-a para um local mais solitário e tranquilo. Ele reconheceu a si mesmo naquele indivíduo massificado e sem graça. Novamente, veio à sua memória o poeta, quando dizia: "e eu morrendo, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo tão bela palpitar nos teus braços, querida, a delícia da vida, a delícia da vida" Sorriu!
 

No quarto cinzento, de concreto aparente, com pequenas janelas padronizadas, amaram-se da maneira como se amavam as pessoas quando o tempo ainda não era tão quente, as cidades com praias ainda não tinham desaparecido, o ar podia ser respirado sem nenhum tratamento prévio e, principalmente, as pessoas podiam decidir seus próprios destinos.

 

Talvez esta fosse uma das poucas coisas que permaneciam com o passar do tempo: o que se sentia e construía-se através das relações com outras pessoas. O suave perceber de outro corpo. A respiração ofegante, boca contra boca. As mãos enlaçando-se, os corpos gemendo... Era isso mesmo!

 

Ela havia trazido, ainda que por um curto espaço de tempo, algumas das coisas que a vida oferece de mais encantador. Junto com a juventude, que sugara dela de maneira vampiresca, outros dons vieram, como os loucos sonhos, os desejos difíceis de realizarem-se até mesmo por limitações físicas e, principalmente, o recuperar, ainda que por breve espaço de tempo, daquele acordar e, ao ver o sol, sentir a felicidade de estar vivo e agradecer por mais um dia que se inicia. Estar com ela era a própria dissolução, fragmentação, desestabilização de tudo que era ou fôra.

 

Juntos, tinham pensado, tantas vezes, em sair daquele lugar e ir para outro, embora não soubessem bem para onde, pois as notícias, nesses dias que corriam eram todas controladas por uma central geral que as filtrava e que divulgava apenas aquilo que interessava para o bem da coletividade, numa atitude ética pragmática que justificava a diminuição das possibilidades individuais para melhoria da vida geral.

 

Ele lembrou que isso tinha começado com as proibições do fumar e do beber, posteriormente tinham se estendido para o  comer carnes gordas, o não fazer exercícios físicos e outras coisas mais, destinadas a uma vida longa, sem doenças, que poderiam ser prevenidas; principalmente sem grandes gastos por parte dos departamentos de previdência social que, de forma hipócrita, referiam estar preocupados somente com o bem-estar geral, e não com os gastos dele decorrentes.
 

41 Trecho de /n Extremis, poesia de Olavo Bilac.
-129-