Onde está o estribo do bonde carregando ilusões e esperanças?
Onde está a menina que nos últimos dias da minha existência ouvia Celly
Campello?
Cadê o verde que simbolizava esperança e hoje e
apenas lembrança de mais uma árvore tombada?
E o
amarelo— já que cores existem para todos os gostos— o ouro, para onde
foi senão para uns poucos, a quem ainda é dado existir, enquanto pensam
que estão vivendo?
E o azul, que, depois de Gagarin*, ficou provado
ser apenas uma ilusão?
Talvez que
só reste o branco, mas um branco diferente, cada dia mais branco, mais
vazio. Já não se fazem mais brancos como antigamente.
Vermelho! Quanto sangue derramado em vão! Quantos
heróis esquecidos. Quanto amor, quanto sonho, quanta música, quantos
gênios, quantas aventuras e epopeias.
Quantas palavras e quantas mentiras. Bibliotecas
inteiras. Crenças. Feitos. Estatuas. Fórmulas mágicas,
poções...Alquimistas e bêbados. Professares, lentes, bedéis.
Máquinas que andam sozinhas, máquinas que pensam. Máquinas que visitam o
Universo, que falam, transmitam, ensinam. Máquinas que destroem. Homens?
Mulheres? Crianças?
Tudo somado, igual a nada. Onde estão vocês todos? Onde eu estava antes
de morrer? Para onde foi Deus? E o sol, a lua e tudo o mais?
Mas lá longe, bem longe algo se mexe. Por um instante, parece que
ressuscito. Um som. agora uma imagem. É ela. Está ali. Bem na minha
frente. Meus olhos conseguem ver. É pequena e chora. E se movimenta. Se
alegra com o Sol, se enxerga na Lua, se molha na chuva e sente a terra
que sobe. Corre atrás das folhas que caem no outono, fura as ondas do
mar. Corre, dança, desdobra as cores do Universo. Luta, derrama seu
sangue. Brada aos céus e à terra. Mas também sonha, crê. Sonha com o
Universo todo para si.
Por um instante eu renasço e volto a morrer. Mas na morte encontro Deus,
o Sol, a Lua. Na morte encontro a vida.
A vida
que continuou naquela Criança.
*Yuri Gagárin, primeiro homem no espaço, exclamou: “A
Terra é Azul”
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