-- Minha
querida, você deveria ter sido menos radical nas posições que tomou na
discussão de ontem com seu irmão. Você tem que entender que, apesar de
estar certíssima, deve dar um desconto a ele. Ele é o que é, fruto da
nossa sociedade, e a nossa sociedade é mesmo machista. Você tem todo o
meu apoio. Concordo completamente com tudo o que você disse ontem. Mas,
peço, pegue mais leve com ele. Afinal, ele é seu irmão, sangue do seu
sangue, ainda que, depois da briga, tenha me dito que você não passa de
uma feminista radical e burra.(E aqui ela ri, um risinho sarcástico)...
Mas... fazer o que, né? Não o queira mal por isso, ele é seu irmão...
Então era assim que a Bruxa do Mal sempre parecia ser a Bruxa do Bem,
quando, em verdade, estava acirrando os conflitos entre os irmãos e
sempre posando de boazinha e compreensiva.
Um dia, o marido de uma de suas primas, se suicidou. Ele andava bebendo
muito, depois que perdera, num acidente de carro, seu único herdeiro
homem. Vestiu-se todo chique, deitou-se no divã que havia na Biblioteca
da casa e deu um tiro na cabeça.
A Bruxa Má, depois do enterro, foi consolar a prima:
-- Minha querida, sou totalmente solidária à sua dor. Perder o marido,
ainda jovem como você, com três filhas para acabar de criar, não é uma
situação cômoda. Conte comigo para tudo o que precisar. Você é uma
mulher maravilhosa e vai acabar superando essa tragédia. Mas, querida,
principalmente, não se sinta culpada. Eu sei que você fez de tudo para
que ele superasse a dor da morte do filho de vocês. Não é sua culpa, se
não conseguiu. Por favor, não se sinta culpada.
Uma semana depois a infeliz da prima estava no psiquiatra para se livrar
de uma culpa que ela tanto não tinha quanto jamais pensara ter, até a
conversa da Bruxa Má no velório...
Ela agia assim com todos. Amigos. Família. Marido. Seus próprios irmãos.
Sentia aquele perverso prazer em ver todos se odiando. Ou odiando a si
mesmos.
Mas todos pensavam amá-la, sem perceber que ela os jogava uns contra os
outros, sempre fingindo compreender e apoiar. “É sábia” – diziam dela.
Isso porque tendemos naturalmente a julgar sábio quem nos apoia e
concorda com nossas opiniões. Por apoiados, ficamos cegos ao veneno de
cobra que vem junto.
E assim foi por toda a sua vida. Todos a julgando sábia e tolerante,
respeitando o seu misticismo de almanaque e frases edificantes que ela
vivia citando enquanto acendia seus incensos ou sentava-se, para
meditar, na postura do Buda.
Todos à sua volta, viviam destilando suas raivas e seus ódios, uns dos
outros, porque era ela – sim, a sábia – que jogava, com inequívoca
habilidade, uns contra os outros. E sempre saía como se os estivesse
ajudando e apoiando.
Enganou quase todos, a vida inteira. Uma vida longa: 99 anos.
Ela morreu, ontem, afinal, de velhice. Gente ruim morre mais tarde.
Morreu bem no dia em que seus conterrâneos choravam os mortos do
Atentado do World Trade Center, há 21 anos passados. Morreu antes de ver
a derrota, ou a vitória, do seu candidato do Mal à Presidência do
Brasil. Morreu amargando a ausência de sorrisos a vir buscá-la na hora
da passagem. Morreu cercada por familiares, subitamente consciente da
falta de amor que sempre, afinal, a envolvera.
Sua semente, porém, ainda vive – e pode brotar – nas muitas almas que
ela envenenou. Afinal, os que nascem para o desentendimento são quase
sempre condenados a esperar por uma segunda chance sobre a Terra.
2022, setembro, 12
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