Só
Londres, uma cidade tradicionalmente sem sol, aparecera nas telas da TV
com um céu azul e sem nada tremulando ao vento, nem bandeiras (e eram
tantas hoje!), nem folhas. Sua Majestade, Rainha Elizabeth II, partira.
Aos seus funerais tinham estado presentes chefes de Estado de todo o mundo.
Não que Maria não tivesse chorado a morte da soberana. Admirava sua
fleugma, sua finesse, a maneira com que ela passara por 15
Primeiros-Ministros, de várias correntes políticas, sempre
respeitando-os. Aqui Maria dá um risinho. Está certo que quando era a
Thatcher a coisa não fôra assim tão tranquila. Nem com aquela princesa
boboca que pensava que se casara com o futuro rei por amor... Maria ri
de novo. A Princesa Penteada. Nem esse vento de agora seria capaz de
desmanchar o seu certinho cabelo louro...
Nesse momento, quando acaba de fazer a cama (não sem antes abraçar o
travesseiro de seu amado, que sempre guardava o perfume do gel que ele
insistia em ainda usar nos poucos cabelos que lhe restavam – outro
Penteado, riu-se novamente) iria para o cozinha preparar o café da
manhã. João, o marido, a essa hora já se fôra para o trabalho.
É aí que percebe o vento, pela janela que ela abrira, a carregar um
papelzinho. Pega-o. É o bilhete que seu amor sempre deixa para ela,
quando acorda primeiro. Lê: “Ainda bem que a minha Rainha, única e
maravilhosa, continua na Terra”. Coloca o bilhete dentro do soutien. Ri
de novo. Está contente. A única coisa que a perturba nessa manhã é o
vento, insistente, bravo, indomado e... gelado!
Depois de dar o café aos filhos, terá que ir ao jardim. As suas pobres
plantinhas, as poucas árvores, todas sendo castigadas por esse vento
incessante. Que dia, afinal, irá parar de ventar? Ri de novo,
lembrando-se que o marido sempre torce o nariz quando a vê molhando os
canteiros usando o velho e enorme regador verde, de metal. Há anos, João
mandara instalar aqueles chuveirinhos automáticos no jardim. Para ela
não ter esse trabalho, ele explicava. Mas ela gostava de ter contato com
suas irmãs vegetais. Os tais espirradores de água eram alguma coisa de
muito impessoal. Suas plantas, molhadas assim, estariam privadas da
grande interação de sua própria energia com as delas.
Nessa manhã, porém, o vento consegue balançar até a água que está dentro
do regador que Maria carrega. É obrigada a voltar para dentro da casa
para prender os longos cabelos que o danado do vento faz fustigar lhe a
pele.
Leva mais de uma hora molhando e cuidando das suas amadas plantas. As
crianças já foram para a escola, animadas com o trabalho que todas as
séries do colégio estão fazendo sobre os 70 anos de reinado de
Elizabeth. Todos gostam de reis e de famílias reais – pensa ela –
lamentando que o Brasil, desde 1899, viva sob repúblicas corruptas e sem
a serenidade e a sapiência de um imperador como fôra o injustiçado D.
Pedro II.
Daqui a pouco ela vai se arrumar para ir ao trabalho. É professora, à
tarde, na mesma escola onde seus dois filhos estudam. Dá aulas para a
turma da Primeira Infância e os ensina os mistérios do clima, os das
sementes, os das árvores e dos bichos. Quer que os pequenos aprendam a
amar e respeitar esse Planeta, sua casa e sua Grande Mãe.
Maria sabia que a Deusa do Vento, para o seu povo, era Cruviana. Mas
essa chegava à noite e ia embora pela manhã, às vezes, seduzindo algum
desavisado mortal durante o sono. Não era ela, agora, a soprar sem parar
há tantos e tantos dias.
Então... seria Iansã? Santa Bárbara? Senhora dos ventos e das
tempestades? Não. Não havia tempestades, só o vento inclemente. Não
podia ser Iansã. Quem seria então?
Éolo, o deus Grego do Vento? Não... Ele era quatro, dividido. Esse vento
era Um Só! Mas não estava, pelo jeito, em Londres. Embora fosse muito
bravo, muito bravo, no Japão e no Caribe. E aqui... insuportável! Principalmente por
sua duração. Nunca ia embora. Maria pensava que talvez ficasse ventando
assim para sempre!
Talvez fosse Seth, o deus do vento egípcio. Mas Seth era, como Iansã, o
deus dos ventos e tempestades. Aqui, agora, só havia Vento, nada de
Tempestades, ao contrário, o tempo estava uma secura só!
Então Maria conclui que um Novo Deus do Vento deveria ter sido criado
pelo Infortúnio do Aquecimento Global. Um deus implacável, que jamais cessaria
de soprar, enquanto não visse a sua Terra refrescada e livre daquele
vírus a quem chamavam Seres Humanos. |