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O Filho do Chefe Conto de Natal de Isabel Fomm de Vasconcellos
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- 2017 - |
(Thomas Nast, 1881, O Primeiro Papai Noel)
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Alguns, entre os mais velhos, ousavam até dizer que o antigo compositor de música popular, Carlos Imperial, se inspirara naquela praça para escrever a canção que projetaria ainda mais o então jovem cantor Ronnie Von.
“A mesma
praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo jardim. Tudo é igual,
mas estou triste, porque não tenho você perto de mim.” Toda a
cidade sabia que não era a mesma. Tudo mudara nas últimas três décadas
na vida da outrora calma e pacata cidade de Adelândia. Se, antigamente, as trilhas calçadas da praça abrigavam jovens que faziam o “footing”, à procura de seus pares, e os bancos de concreto abrigavam casais enamorados que se beijavam à sombra das centenárias árvores que os fundadores de Adelândia tinham feito questão de preservar, hoje os jovens usavam os bancos e as trilhas para acabar com a própria saúde, se drogando com as pesadas químicas que o Tráfico incutira nas antes quase inofensivas maconha e cocaína.
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Nos últimos 10 anos, mais de metade
dos jovens abandonara os estudos, a despeito dos muitos esforços de pais
e professores, para se entregar aos ilusórios delírios e delícias do
vício.
Muitos jovens se entusiasmaram com
a possibilidade de carreira e ascensão social que o novo empreendimento
trazia para a cidade. E adelandianos que, antes, quando precisavam de
produtos mais sofisticados que a simples oferta de alimentos, tinham que
se deslocar às cidades vizinhas, e maiores, agora podiam comprar desde
arroz e feijão até sofisticados computadores e Smart Fones.
Em alguns pares de anos, depois de
instalado o hipermercado, Adelândia viu triplicar a sua arrecadação em
impostos municipais, já que os cidadãos não iam mais consumir fora da
cidade. Até novas lanchonetes e lan houses foram se instalando nas
imediações.
Estavam assim todos satisfeitos com
o empreendimento quando, um belo dia, viram entrar na cidade uma
deslumbrante Ferrari vermelha, conversível. Ao volante, um jovem de
olhos castanhos muito límpidos (que eles viram, é claro, apenas depois
que este tirou seus caríssimos óculos de sol, que uns juraram ser
Cartier Paris, outros, Lungano Diamond).
-- O que é isso? O senhor faça a
gentileza de se explicar. O que faz aqui? Quem é o senhor?
-- Boa tarde, Mascarenhas –
respondeu o Estranho – Eu sou o filho do chefe!
Mascarenhas engasgou.
-- Oh – disse o diretor geral,
ainda embasbacado pelo inusitado daquela surpresa – então o senhor é
filho do nosso fundador, do senhor José de...
-- José de Deus da Cruz e Souza –
completou o estranho com um sorriso de mil dentes, já se levantando e
estendendo a mão ao diretor geral. – Me perdoe a intromissão, estive
admirando os seus excelentes resultados – completou o Filho do Chefe –
Mas, por gentileza, assuma o seu lugar, não quero atrapalhar.
-- Imagine! – disse com um sorriso
forçado o diretor – O filho de José de Deus jamais atrapalha! Seja muito
bem-vindo! O que mais podemos fazer pelo senhor? Vou imediatamente
providenciar uma sala, uma de nossas melhores, e secretárias para que
sua estada aqui seja tão produtiva quanto imagina. Se preferir, pode
usar a minha sala mesmo! Mas o senhor não me disse a sua graça!
-- Ora – respondeu o Filho do Chefe
– não é necessária tanta formalidade. Pode me tratar por você. Afinal
vamos trabalhar juntos por algum tempo. Eu me chamo Cristiano, mas todos
me tratam por Cris.
E foi assim que começou uma fase de
inacreditáveis mudanças naquela filial em Adelândia.
Depois de auditar todas as contas
da empresa, Cristiano reuniu-se com Mascarenhas e seus auxiliares e
começou a contestar a prática de alguns preços, em alguns setores da
imensa loja. Argumentava que os critérios levavam a preços abusivos, que
não havia necessidade de deixar de praticar preços justos e mais
honestos para com a clientela.
-- Mas nós seguimos as orientações
da matriz – explicou o controller.
Os diretores se mexeram inquietos
em suas poltronas. Estaria esse moleque, só porque era filho do chefe,
pensando em cortar alguma coisa, como as gordas gratificações anuais ou
outros benefícios, justamente deles? Afinal, que conversa era aquela de
“justa distribuição”? Parecia papo de comunista, meu!
E o filho do chefe começou
realmente a impor essas mudanças. Subiu o salário dos funcionários mais
humildes, cortou alguns benefícios dos mais graduados, baixou inúmeros
preços que considerou “abusivos”, estendeu outros benefícios a todos os
funcionários, sem discriminação de cargo ou posição.
É claro que muitos diretores
contestavam tudo isso e pensavam mesmo em desafiar a autoridade dele,
comunicando-se diretamente com alguns contatos que tinham na matriz e
até em outras filiais. Mas, desgraçadamente, todas as tentativas de
comunicação (incrível! Nesses tempos de WhatsApp e redes sociais!)
falhavam.
Aconteceu que, em apenas algumas
semanas, as mudanças propostas pelo filho de chefe começaram a dar
frutos. O faturamento subiu, estimulado pela súbita queda nos preços de
muitos itens. A produtividade também cresceu, estimulada pelos melhores
salários e novos benefícios oferecidos aos funcionários. E a diretoria
começou a acreditar que, no fim das contas, acabaria ganhando mais do
que antes.
Por outro lado, inspirados pelo que
chamavam de “política da generosidade”, outros empresários locais
seguiram o exemplo do grande hipermercado. Revisaram seus preços.
Criaram novas promoções. Ajustaram os ganhos de seus empregados.
Chegou o Natal. Um grande jantar
foi oferecido pela Associação Comercial de Adelândia aos empresários
locais.
-- Quero apresentar a vocês a minha
esposa, Madalena, que chegou recentemente à Adelândia. Devo confessar
que ela foi a minha grande inspiração para a implementação das pequenas
mudanças que fizemos. Todos os presentes hão de convir que, há muito,
ignoramos a grande contribuição que as mulheres têm a dar ao mundo
produtivo, ao mundo coorporativo. Essa contribuição passa pela poderosa
intuição e pela grande sensibilidade que possui o sexo feminino. Nós
vamos partir agora, meu pai nos espera para a comemoração do Natal. Mas
esperamos ter deixado aqui uma semente, aquela que nos mostra que, além
do lucro, devemos nos guiar pelo bem-estar de todos os que labutam
conosco em nossas empresas. Essa preocupação induz, afinal, a lucros da
mesma maneira. Talvez mais lentamente, talvez com um pouco mais de
trabalho, mas, sem dúvida, com enorme gratificação para todos. Boa
noite. Feliz Natal.
Aplaudido, sob alguns protestos de
que não daria a o enorme prazer de sua companhia, Cristiano e Madalena
se retiraram.
No dia 27 de dezembro, como por
milagre, todos conseguiram se comunicar com outros diretores da matriz e
de outras filiais. Descobriram então que o grande chefe, o homem que
iniciara aqueles empreendimentos, não tinha filhos. E que
jamais ordenara nenhuma mudança em nenhuma filial, em nenhuma cidade. |