(Philip toma banho de torneira)                                                                    voltar para página inicial  página site Textos Isabel

CONSERVANTES E CONSERVADORES

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano.

 

Depois de dez dias de calor absurdo, São Paulo chuvosa e até com garoa. 18 graus. Abro a torneira de água fria da cozinha, para lavar a louça do meu café, e a água sai morna. É que o prédio, que "cozinhou" todos esses dias passados sob a temperatura tórrida, conserva o calor em suas paredes e encanamentos. O apartamento demora a esfriar; aqui dentro ainda há mais calor que lá fora.

 

Fico pensando sobre conservar.

 

Da mesma maneira que o edifício conserva o calor passado, alguns conservam, em suas almas e em seu corações, tudo o que já passou, o que não é mais, o que o mundo já superou. O ódio atual dos conservadores contra os progressistas e desses contra aqueles, a intolerância, a incompreensão, a recusa ao diálogo, são os mais rápidos caminhos para a guerra.

 

Já disse -- e repito -- que o saudoso médico psiquiatra e escritor José Ângelo Gaiarsa vivia dizendo que, em 10 mil anos de História, jamais houve um dia sequer em que não existisse guerra em algum canto do planeta. Esses somos nós, a humanidade, que, na sua maioria, tem muito pouco de seu próprio nome e muito mais de desumanidade.

 

Além das muitas guerras que, nesse momento, grassam soltas pela Terra, há as guerrinhas cotidianas, as guerrinhas da convivência ente os vários grupos humanos (ou desumanos): na família, na empresa, na política, nas atividades produtivas (ou improdutivas). A guerra parece ser a maior das atrações que sentimos na vida.

 

Por outro lado, hoje tomei meu café na cama -- é sábado -- assistindo o maravilho canal, de TV, Arte Um. É, e sempre costuma ser, um banho de esperança e de fé na capacidade humana, um show de arte, de cultura, de toda a beleza que somos capazes de produzir, paradoxalmente à nossa vasta produção de batalhas.

 

Ontem reli o livro "Olga" de Fernando Morais e lá está a crua descrição da crueldade e da injustiça dos regimes totalitários de direita na perseguição aos militantes e simpatizantes do pensamento à esquerda, progressista, o que propõe uma sociedade mais justa, com mais igualdade de oportunidades, mais amor e mais tolerância e mais compreensão. Todos esses, hoje, são tachados pelos direitistas de plantão como "comunistas". Santa Ignorância! Gente, o comunismo morreu e está enterrado há décadas, até nos países que ainda são chamados assim...

 

A vida é tão curta. O tempo passa tão depressa. Por que essa necessidade de tão dura e cruel repressão aos que ameaçam construir um mundo melhor para todos? Medo. O medo é a resposta. Medo de abrir mão de alguma coisa em prol do nosso semelhante; medo de perder privilégios e regalias em prol de uma mais justa e humanitária distribuição de riquezas e de oportunidades na sociedade.

 

Ressurge por todo o mundo uma direita cruel e medrosa. Grupos de neonazistas se expandem via Internet e chegam até aos jovens estudantes paulistanos. Líderes de extrema direita ganham as eleições em vários países. E isso lembra a década de 1930 e a ascensão do pensamento nazifascista, que, por fim, levou à Segunda Guerra Mundial.

 

Lula comparou o que Netanyahu impinge aos palestinos ( e não apenas ao Hamas) ao que Hitler fez ao povo judeu. É um exagero. Mas, a morte é a mesma, para todos. Seja na câmara de gás ou por inanição. A crueldade é a mesma, seja Putin contra a Ucrânia ou o Jairzinho contra a cultura e a ciência.

 

Aliás, pode notar: ditadores, regimes ditatoriais, tanto de direita quanto de esquerda, acabam sempre tomando providências para reprimir o pensamento, o conhecimento, a arte e a cultura. Claro, né? Tudo o que liberta a alma e o cérebro ameaça aos donos do poder.

 

No entanto, o ardor intenso e a força das ideias libertárias sempre dão um jeito de sobreviver. Mesmo quando a neve da intolerância cobre os edifícios do mundo, esses conservam o calor por dentro de suas estruturas e espirram esperanças, ainda que por torneiras da clandestinidade.