Foi em 1980 que os cientistas da Terra perceberam que poderiam fazer com
que um gene usasse uma bactéria como veículo para se instalar num outro
corpo, animal ou vegetal. Daí para a clonagem da famosa ovelha Dolly, no
final do século XX, foi um passo. Um passo de 18 anos, mas para a
ciência 1,8 década é um nada na medida do tempo.
Passaram-se mais quatro décadas até o Homem Transgênico.
Nesse período, muita controversa foi gerada sobre os alimentos
transgênicos e sobre a possibilidade de clonagem de seres humanos. A
Grã-Bretanha foi a primeira a admitir legalmente a possibilidade no ano
de 2001. A mentalidade e as crenças culturais, infelizmente, andam um
compasso atrás dos avanços científicos. Naquele ano de 2001, por
incrível que isso possa parecer, até um simples bebê de proveta era
motivo de altas polêmicas. No Brasil, destruíam-se, por protesto,
lavouras transgênicas e no Oriente Médio mulheres acostumadas a ter uma
vida intelectual e produtiva, eram obrigadas a recolher-se à casa e só
saírem cobertas dos pés à cabeça...
Mas a ciência prossegue seu caminho, inexoravelmente, certa talvez, de
que a missão do Homem sobre o planeta é evoluir através do conhecimento.
A
genética, porém, acabou calando a boca de seus opositores, na terceira
década do terceiro milênio, através dos inúmeros e incontestáveis
benefícios que trouxe, principalmente na clonagem de órgãos, que agora
podiam salvar tantas vidas, sem o inconveniente de precisarem de
doadores ou de drogas contra a rejeição. Seu rim pifou? Nenhum problema:
clonamos seu rim e fazemos um novo para substituir o defeituoso. Câncer
na próstata? Clonamos sua próstata, jogamos essa aí fora e colocamos a
nova.... Nunca houve tão pouco pudor em divulgar procedimentos médicos
(nem mesmo no boom da cirurgia plástica) quanto na época da clonagem de
órgãos.
Esterilidade foi outro fator. Simplificaram-se tanto as técnicas de
reprodução assistida que os orfanatos tiveram superlotação.
Nada, porém, teve o impacto causado pelo Homem Transgênico.
Vários fetos experimentais foram criados, depois de um exaustivo
mapeamento das vantagens de cada espécie animal, incorporando à sua
própria herança genética dos fetos, os genes desses animais, justamente
aquele que conferia ao animal em questão, sua grande vantagem natural.
O olfato, dos cães; a capacidade de localizar por olfato, dos urubus; a
visão do lince; a destreza do macaco; a elasticidade dos gatos; a
capacidade de orientação, das andorinhas; a capacidade de transformar a
cor da pele, do camaleão; a capacidade de regeneração e reconstrução dos
membros, das lagartixas; a sobrevivência, das baratas; o tônus muscular,
dos cavalos...Tudo isso incorporava-se agora aos seres humanos que se
geravam nas provetas de laboratório e eram implantados em úteros de
mulheres sadias, dispostas.
A experiência aterrorizou alguns: e esses seres privilegiados por
atributos até então restritos aos animais, não se sentiriam superiores,
fadados ao poder, a alguma espécie de ditadura?
Milhões de moções e abaixo-assinados choviam no laboratório do Homem
Transgênico, exigindo o assassinato dos fetos que cresciam, felizes, nas
barrigas de suas hospedeiras. Milhares de processos, bilhões de
protestos.
No entanto o tempo mostrou que esses seres humanos, de todos os sexos,
embora dotados de atributos especialíssimos, traziam em si uma alma
pacífica, conciliatória e extremamente diplomática. Tinham uma nobreza
de caráter que parecia, também, fruto da consciência de que eram irmãos
dos animais, não só dos humanos; fruto da consciência de ser parte da
Criação e trazer em si o resultado de milênios de pesquisa científica e
embates filosóficos. E todos os atributos do Criador, distribuídos em
várias obras, neles reunidas e em harmonia. Talvez fosse isso, afinal,
aventavam os sábios, que os diferenciasse e fizesse deles seres tão
maravilhosos e amados em todo o mundo.
E tão sensacional foi, portanto, o resultado da experiência que os
cientistas do mundo decidiram que poderiam, sem correr riscos, criar
homens transgênicos, com todas essas atribuições, mas também alados. Com
a força da águia e agilidade do beija-flor.
Agora aguardamos que estes se desenvolvam e, daqui a alguns anos,
vislumbraremos o nosso futuro no Universo, a realização do mais
recôndito sonho da humanidade: Voar, livre, pelos ares.
Relator especial de Kapella na Terra, 23 de fevereiro de
2062.
|